As crianças da noite – Parte 3

Os três ficaram ali, olhando a menina na porta. Ninguém falava nada. Regina apertava com força o braço de Carlão. Talvez por isso foi ele quem rompeu o silêncio.
-Que-quem é você?
-Mas a menina não respondeu. Estava parada feito uma estátua de cera. Era como se ela não os visse. Regina tinha esta sensação, era como se a menina estivesse ali por ela, e só visse ela.
Carlão insistiu.
-Você é o diabo, menina?

O silêncio continuou. A menina estranha olhava para o chão, enquanto os três ficavam abraçados na junto da porta. O vento frio lá de fora parecia não mexer com os cabelos desgrenhados e sujos da menina sinistra.
Regina rompeu o medo e se impôs. Ela deu um passo à frente. Carlão até tentou contê-la, com medo de que ela tivesse surtado e ia partir para cima da menina. Regina não sabia de onde tirava forças para enfrentar o sobrenatural. Sentiu luma mexendo frenética na barriga.
-O que você quer aqui? Vá embora, desgraçada! –Ela gritou.
A menina então levantou a cabeça e fritou o grupo com os olhos pretos. Era como se olhasse diretamente a alma de cada um. Eles sentiram um frio na espinha e uma sensação de desolação como nunca haviam sentido.
Martina parecia a mais perturbada. Estava atrás dos dois, se agarrando no Carlão. Ela chorava baixinho, repetindo: “Isso não pode estar acontecendo…”
Regina engoliu em seco e continuou:
-Vá embora! Volte para o lugar de onde você veio, coisa!
A menina então ergueu o braço. Apontou seu dedo fino e pálido para ela. Não dizia nada.
-Saaaai! Saaai! – Carlão começou a gritar, seguido de Martina.
A menina então, sem mover um músculo apontou o dedo para eles. Uma força sobrenatural atingiu os dois. Eles foram lançados para dentro da casa, voando quase dez metros e atingindo a parede da escada.
Regina apenas gritava.
A menina então a interrompeu repetindo a estranha ladainha:
-Quero entrar! –Ela disse, com uma voz que já não era mais a mesma do outro dia. Era uma voz mais grossa, meio metalizada, que lembrava um rádio fora da estação.
-Não, não! Vá embora! – Gemeu Regina, tentando fechar a porta. Mas a porta não se movia. Uma força invisível estava segurando a porta aberta.
Assustada, Regina viu a menina dar um passo na direção da entrada.
-Não! Não! – Regina repetia sem parar, enquanto se agarrava a maçaneta da porta, que parecia colada no ar. Regina viu que a menina ia dar mais um passo em direção a ela.
-Socorro! –A grávida começou a gritar.
Uma coisa passou voando por ela e acertou a menina em cheio. Era o espeto de atiçar as brasas da lareira. Carlão apareceu junto a porta, todo ensanguentado.
-Morre diaaaabo! – Ele gritou.
Regina olhou assustada e viu a menina com o espeto atravessado no peito. Ele estava recurvada lar a frente, segurando com as duas mãos o gancho de metal escuro.
A menina tossiu sangue. Escorria um caldo gosmento da boca dela, que contrastava com sua pele alva. Ela cambaleou dois passos para trás. A menina mal conseguia falar e demonstrava sentia muita dor. Os olhos escuros arregalados.
-Por… Que? – Ela gemeu baixinho.
-Vaaaai! Empurraaaa! Gritou Martina, que veio correndo de dentro da casa. Agora ela se unia ao grupo na porta, tentando fechá-la a todo custo.
Força! – Gritou Carlão. A força que segurava a porta pareceu ficar mais e mais fraca.
Então, a misteriosa força sumiu. A porta se soltou e bateu com toda força. Os três caíram uns sobre os outros sob a porta de madeira.
Regina e Martina começaram a chorar.
-Caralho! Caralho!
-Meu Deus! O que foi isso, gente? O que foi isso? -Carlão perguntou assustado antes de cuspir sangue no chão da sala.
-Não é desse mundo! Não pode ser! – Disse Martina. Ela tinha o olhar mais assustado de todos. Surpreendentemente, era Regina que se mantinha mais calma.
-Será que matamos ela? –Perguntou.
-Ela soltou a porta!
-Não tem como sair vivo daquilo. –Ele disse.
-Meu Deus! Somos ass-ass-assassinos! –Gemeu Martina, em choque.
-Não fode, ô louca! Não sabemos nem se quilo lá é desse mundo! – Carlão berrou.
-Oh Shit! A cozinha! – Disse Regina com o olhar esbugalhado para os dois amigos!
-Rápido! Corre!
Eles correram para a cozinha.
-Tranca! Tranca! – Gritava Martina.
-Calma, porra!
Carlão limpava o sangue que escorria do nariz na camisa. O impacto tinha machucado ele.
-Como você tá? – Perguntou Regina depois de trancar a porta dos fundos.
-Minhas costas estão doendo. Bati a cara na parede. – Ele respondeu.
-Você tá mal! – Disse Martina, apontando o inchaço no olho do amigo. Escorria sangue do corte na sobrancelha.
-Temos que fazer um curativo nisso aí! –Disse Regina. –Talvez tenha que dar ponto. Eu tenho uma caixa de primeiros socorros ali no armarinho sob a escada…
-Ei! Me deixa. Será que detonamos ela? – Perguntou Carlão ainda ofegante, limpando o sangue da testa com papel toalha.
-Calma, só vou olhar. Peraí… O que é aquilo?
Havia um silêncio perturbador na casa.
-Hã? O que foi? –Perguntou Martina olhando a expressão de Regina.
-Ali, acho que tem alguma coisa ali fora! – Disse Regina.
Carlão foi até a janela da cozinha para olhar.
– Não, volta. Não vai! Não vai aí! – Disse Martina, já ficando histérica novamente. Mas Carlão a ignorou.
-Hummm. Estranho. –Ele gemeu.
-Tá vendo alguma coisa? –Perguntou Regina.
-Gente… Não faz isso! – Choramingou Martina.
-Não… Tá muito escuro… Pera. Calmaí. Parece que tem alguém ali… No meio do mato… Parece que tá… Dançando. Agitando os braços no escuro. Olha ali… Naquela direção.
-Onde?-Perguntou Regina, se inclinando sobre a estreita janela da cozinha, para ver também. –Não tô vendo nada…
-Tava ali, eu vi. Estava ali ainda agora. Não pode ser ela…
Martina veio e agarrou no braço deles. -Gente, não! Volta, gente! Tô com um mau pressen…
Então eles ouviram uma batida forte na porta da sala. Foi quase como uma explosão.
-Ahhhhh! -Gritou Martina, assustada.
-Puta que pariu!
-Que porra é essa?
-É ela!
Foi quando a luz se apagou.
CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Na boa Philipe você realmente tá querendo me assustar e fazer o meu domingo ficar tenso, kkkkkkkk. Primeiro li o seu texto sobre a situação da Usina Nuclear de Fukushima e li o texto já com aquela vontade de chorar e com aquela pergunta na mente precedendo o choro: “Porque eles foram mechêr com isso”, kkkkkkkkk. Agora esse conto das Crianças da Noite é cabuloso, muito cabuloso e dá medo, kkkkkkk.

  2. E eu morando sozinha, não dá pra ler isso de noite, mas comecei e não consigo mais parar.
    Sinto que essa noite todas as luzes da casa ficarão acesas. Desculpa greenpeace.

  3. Apaixonado pela estória, mas n curti a parte no capítulo anterior que diz que Carlao é corajoso diferentemente dos outros gays… que esteriotipo ridículo.

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