quarta-feira, dezembro 18, 2024

Zumbi – Parte 10

Era uma loura que havia se mudado para o sétimo andar, de frente para a casa dele. Ela era bonita e tinha um irmãozinho pequeno. Certo dia, ela apareceu na varanda usando apenas calcinha e acenou para ele. David mal podia acreditar no seus olhos quando viu aquela loura escultural do sétimo andar só de calcinha na varanda. Era tarde da noite e aquele tinha sido um dia de muito calor. David chegou na varanda e ficou olhando. A moça parecia hipnotizá-lo com o belo movimento dos quadris. Ao fundo ele escutou uma musica abafada que era a que ela estava dançando. Ela não tirava os olhos dele e movendo-se languidamente,  e enfiando os polegares nas laterais da calcinha, começou lentamente a baixá-la…

-Ei! Acorda! – David era violentamente sacudido.

-Hã? Quê? – Ele esfregou os olhos. O dia estava amanhecendo.

-Acho que você estava tendo um pesadelo. – Disse Alice enquanto dirigia o caminhão.

-Ung, minhas costas estão doendo.

-Acho que você está com febre… – Disse ela colocando as costas da mão na testa dele. – Nossa, você está pelando!

-O que aconteceu? Eu nem me lembro de ter dormido…

-Não lembra de nada? Nós estávamos viajando, seguindo para o leste. Você tinha me contado do aperto que passou na base dos homens de branco. Do nada você pegou no sono e eu fiquei com pena de te acordar.

-Ah, sim… Ai… – David esbarrou a perna na poltrona. E uma forte dor surgiu. Ele levantou a barra da calça para olhar melhor o ferimento.

-Como que está? – Perguntou Alice sem desgrudar os olhos da estrada.

Estava uma mancha escura, que já havia se espalhado por mais de cinco centímetros ao redor da área da mordida.

-Pelo menos ele não arrancou o pedaço. – Ele disse tentando sorrir.

-Nossa, está feio! Tá doendo muito?

-Até que não. Só quando aperto assim:  Ai!

-Me sinto mal por isso, David. Sei que você acabou mordido porque foi me ajudar.

-Não pense isso. É besteira. Eu fui mordido porque dei mole.

-Mas se você não tivesse vindo atrás de mim… Não estaria ferido e o Wilson… Pobre Wil. -Alice limpava as lagrimas que teimavam em descer pelo seu rosto.

-Ele fez o que achava que era certo. Se sacrificou por nós.

-É. – Disse ela. Fez se um longo silêncio na cabine do caminhão. Foi Alice que rompeu o silêncio ao perguntar.

-Você acha que eles virão atrás de nós?

-Eu duvido. – Disse David. – Talvez eles até tenham escutado os tiros, mas o caminhão terá sumido, e haverá um monte de restos de corpos de gente e zumbis pelo chão. Eu acharia que o caminhão saiu para a entrega… Eles não tentaram contato pelo radio enquanto eu dormia?

-Eu desliguei o radio.

-Humm. Tudo bem. Nossa, que frio. Estou tremendo.

-É a febre. Nós temos que achar algum abrigo, algum lugar seguro. Temos que trocar esta lata velha.- Disse Alice, olhando pelo retrovisor.

-Concordo. O caminhão é muito grande, ele atrapalha nossa mobilidade. Pode dar uma encostadinha?

-Hã?

-Para aí.

-Ok. – Alice pisou no freio e logo depois o caminhão parou.

David desceu e ela desceu atrás. Eles estavam numa estrada bonita com um bosque ao redor. O sol já brilhava forte no céu, e os passarinhos faziam algazarra nas árvores.  O vento atiçava as flores do campo que nasciam na beira do acostamento.

-Nossa, que lindo. Nem parece que o mundo acabou. – Alice olhava ao redor e se espreguiçava ao sol. -David? Cadê você?

Alice se deu conta que David havia sumido. Ela olhou na cabine do caminhão, mas ele não estava lá.

Alice então deu a volta no veículo enquanto chamava por ele, mas não havia sinal de David.

-David? Onde você está?

Alice ficou olhando ao redor, tentando ver algum sinal de David, quando finalmente viu um pedaço da roupa dele perto de uma árvore, no bosque.

Ela foi até lá.

Ao se aproximar, viu que David estava apoiado numa árvore, com a cabeça baixa. Ele estava tremendo.

-David?

-… – Ele não respondia.

Alice tocou seu ombro devagar.

-Ei.

-David olhou subitamente para ela. Estava pálido. Suava muito e tremia feito uma vara verde. Sua aparência havia piorado substancialmente.

-Estou mal… – Disse ele. Em seguida vomitou.

-Oh, meu Deus! David!

Alice arrastou David Calryle para a beira da estrada.

-Senta aqui. Isso. Assim.

-Alice. Eu acho que estou virando um zumbi.

-Besteira David. Você me disse que eles disseram que você não poderia virar um zumbi.

-Mas e se eles estivessem errados?

-David, eu já vi as pessoas sendo contaminadas com esta merda. Não demora assim. Você não vai virar zumbi, David.

-Olha pra mim, Alice. Estou amarelo, todo meu corpo dói. Estou vomitando sem parar. E agora tudo está rodando. Eu acho que vou virar um zumbi.

-… – Alice não encontrava nada de bom para dizer a ele.

-Alice?

-Sim, David.

-Se eu virar um zumbi, eu quero que você me mate.

-Não fala merda.

-Não é merda, Alice. Eu sei que zumbis não tem controle. Se eu virar irei te atacar. Se eu virar um zumbi, promete que me mata?

-…

-Anda, prometa!

-Ok.

-Promete?

-Sim, David.  – Disse ela olhando para a estrada deserta que sumia no horizonte. Alice respirou fundo e disse:  -Calma, David. Você vai ficar bem. Diga-me a quanto tempo não come nada?

-Nem sei qual foi a última vez que comi.

-Espere aqui que eu vou no caminhão ver se tem alguma coisa.

Alice deixou David sentado no asfalto e foi até o caminhão. Minutos depois ela voltou com um saco de biscoitos.

-Veja, achei uns biscoitos. – Disse ela toda animada. Mas David estava deitado no sol. Parecia desacordado.

-David? David!

Ele parecia desmaiado. Alice o sacudiu violentamente, mas David não acordou.

Alice pegou o corpo desfalecido de David e levou para o caminhão. Ligou o motor e disparou em busca de socorro.

De tempos em tempos, Alice colocava a mão no corpo de David, para ver como ele estava. Se antes ele estava queimando em febre, agora estava frio. Era como se estivesse morto.

Horas depois, o caminhão entrava numa pequena cidade do interior. Os carros capotados e as carcaças esturricadas de veículos que pegaram fogo eram testemunhos do apocalipse zumbi que se abatera sobre aquela cidade. O caminhão andava devagar pelas ruas estreitas.

Cerca de cem metros à frente, Alice viu os mortos parados ao sol.

“São como estátuas de cera”. – Ela pensou.

Alice estacionou o caminhão perto de um mercadinho. As portas estavam arrombadas e uma série de produtos espalhados pela entrada. O mercadinho parecia ter sido saqueado quando a confusão se abateu naquela pequena cidade.

“Esta porra deve estar cheia de mortos. Mas eu preciso entrar lá.” – Pensou Alice. Ela tentou sacudir David, mas ele estava desacordado e frio. Alice mediu o pulso de David, mas era tão lento que mal podia sentir seus batimentos.

Não havia nenhuma arma no caminhão.

Alice olhou cuidadosamente pelos retrovisores, para se certificar de que não havia nenhum morto nas proximidades que pudesse vê-la.

Ela abriu com cuidado a porta e correu para o mercadinho.

Ali dentro tudo estava bagunçado. O balcão estava caído e toda sorte de produtos estavam espalhados pelo chão.

Alice pegou uma sacola e encheu com isotônicos, biscoitos, salsicha em lata, e outros enlatados diversos. Foi até a porta do mercadinho e olhou lá pra fora. Então correu até o caminhão e colocou as sacolas lá dentro.

Tornou a correr até o mercadinho.

“Tem que ter uma arma por aqui em algum lugar” – Pensou.

Ela andou em meio à bagunça até chegar na caixa registradora. Viu num display perto do caixa um kit de facas para churrasco. Pegou um daqueles facões.

Alice adentrou o balcão e começou a procurar nas prateleiras, pra ver se achava um revólver. Ela sabia que geralmente mercadinhos como aquele costumam ter armas de fogo para afugentar os assaltantes de beira de estrada.

Ela estava abaixada sob o balcão quando escutou um barulho de vidro se quebrando.

Alice congelou. Ficou parada apenas escutando.

Lentamente o barulho de passos sobre cacos de vidro ficou mais nítido.

“Droga, algum zumbi entrou aqui!” – Pensou ela.

Alice tentou olhar pela greta do balcão, mas não conseguia ver direito. Ela então colocou a cabeça para fora .

E deu de cara com um zumbi. A criatura era uma velha gorda, com a boca toda cagada de sangue seco.  Mal a velha bateu os olhos em Alice, desatou a gemer e cambaleou na direção dela.

Alice sacou a faca de churrasco e preparou-se para lutar. A velha gorda veio pra cima dela e Alice viu que atrás do balcão não haveria espaço para fugir. Ela tentou saltar o balcão, mas acabou caindo. A velha se aproximou com a boca escancarada, babando. Alice espetou-lhe a faca no bucho e cortou como manteiga. A velha não era muito ágil e as tripas fétidas saíram pelo buraco que Alice abriu com a primeira estocada. A velha saltou sobre ela. A boca nojenta tentando morder o pescoço de Alice. A idosa era pesada. Alice tentava segurar o pescoço da morta com as mãos e tentou enforcar a maldita, que se debatia como louca. Quanto mais a morta se debatia, mais as tripas iam caindo por sobre Alice.

Alice começou a perder as forças. A velha em frenesi não parecia se cansar e enforcar a desgraçada não fazia nenhum efeito.

Então, uma coisa atingiu a cabeça da velha com um fortíssimo impacto, que a fez rolar para o lado.

A velha soltou um gemido gutural. E um segundo impacto esfacelou-lhe a cabeça, afundando-lhe a testa. Alice se assustou ao ver David empunhando um cano de ferro.

-David!

-Você está bem? Esse sangue é seu ou dela?

-È dela.

-Ufa, que bom.

-Como você está?

-Estou sentindo uma enorme dor no corpo. Como uma gripe. E uma vontade danada de vomitar. -Disse ele, apoiando-se no cano de ferro enferrujado, manchado de miolos e sangue. – Acordei no caminhão, e vi que você não estava lá… Resolvi te procurar.

-Ung, essa foi por pouco. – Disse ela enquanto se levantava.

-Temos que arranjar armas de fogo.

-Eu estava justamente tentando fazer isso, mas não achei nenhuma. – Alice apontou a caixa registradora.

– Olhou em baixo?

-Sim. Mas não tem nada. Só uma pochete cheia de tralhas.

-Hummm. Deixa eu ver. – Disse David, indo para trás do balcão. Menos de um minuto depois, ele levantava um revólver.

-Tcharãããnn!

-Onde achou isso?

-Estava sob o banquinho. Eles costumam guardar as armas sob os banquinhos.

-Como sabia disso, David?

-Quando eu era mais novo, já roubei mercadinhos como este e já me botaram para correr com revólveres assim.

-Ah.

-Venha, vamos dar no pé. De onde veio essa aí pode vir mais.

Os dois saíram apressados para o caminhão. Alice ainda recolheu algumas coisas do chão, que jogou num saco plástico.

Eles entraram no caminhão e agora era David que dirigia.

-Você acha que está bem para dirigir, David? -Perguntou Alice, conferindo as coisas na sacola.

-Acho que sim. Só estou um pouco tonto.

-E a febre? Vem cá, deixa eu ver. -Disse ela, colocando a mão na testa de David.

-E aí?

-Parece que melhorou. Graças a Deus!

-Acho que o velhote estava certo, hein? Sabe, acho que estou me sentindo bem melhor agora.

O caminhão acelerou para a estrada, deixando a pequena cidade para trás.

-Ei, olha isso! – Disse Alice, mostrando um Cd do Dire Straits.

-Mete bronca… Gata! – Riu David, apontando o cd player do caminhão.

-Até que o sujeito tinha bom gosto, apesar de ser um filho da puta, né?

A musica tocou em alto volume.

O caminhão percorria estradas vazias entremeadas de bosques. O sistema de audio já tocava Sultans of Swing pela sexta vez quando David notou que Alice estava fazendo guitarrinha imaginária no meio da musica.

-É impossível evitar de fazer guitarrinha imaginária com o Dire Straits, né?

-Nunca consegui evitar. – Disse ela sorrindo como uma criança.

-Sabe tocar guitarra?

-Sempre quis aprender. Mas sabe como é, “a filha do pastor”… Nunca consegui comprar uma.

-Um dia eu te ensino.

-Vou cobrar, hein?

-Pode cobrar!

David e Alice percorreram cerca de cem quilômetros com o caminhão, quando a luz da gasolina acendeu.

-Ops! Olha só. – David mostrou o painel a ela.

-Quanto tempo você ainda acha que temos?

-Hummm. Sei lá. Esse alerta deve informar que dá pra andar um bom pedaço até um posto de combustível.

-Acho que o melhor seria trocar de veículo.

-Também acho. Fica de olho na estrada aí. Se achar algo que preste, me avise.

-Ok…Gato! – Alice ria da piadinha.

Alguns minutos depois, após uma curva na estrada, eles se depararam com um carro jogado no canteiro que separava as duas pistas da auto-estrada. Ele estava todo aberto, com as quatro portas arreganhadas, como se os passageiros tivessem saído correndo. O carro era um modelo SUV, o que indicava que tinha tração 4X4.

-Olha lá aquele! -Alice apontou.

-Humm. Parece promissor. Me dá a arma e passa aqui pro banco do motorista.

-Ok. Cuidado, David.

O caminhão encostou na estrada. David saiu sorrateiramente, empunhando o revólver.

Olhou para os lados e não havia nenhum sinal de movimento.

David correu pelo gramado até o carro. Olhou em volta, e não havia ninguém dentro. A chave ainda estava na ignição.

David percebeu que o carro estava atolado. A lama fresca já tinha solidificado.

-Vamos ver… – Ele disse entrando no veículo.

David ligou o carro e ele parecia preso. Ele ativou o modo de tração e num solavanco, o carro saltou do buraco.

-Aê! – Chorou, mas saiu.

David deu uma olhada no combustível e marcava mais de meio tanque.

-Alice, vem! – Gritou para a moça.

Alice saltou do caminhão com as sacolas.

David acelerou o carro.

-Ah, não. Para, espera. -Disse Alice com um tom de angústia na voz.

-Que foi?

-Dá ré, dá ré!

-Que foi, caralho?

-Eu esqueci o Cd no caminhão.

-Porra, quer me matar de susto?

David jogou a ré e disparou a toda pela estrada, até parar perto do caminhão.

-Vai lá.

Alice saltou do carro e correu até o caminhão. Ela entrou no veículo e apertou o eject no aparelho de som da cabine. O Cd saiu, ela pegou e enfiou no bolso da jaqueta. Alice desceu do caminhão e deu de cara com um zumbi.

Era um tipo estranho, alto com a barba por fazer. Tinha os olhos revirados e vermelhos. O cabelo desengonçado e vestia um macacão sujo de lama, graxa e sangue.

O zumbi estava muito perto dela e agarrou a morena pelos cabelos. Alice deu o melhor soco que pôde na cara do zumbi, que cambaleou para trás, e largou do cabelo dela.

Alice tentou correr, mas o zumbi era mais rápido. Alice corria na direção do carro e o zumbi em seu encalço. Quando ela percebeu o que se passava, Alice saltou de lado. E no segundo seguinte, o SUV 4X4 estourou de ré na cara do zumbi à toda velocidade. O morto foi lançado a cerca de dez metros.  David abriu a porta.

-“Vambora”?

-Nossa, você demorou!

-Pegou o CD?

-Tá aqui. -Disse ela, tirando o disco de dentro do bolso da jaqueta blusa e colocando no Cd player.

David acelerou o carro e os dois viram o zumbi pelo buraco no vidro traseiro. O morto  que já se levantava no meio da estrada  foi ficando para trás até sumir.

-Você tem alguma ideia de que lugar é este? – Perguntou David.

-Não. Nunca vi para esses lados. Mas parece tranquilo.

-Acho que o melhor é seguir por esta estrada aqui, eu vi uma placa ali atrás que diz que mais à frente iremos entrar num parque florestal. Vamos na direção daquelas montanhas lá em baixo.

-Você acha que é seguro?

-Se há um lugar seguro, certamente não é um parque florestal. Ele deve estar cheio de ursos, coiotes, lobos, cobras e toda sorte de criaturas selvagens, mas como é remoto, a chance de ter um zumbi lá é mínima, né?

-É, David. Faz sentido. Até que você não é bobo não, hein?

-Nada, eu sou bobaço. – Riu David.

-E como você está se sentindo?

-Estranho, parece que estou sonhando, sabe? É como se eu fosse acordar a qualquer momento.

-Sonhando? Como sabe que é um sonho e não um pesadelo?

-Simples, porque você está nele. -Disse David olhando nos olhos de Alice por um breve segundo antes de tornar a se concentrar na estrada. A moça enrubesceu.

-Que cantadinha de pedreiro hein David?

-Eu disse que eu era bobaço. – Ele falou sorrindo. Ela riu e olhou pela janela tentando disfarçar a vergonha.

Algumas horas depois, os dois estavam numa clareira, em meio a floresta. Havia uma estreita estrada sem pavimentação, que conduzia ao lago, onde as pessoas acampavam. A floresta crescia rápido, e partes da trilha já estavam bem fechadas pelo mato. O carro passava, arranhando em galhos e gravetos.

Passaram por uma placa que apontava em três direções, onde a estrada se bifurcava. Seguindo reto eles iriam para a administração do parque. À esquerda, o caminho conduziria ao camping e a direita às trilhas.

-Nós vamos para o camping?

-Não, nós vamos parar no estacionamento do camping, lá perto da administração, mas vamos subir pelas trilhas e acampar no pé da montanha, porque quanto mais longe do acesso, mais seguro vai ser.

-Mas por que não vamos direto para as trilhas?

-Deve haver mapas na administração. Se formos de cara para as trilhas poderemos nos perder. É loucura.

-Olha lá. Acho que é aquela construção ali.

A construção era um enorme chalé, todo de madeira. David passou com o carro devagar. Parecia fechado.

Eles contornaram o enorme chalé e estacionaram no acampamento. Havia apenas um carro lá, o que era um bom sinal. David fez sinal para Alice passar para o banco do motorista.

-Fica preparada para fugir. – Disse ele empunhando o revólver.

-Ok.

David Carlyle desceu com a arma em punho e foi até o carro que estava parado na beira do lago. Ele estava vazio. A porta do veículo estava aberta. No interior, havia alguns mapas da região, um pacote grande que David identificou imediatamente que era uma barraca de camping. Havia caixas vazias com balas de rifle. Mas não havia arma.

David identificou também um estojo com material de pesca no porta-malas do carro.

Ele recolheu os mapas, o estojo de pesca e o pacotão da barraca. Enquanto pegava as tralhas, David escutou um assobio estranho.

Ele olhou para trás e não teve tempo de reagir. Foi atingido na cabeça por algo metálico e tudo se apagou.

Quando David abriu os olhos, estava numa cadeira, acorrentado, no interior da administração do Chalé.

-Ung… Minha cabeça.

-Olha lá Don, ele acordou. – Disse uma voz rouca de mulher.

-Tire suas mãos de mim, filho da puta! -David reconheceu aquela voz. Vinha de trás dele. Era a voz de Alice, profundamente aflita.

-Cala a boca aí, Vadia! Ou vai levar um tiro nessa cara bonita. – Disse a outra mulher, fora do ângulo de visão.

Um homem forte que tinha apenas um tufinho de barba sob a boca, mas que ostentava uma bela cicatriz no rosto surgiu. Ele usava uma camisa florida estilo Havaí e tinha costeletas enormes no melhor estilo Elvis Presley. Usava uns óculos escuros de vidro espelhado enorme, tipo Ray Ban. E mascava chiclete de modo vulgar. Ele estava usando calças camufladas escuras, botas de escalar, jaqueta de couro de aviador e boné de baseball. Nada daquilo combinava muito bem, mas a conjuntura da obra lhe conferia um ar ameaçador. O cara se posicionou na frente de David Carlyle, enquanto segurava uma enxada.

-Quem é você? O que está acontecendo aqui? Me solte!- David estava sentindo a cabeça doer. Tudo rodava.

-Mas que merda, hein? Tenta roubar o meu carro, pega minhas coisas e ainda quer se metidar a dar ordem, mané?

-Quem é você?

-Não te interessa, pau no cu. Pra você, pode ser apenas “mestre”. – Riu como uma hiena. O cara tinha um jeito tão ridículo de rir quanto de se vestir.

-Fica parada aí. Nem pense nisso. – Disse a outra voz atrás dele.

-O que foi Shirley? – O homem perguntou.

-Ela estava pensando em tentar alguma loucura. -Disse a mulher da voz rouca.

-Se ela fizer algo estranho, atire.

-Claro Don. -Respondeu a mulher atrás de David.

-Traga ela pra cá, Shirley. – Disse Don.

David Carlyle viu surgir uma mulher de cerca de quarenta anos. Ela vestia uma roupa de hippie, usava óculos escuros enormes, brincões exagerados, e tinha os cabelos grisalhos maltratados. Ela estava com um rifle de caça, apontado na nuca de Alice, que tinha as mãos amarradas nas costas com linha de pesca.

-David, você está bem? – Perguntou Alice, sempre preocupada com ele.

-Eu tô legal. E você? Eles te machucaram? -Perguntou aflito.

-Ainda não, amiguinho. Ainda não… – Interrompeu Don. – Ei cara, que roupa bizarra é essa? Você trabalha em frigorífico?  – Don estranhava o macacão branco de David.

-Eu… Eu roubei de um cara.

-Então você é um ladrãozinho de merda, hein?

-Me solta cara. Não temos a intenção de roubar nada. Me solte e a gente vai embora. – Disse David, tentando negociar com os estranhos.

-Ora, ora… Eu tenho uma ideia melhor, amiguinho. Que tal esta? Você morre aqui com um balaço na testa, e eu e minha namorada vamos nos divertir peladinhos aqui com a sua namoradinha.

-Que? – Assustou-se Alice.

-Ela é gostosa, né Don? Olha só esses peitões, Don. Eu sempre quis ter peitões assim. Por que você nunca pagou para eu colocar peitões assim, Don? – Perguntava a mulher da voz rouca.

-São peitões fenomenais mesmo. Shirley, sabe o que eu estou pensando?

-O que, Don?

-Estou pensando em deixar o cara amarrado ali no cantinho, pra ver a gente comer a namoradinha dele. Que tal?

-Nossa, Don. Estou ficando molhada só de imaginar isso!

-Vem cá, meu amigo. – Disse Don, indo para trás da cadeira e puxando a mesma até o canto do chalé.  Agora David estava a cerca de três metros de onde a mulher de trajes hippies apontava a espingarda para Alice.  O homem encostou a enxada na parede e foi lá pra frente.

-O que a gente faz, Don? – Perguntou a mulher.

-O que você quer fazer, Shirley?

-Eu quero tirar a roupa dessa gostosa, Don. Quero sentir o gosto que ela tem. – Disse a mulher.

-Desgraçados. Soltem a gente! Malucos! Filhos da puta! – David sentia um grande arrependimento por ter escolhido ir para o parque. Ao mesmo tempo que era vantagem por ser um lugar remoto, isso estava contra eles agora. David ficou em silêncio. Precisava bolar um plano. O homem ia tirando com cuidado a linha de pesca que prendia os braços de Alice para trás. A mulher, apontava a arma bem na cabeça dela.  Eles estavam a mercê de dois maníacos depravados. David reconheceu aquele padrão, os dois iriam usá-los, iriam torturá-los e nada do que pudessem fazer iria evitar o desfecho daquele horrível encontro, que invariavelmente terminaria com a morte dos dois.

Não parecia haver uma solução simples.Talvez a única saída fosse fazer o jogo deles.

-Ei Don!  – Gritou David, após algum tempo de silêncio.

-Que é, panaca?

-Você vai comer a minha gata e eu vou ficar só olhando?

-Isso aí, panaca.

-Poxa, eu tenho uma coisa enorme aqui que poderia animar a Shirley. – Disse David.

A tal da Shirley olhou para trás afoita.

-Você tem pau grande cara?

-Aí depende, né?

-Ele tem pau grande, Don! – Disse a tal da Shirley para o homem, que estava mais concentrado em desabotoar a blusa de Alice.

-Eu ouvi, porra! Não sou surdo. – Disse Don tirando o sutiã de Alice, revelando seus belos seios. Alice estava morrendo de vergonha, sentia como se estivessem abusando dela. Tinha vontade de chorar, uma raiva incontrolável. Mas ela sabia que qualquer descuido poderia levar a louca a puxar o gatilho. David aproveitou a deixa.

-Poxa Don, não seja sacana, cara. Você vai comer a minha mina e a sua vai ficar aí chupando dedo?

-Não enche, idiota.

-Ô Don… Ele tem razão, poxa. Tu vai comer essa piranha aí, e eu? – Disse ela, com a arma apontada para Alice.

-Você vai comer ela também. Qual o problema Shirley? Olha aí, olha que tesão de morena!

-Qual é, Don. A gente faz swing, cara. Tá de boa comer minha gata, cumpadi. – Disse David tentando uma cartada. Alice olhou pra ele assustada. Ela tinha uma expressão incrédula. David respondeu com o olhar.

-Pior que o pau dele é grandão e suuuper gostoso! – Disse Alice para a tal da Shirley.

-Ah, não, Don. Você vai soltar o cara ali.

-Qual é, Don? Tá com medo de que, cara? Você tá com vergonha do meu pau ser maior que o seu? É isso? – David sabia o risco de provocar o cara naquele ponto.

Don já estava bolinando os seios de Alice. A vontade dela era de vomitar, mas tentou se conter. A Shirley, uma mulher que parecia não muito equilibrada, ainda estava com a arma.

Don tirou a jaqueta de Alice e ela ficou sem a parte de cima da roupa.

-Calmaí… Shirley. Você vai ficar vestida? Tô vendo que você é bem tesuda.

-Ah… Que isso. – Riu sem graça a tal Shirley.

-Tira a roupa aí, Shirley.

-Ah… – Shirley estava hesitante.

-Tira, Tira… – David tentou puxar um coro.

-Tira, tira… – Alice acompanhou no coro, batendo palminhas.

-Ok. Segura aqui, Don. – Disse ela estendendo a arma para o sujeito. Ele segurou a arma, agora apontada na cara de David. Por um breve instante David pensou se fazer piada com o pau daquele maluco tinha sido uma boa ideia.

Shirley tirou o vestido por cima. Ela já estava sem calcinha e pelo tamanho do “matagal”, David viu que a mulher não só se vestia como hippie, mas nunca havia cogitado uma depilação. De fato ela não era mesmo de se jogar fora. Tinha uma cintura bem marcada e os seios eram pequenos, porém bonitos. Os seios pequenos com auréolas diminutas davam a ela uma aparência de mais jovem do que parecia quando vestida. Ela tinha pernas muito bonitas e uma bunda grande.

-Porra Shirley. Você é muito gostosa! – Disse David olhando para a mulher. Ela se virou para Don:

-Pô, Don. Vamos soltar o cara. Ele tá curtindo a parada…

-Não! Ele fica ali. Eu vou comer as duas. – Don estava irredutível. -Vai! Abre a calça dela! – Disse para Shirley.

A mulher obedeceu, e com as mãos macias, deslizou pelo corpo de Alice, beijando-lhe as costas. Ela agora começava a desabotoar a calça de Alice. Alice estava tensa. Toda contraída.

Don estava com a arma. Ele estava de costas para David, apenas curtindo o visual das duas mulheres à sua frente. Don começou a se animar.

-Come ela, amor. – Gritou David para Alice.

Alice entendeu. Ela virou-se de frente para Shirley e segurou suas mãos, impedindo que abrisse sua calça. Alice abriu os braços de Shirley e começou a beijar os seios pequenos da mulher. Shirley deitou a cabeça para trás, delirando de tesão. Alice passava a língua nos mamilos daquela mulher, enrijecendo-os. Shirley gemia de prazer.

As duas começaram a se beijar. O clima esquentou.

-Vai ficar só olhando mesmo? – Perguntou Alice com cara de safada.

Don não conseguiu se conter e começou a tirar a roupa, empolgadão. Ele colocou a espingarda no chão e tirou os óculos, boné, a camisa, desabotoou a calça, tirou as botas. Ficou só de cueca.

-Meninas olha só o que o Don tem pra vocês! – Disse apontando um enorme volume na cueca.

-Quem você quer que chupe, Don? A minha ou a sua? – Perguntou David lá atrás, acorrentado à cadeira.

-Hummm. As duas!

-Meninas, vocês ouviram o Don. Mandem ver! – Disse David.

Alice se aproximou, sensualmente. Don sentou no chão de madeira da cabana. Era um cômodo vazio, sem janelas, parecia mais um depósito ou algo assim. Não havia um móvel sequer. Nem tapete nem nada. A luz entrava por telhas transparentes no teto da construção. Como já estava entardecendo, a luz que entrava era pouca, o que dava um tom mais erótico ao ambiente.

Alice se abaixou do lado de Don. Shirley foi do outro lado. Enquanto Shirley começou a baixar a cueca de  Don, revelando um pênis grande, ainda meia bomba e ligeiramente torto. Alice viu a grande chance deles. Ela empurrou Shirley sobre Don e os dois caíram para trás. Alice saltou sobre a espingarda e apontou na cara de Don.

-Parado aí! Filho da puta!

-Sua idiota. – Disse Don olhando para Shirley.

-Você que estava com a arma, seu burro!

Don tentou levantar e Alice disparou ao lado dele. Agora Shirley gritava descontroladamente com as mãos na cabeça.

-Não me mata, não me mata!

-Maldita. – Grunhiu Don.

-Parados aí. Senão eu vou fazer buracos em vocês!

Alice foi até a cadeira onde estava David. Ela viu que ele estava acorrentado e a corrente estava presa com um cadeado.

-Cadê a chave do cadeado? – Perguntou para Shirley. A mulher apenas olhou para Don.

-Você ouviu, babaca pervertido. Cadê a porra da chave do cadeado?

-Tá aqui no bolso da minha calça. Vem pegar. – Disse don dando tapinhas no chão, ao lado da calça dele. Alice atirou novamente. Desta vez o buraco no chão foi bem perto da perna de Don.

-Porra!

-Eu tô falando sério, seu escroto!

Don assentiu com  a cabeça. Pegou a calça enfiou a mão no bolso e jogou a chave para Alice. A chave caiu nos pés dela.

Alice abaixou-se com a arma apontada para os dois. Em seguida, abriu o cadeado e soltou David.

David Carlyle não hesitou. Foi até a parede, pegou a enxada e desferiu um único golpe na cara do sujeito, que caiu estatelado no chão.

-Malditoooooo! – Gritava Shirley, nua, abraçada ao homem desacordado.

-Don, fala comigo. Don! Donzinho… – Shirley estava desesperada.

-Vem, vamos embora. Me dá a arma aqui. – Disse David para Alice. Ela pegou as roupas e vestiu-se rapidamente.

Os dois saíram deixando Shirley e Don na cabana da administração. David quando saiu, viu uma placa ao lado da porta e percebeu que aquela era a cabana de “materiais e ferramentas”, que ficava na beira do lago. Isso explicava porque não havia janelas.

Alice travou a porta com as correntes.

– Vem, vamos, por aqui. – Disse David. Eles voltaram até o carro. Alice estava muda.

-O que foi?

-Nada… è que… Me senti mal com tudo aquilo. Você vai pensar que sou uma vadia.

-Ah, Alice. Não… Que isso. Olha, era nossa única saída. Somos sobreviventes. Vem, me dá um abraço.

Alice abraçou David com força. Um abraço misto de pavor, medo e sofrimento.  Eles ficaram abraçados por um longo tempo na beira do lago. David podia sentir o coração da moça em disparada. Ela sentia-se desamparada.

-Está melhor? – Perguntou David.

Alice fez sinal positivo com a cabeça. Ela tinha os olhos vermelhos.

Eles chegaram até o carro e pegaram os mantimentos, barraca e etc.

-Acho que temos que seguir aqui nesta trilhazinha. Veja como ela sobe na direção da montanha.

-Bem, vamos em frente.  – Disse ele.

David e Alice percorreram um longo trecho, contornando pedras, atravessando matagais e cruzando pequenos cursos d´água.

Avançaram pela encosta, chegando ao sopé da montanha.

-Ah, não. Olha só isso! – Gritou Alice, apontando para a frente.

David que vinha distraído, se assustou e quando viu, cerca de cinqüenta metros mais acima estava uma linda cabana de madeira.

-Ah, tá de sacanagem que eu carreguei esta merda aqui atôa! -Disse ele deixando cair o embrulho a pesada barraca de camping.

-Bom, se você quiser, pode ficar com a barraca, pois eu vou dormir naquela casinha! – Disse Alice, correndo para a construção.

-Calma! Vamos ver se está tudo nos conformes primeiro.

David correu até a cabana com o rifle. Ele abriu a porta e estava vazia. Era uma cabana pequena, toda de madeira, sem nenhum luxo.

-Acho que é a cabana de um caçador.

-Ou então do guarda-florestal, né?

-Acho que ele não vais e importar de emprestar pra nós. -Disse David colocando os mantimentos sobre a mesa.

-Veja tem lenha ali. Vamos acender a lareira?

-Claro. Será que tem fósforos aqui?

-Aqui está – disse ela, abrindo um pequeno armário azul, com a tinta descascada. Ali dentro havia não só fósforos como uma lata de querosene e uma lamparina.

-David, melhor fazermos isso rápido, afinal já está esfriando.

Ali só havia o ruído das aves, o vento nas copas das árvores e o cheiro da terra molhada. A cabana estava num pequeno platô, coberto de grama, do qual podiam avistar uma longa distância. O lago parecia imenso e majestoso, refletindo as cores do entardecer.

O lugar alto dava uma boa visão estratégica, e as rochas os abrigava do vento.

Acho que aqui é um bom lugar. – Ele disse olhando o horizonte.

Alice não falou nada apenas colocou a mão no ombro de David, enquanto tinha a visão perdida nas distantes nuvens alaranjadas. David enlaçou Alice com o braço e puxou-a para junto dele.

-Foi um bom dia.

-É verdade… – Ela disse. -…Mas a noite será melhor. – Alice tinha um sorriso sapeca no rosto, que rapidamente deu lugar a uma cara de vergonha.

-Hã? – Sorriu David.

-Não, não é isso, quero dizer… Estou falando da comida, David da comida!

-Ahã… Claro, da comida. Espero que seja mesmo uma boa… Comida.

-Seu bobo. – Ela disse indo para o interior da cabana.

David ficou ali, no alpendre da cabana, olhando o início da noite, que avançava rapidamente sobre o parque. Ele pensava na cidade, repleta de criaturas medonhas e cenários macabros. Ele havia saído de um horrendo pesadelo para o lugar de seus sonhos, longe dos mortos, longe das pessoas e suas mesquinharias. Ao lado de uma mulher maravilhosa.

David pensou em Don e Shirley, os detestáveis malucos de natureza pervertida. A esta hora Don já teria acordado da pancada. Os dois certamente estavam chutando a porta na tentativa de se soltar, mas David havia verificado que a porta era de madeira muito grossa, com dobradiças de aço. Eles não teriam a menor chance de fugir. Mal poderiam imaginar, mas talvez David tivesse salvado suas vidas ao trancá-los ali dentro. Eles não poderiam sair, mas os zumbis também não poderiam entrar.

David se perguntou se não teria sido mais justo dar cabo dos dois de uma vez. Mas matar aqueles dois não o tornaria melhor que eles. David já tinha sangue suficiente em suas mãos, e não se via como um assassino, apesar de já ter estourado miolos de vários zumbis. Ele também temia que Alice ficasse com uma má impressão dele, caso resolvesse matar aqueles dois. A imagem daquele homem estúpido bolinando Alice lhe provocava uma dor quase física no peito. A vontade que dava era de descer lá e esvaziar o rifle na cara do maldito.

Mas o que estava feito, estava feito e David não mudaria sua natureza. Ele não era um assassino.

O céu já se enfeitava com um manto negro de estrelas. Do alto da montanha ele podia ver as constelações. Com a ausência da luz da cidade, era possível ver estrelas que ele nunca tinha visto até então. O único inconveniente era o vento frio, cortante, que soprava lá em cima.

Alice sentou-se ao lado dele.

– Ei David. Adivinha só o que eu tenho aqui?

-Sei lá.

-Tchã! – Alice tirou de trás das costas uma garrafa de vinho e dois copos.

-Uau. Você achou isso aí na cabana? – Perguntou.

-Não, o vinho eu peguei na venda hoje cedo, e os copos, bem, eles estavam aqui, mas são tulipas de cerveja, né?

-Ah, o que importa é que dá pra beber. Além do mais, por que razão um caçador teria taças de vinho, né?

Alice achou graça.

-Só tem um problema, David. Abrir é com você. E não tem abridor.

-Puuuts. – Ele gemeu. David sabia que havia apenas duas opções, uma seria furar a rolha com alguma coisa para permitir a passagem do ar e então empurrar a rolha para dentro, ou então quebrar a boca da garrafa com um único golpe. Só que isso poderia introduzir cacos na bebida e aquilo era perigoso.

-Ah, calmaí. Deixa eu pensar. – Disse ele, examinando a garrafa.

-Bom, tenta aí, vou voltar lá pro macarrão com salsicha e palmito.  -Alice voltou para o interior da cabana.

David levantou-se e foi até a caixa de pesca, em busca de alguma ferramenta que permitisse furar a rolha. Por sorte, assim que abriu a caixa de instrumentos de pescaria se deparou com um canivete suíço, daqueles cheios de funções, que incluía um belo saca-rolhas.

David abriu a garrafa e tomou um gole do vinho. Era maravilhoso. Olhou o rótulo, tratava-se de um Eyrie Vineyards, South Block Pinot Noir. Não dava pra ver a safra, pois o rotulo estava manchado. Era um vinho sensacional, porém, infelizmente, David Carlyle não entendia nada de vinho e não tinha como saber que estava se deleitando com um vinho que é um modelo de delicadeza e moderação, um vinho norte-americano, produzido no Oregon, no vale de Willamette, e que é considerado por especialistas um dos únicos vinhos do mundo feitos com a Pinot Noir que supera praticamente todos os similares, produzidos na Borgonha.

Alice surgiu na porta da cabana.

-E aí?

-Consegui abrir. Prova só. -Disse ele oferecendo o copo para a moça.

-Nossa.

-Poesia líquida.

-È forte, mas é muito bom. -Ela disse, pegando o copo e indo pra dentro.

David foi atrás.

O interior da cabana estava quentinho, a lareira era um método eficiente de aquecer o ambiente.

Alice tinha colocado os pratos na mesa e pegava a travessa de molho, que estava apoiada numa grelha sobre a lareira.

-Até que a cabaninha do maluco é legal, né?

-Aconchegante. – Ela disse, enquanto colocava o macarrão no prato de David.

Os dois brindaram com tulipas daquele vinho caro.

-Tim-tim.

-A nós! – Disse David olhando fixamente nos olhos de Alice.

-Que se dane o mundo!

Os dois tomaram um gole e comeram um pouco.

-Diga, Alice. Você viu como foi a invasão no acampamento?

-Eu estava presa. Meu pai mandou me prender porque eu te salvei, aquele idiota.

-Não quero falar mal do seu pai. Ele fez o que achava que era o certo.

-Não, não. Está tudo bem. Ele é um idiota, eu sei. Ele controla aquelas pessoas com mãos de ferro. Matou vários para impor o regime de medo. E ele nem é meu pai de verdade.

-Não?

-Não. Ele era amigo do meu pai biológico. Ele era alpinista. Certa vez ele viajou e nunca mais voltou. O Reverendo – o apelido dele é este porque ele era pastor numa igreja da vizinhança – cuidou de mim.

-Ah. Entendo. E sua mãe?

-Ela morreu de câncer cerebral quando eu tinha três anos.

-Nossa. Que barra. E como você aprendeu a atirar tão bem? – Perguntou David, tentando levantar o clima da conversa. Ele notou que falar sobre sua mãe perturbava Alice.

-Eu tentei entrar para a polícia. Fiz exames preparatórios, academia, etc. Mas antes que me chamassem, entrei num clube de caça. Aprendi a atirar com caçadores. Então, deu esta merda toda, o mundo enlouqueceu. Tudo virou de cabeça para baixo.

Eu só queria ajudar aquelas pessoas da vizinhança. Eram os únicos que eu tinha. – Disse ela com um olhar fixo no vinho.

-Bom, pelo menos temos o Dire Straits! – Disse David, sacando o CD, que brilhou sob a luz da fogueira atrás deles.

Alice riu. Aquele cara tinha o dom de fazer com que ela se sentisse melhor.

Minutos depois, os eles estavam numa conversa animada sobre rock clássico. David contava pra ela sobre seus planos de ser vocalista de uma banda de rock. Eles discutiam sobre discos, bandas, shows, etc.

Enquanto David falava animadamente de seus planos, marcas de guitarra e etc, Alice se perguntava o que naquele jovem a atraía tanto. Ele era dotado de uma certa inocência e sensualidade viril que mexia com ela de uma forma como nenhum outro homem havia feito antes.

A primeira garrafa havia acabado e eles estavam no final de segunda garrafa – esta de uma qualidade bem inferior, diga-se, mas que à aquela altura, já não fazia a menor diferença.

Os dois estavam meio embriagados e David finalmente tomou coragem e beijou Alice.

Foi inicialmente um beijo cálido que encorpou com o tempo, tornando-se um furacão de volúpia e desejo.

Após o beijo, os dois se entreolharam, meio sem graça.

-Nossa… – Ela disse.

-O que foi isso?

-Acho que foi o vinho…

-Eu sempre quis fazer isso.

-Eu… Também.

-Sabe, não sei se você notou, mas só tem uma cama aqui…

-E? – Alice disse sorrindo maliciosamente.

-E… Bem, eu estava pensando que você podia dormir lá fora, com os ursos… – Riu David, pegando a moça pela cintura e beijando-lhe o pescoço.

-Hummm. Eu acho que tenho uma ideia melhor. -Ela gemeu.

-É mesmo? E o que seria?

-Vamos dormir juntosss. – Ela sussurrou no ouvindo de David, arrepiando-o.

David deitou a moça na cama e posicionou-se do lado dela. Os dois se beijaram novamente,  com carinho.  David foi tirando a roupa de Alice.

Minutos depois, eles estavam fazendo amor.

David estava deitado com Alice na cama. Ela brincava de enrolar os pelinhos de seu peito.

-Sabe, eu nunca tinha feito amor antes…

-Hã? Você era virgem? – Perguntou Alice incrédula.

-Não, não… Eu já tinha feito sexo… Mas nunca assim. Nunca tinha feito amor até conhecer você. – Disse ele. Alice não respondeu nada, apenas beijou David e se aconchegou em seus braços.

Acabaram dormindo juntos, nus, abraçados, perto do calor da lareira. Lá fora, o vento e as aves da noite faziam o espetáculo, anunciando o preguiçoso raiar do dia.

Um ruído despertou Alice. Era o som estranho de um rangido, ou rugido, ou grasnado, ou talvez grunhido. Um som estranho, incomum.

Quando Alice abriu os olhos, estava sozinha na cama. Ela levantou e olhou ao redor. A lareira havia apagado. E David não estava na cabana.

Ela se assustou.

Alice vestiu-se o mais rápido que pôde. Enfiou as botas e pegou a pistola na prateleira junto a porta da cabana.

Em silêncio, ela saiu da cabana com a arma em punho.

No meio da floresta, entre as árvores, ela viu um vulto passar cambaleando.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.

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Comentários

  1. Um conto erótico regado a tripas e sangue prutefatos!

    Essas cenas de amor, sexo e romance em meio ao apocalipse zumbi sempre me deixam em estado de alerta, pois fico esperando a hora do zumbi entrar e atacar o povo no meio do coito! XD

    Bom que não aconteceu… ainda! X)

    Abraços,

    tio .faso

  2. putaquecaiu … muito bom … sexo drogas rock’n roll e zumbis … foda … aiai , sena classica todo mundo preso em uma casa e a zumbizada lá fora … falow philipe

    • É que o texto não está pronto. Eu mesmo nunca sei o que vai acontecer. Estou fazendo ele quase simultaneamente com a leitura do pessoal aqui. Com isso, muitas vezes eu não consigo cumprir o planejamento de escrever as partes no tempo que eu tenho, porque tenho trabalhado muito e ele está descontínuo, e posts assim exigem tempo. Tenho tido problemas com a internet também que estão me deixando muito puto com o provedor. Cada hora pifa uma merda aqui no prádio e a minha internet para. Quando isso acontece são 24 horas esperando a boa vontade da empresa em vir resolver.

  3. Sinceramente, essa foi a prate mais excitante, não em termos de emoção, mas em termos de outras coisas, tomou afrodisíaco antes de escrever a parte 10 Philipe? Ficou foda essa parte, principalmente pel parte que tinha um ménage

  4. “Em silêncio, ela saiu para fora, com a arma em punho.”

    Sair pra fora é tenso, hein? A propósito, cada vez que você me vem com esse “CONTINUA AMANHÔ, me dá uma raiva…

    Abraço!

    • É verdade, foi mal. Nem tinha notado isso. Vou mudar este pleonasmo vicioso já, hahaha. Pior que cada vez mais não consigo cumprir a promessa de continuar no dia seguinte. O meu trabalho tem aumentado a demanda nesse mês, e com isso tem ficado pouco tempo para escrever no blog. O foda é que até tempo eu tenho, mas ele tá picado, e posts deste tipo requerem um período contínuo de atenção, senão eu saio do clima, e o estilo do texto acaba que fica flutuando.

    • Eu tive que podar duas paginas que estavam mais hard, porque tive medo de que o robô do adsense chegasse a conclusão que era um conto erótico, que é contra os termos de uso. Mas acho que no final ficou melhor, até porque o clima do blog é familiar, tem muita criança que lê e embora o que tenha ficado aí passe na novela ou nos BBB´s da vida, ainda assim este capítulo ficou meio picante.

  5. Philipeeeee! se revelando na autoria de contos eróticos! eu nunca imaginei! A primeira dama sabe q tu curte essas parada? hahaha
    mas a maior sacanagem do texto foi CONTINUA AMANHÃ!!! pqp q ansiedade meeeeeu!

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