sábado, janeiro 4, 2025

A cadeira obscura – Parte 17

-Essa charanga não corre mais que isso ? – Perguntou Leonard.

-Estou no limite que o carro vai!  – Respondeu Renato, sem desgrudar os olhos da estrada.

A caminhonete estava ultrapassando todos os limites de velocidade, ultrapassando sinais vermelhos e fazendo verdadeiras loucuras no trânsito curitibano.

-Você devia ter me dito que seu amigo sentou na cadeira.

-Mas como se você não me perguntou, porra? O senhor queria o que? Que eu adivinhasse?

-Esqueci que você é um jumento. Tem que avisar tudo. Então aqui vai um aviso: Se você não pisar fundo nessa merda de pedal, o seu amigo estará fodido.

-Tudo que eu queria é que essa maldição de pesadelo que minha vida virou acabasse. Eu queria poder acordar e nada disso ter acontecido. E isso inclui você, essa bosta de jornal, esses doidos, cadeira, demônios… Eu quero minha vida de volta!

-Ah, moleque. Você é muito chato. Já te disseram isso, né? Essa sua tendência de se vitimizar. O mundo não gira ao seu redor não, garoto! Cai na real. Você é chato pra caralho! Em vez de se concentrar no que precisa fazer vive perdendo tempo. Igual agora, em vez de dirigir essa merda de carro vagabundo e lerdo, está choramingando no meu ouvido, fazendo ele de penico e perdendo tempo atrás da kombi aí!

-Vai merda! Vai! – Renato gritava para uma Kombi enferrujada, que soltava uma fumaça preta densa pelo escapamento, e que andava vagarosamente diante deles. Desesperado, ele começou a socar a mão na buzina e quanto mais buzinava, mais lenta a maldita Kombi branca parecia trafegar.

-Ultrapassa logo esse filho da puta!

-Não dá, porra! Tá vendo que ele ta me fechando?

-Pega um desvio!

-Não dá, porra!

-Assim, ó! – Disse Leonard, agarrando o volante e dando um puxão. A caminhonete deu um solavanco e quase capotou. Subiu no meio-fio e a colidir com o paralelepípédo subiu no ar quase um metro. Depois caiu sobre a calçada. Renato gritava ao voltante, tentando desesperadamente controlar o carro. Havia algumas pessoas andando na calçada e os que conseguiram, pularam nos canteiros para evitar o choque da caminhonete desgovernada.

Renato desceu da calçada a tempo de chegar na frente da Kombi.

-Ai caralho! Ai caralho… Graças a Deus! Graças a Deus!

-Tá vendo? – Perguntou Leonard, com um sorriso maroto.

-Nunca mais puxe a porra do volante, velho. Ouviu? Nunca mais. Nunca mais porra! – Gritou Renato, com o dedo em riste.

Leonard não se abalou. Desdobrou pacientemente o jornal, acendeu a luz interna da cabine e pôs-se a ler as notícias como se nada tivesse acontecido.

Minutos depois, eles chegavam diante da casa de Mark. Renato largou o carro na calçada, todo torto.

Renato correu ate a porta da casa e tocou a campainha, mas como estavam demorando a atender, ele começou a socar a porta.

-Mark! Mark!

Leonard estava saindo do carro quando viu a porta da casa abrir.

Por um segundo, Renato achou que tudo estaria bem, mas deu de cara com a Daisy.

Daisy era a esposa de Mark. Quase um estereótipo de inglesa. Uma senhora levemente obesa, levemente ruiva, de pele alva e nariz meio rosado. Ela tinha sobrancelhas finas e um tanto estranhas. Estava usando óculos de vista cansada. Geralmente,  Daisy vivia sempre muito maquiada, mas não naquela noite em especial. Ela estava com um vestido velho e rasgado e com uma calça de ginástica preta. A mulher trazia o controle remoto da Tv numa das mãos.  Ela entreabriu a porta numa pequena greta, porque estava espantada com as nervosas batidas de Renato.

-Que foi? Renato? É você? Aconteceu alguma coisa?

-Oi Daisy! Desculpa a hora.

-Oi sumido! – Disse ela, finalmente abrindo a porta e abraçando forte Renato.

-Oi Daisy. Calma, vai me quebrar as costelas.

-Tá magro, abatido… Cê tá comendo bem, Renatinho?

-Tô, Tô… Sabe como é… Cigarro né?

-Cê tem que largar essa merda, Renatinho! Isso não faz bem, já te falei!  É preferível ser gordo.

-Boa noite. Queremos falar com seu marido. – Disse Leonard, se metendo na conversa.

-Quem é este? – Perguntou Daisy ao Renato.

Renato olhou para Leonard com aquela cara de quem não sabe o que vai dizer.

-Eu sou um velho amigo do Mark. – Disse Laonard, estendendo a mão para Daisy, que apertou, desconfiada.

-Amigo? Amigo mesmo? Como que ele nunca falou do senhor?

Obviamente que Daisy não acreditou naquela conversa fiada, e continuou a olhar para Renato com expressão intrigante. Podia se ver nos olhos dela que a mulher estava achando aquilo bem estranho.

-Como assim vocês querem saber onde está o Mark? Ele me ligou tem uns quarenta minutos e disse que estava com você! E quem é esse homem, Renatinho?

-Ops! – Gemeu Leonard, quando Renato o encarou.

-O que está acontecendo aqui? Entra, Renatinho. Entra, meu senhor. Pode entrar, a casa ta meio bagunçada, não repara não…

-Leonard, ao seu dispor. – Disse o velho.

-Não, não. Tudo bem! Não é nada não, Daisy! Não vamos entrar não. É que nós íamos mesmo encontrar com ele, mas acho que tivemos um ruído na comunicação, porque não encontramos com ele no restaurante… Né tio?

-Tio? – Daisy perguntou.

-Sim, esse é… É o meu tio, lá de… Santos Dumont.

-Santos Dumont?

-Sim senhora, em Minas. Perto de Barbacena. Disse Leonard, sorrindo amarelo.

-Bom… Não sei. O Mark não voltou pra casa.

-E aí? Vamos voltar para o restaurante então, né garoto? – Disse Leonad, enquanto cutucava Renato com o cotovelo discretamente.

-Sim, claro! Vamos atrás dele. Beijo Daisy.

-Foi um prazer, senhora. Obrigado!

-Adeus. Vê se aparece hein Renato!

-Vamos combinar um jogo, ou um lanchinho…

-Tudo bem! Beijo.   – Ela disse, fechando a porta da casa.

Renato e Leonard voltaram para o carro. Estavam se sentindo péssimos.

-Puta que pariu. – Disse Leonard, sentando-se no banco do carona.

-E agora?

-Agora? Agora já era! Agora deu merda. Agora você me ferrou. Me ferrou, moleque. A essa altura, os caras da T.T.S. já fizeram o serviço sujo com o corpo do seu amigo e eu estou com uma bela sujeira nas mãos para limpar. E o que é pior: Sem saber por onde começo.

-A culpa não é minha. Você que devia ter me perguntado logo se alguém mais sentou naquela porra. Como que eu ia saber?

-Bom, sendo assim, eu vou embora. Não há o que fazer. – Disse Leonard, dobrando novamente o jornal.

-Como assim? Como vai embora?

-Meu trabalho está bem longe daqui. Nem sempre dá certo. Dessa vez, deu merda. É isso.

-Mas… Não, não é possível, seu Leonard! O meu amigo! E o Mark? Como que eu vou explicar pra Daisy…

-Você devia ficar na sua. Quer uma dica? Pega a grana, mete numa conta da suíça e vai viajar o mundo. Dá no pé! Some! Rapa fora!

-Não, não acredito que o senhor esteja dizendo isso. Não vou largar o meu amigo nessa roubada.

-Garoto, você vive reclamando, dizendo que quer se ver livre de mim e desse rolo de cadeira, demônios. Aí está a oportunidade. Você conseguiu, vá embora, Vá viver sua vida. E digo mais: Vá logo antes que essa merda ainda respingue em você!

-A gente tem que dar um jeito. Deve ter uma forma de salvar o Mark daqueles caras!

-Não tem jeito, guri. Se fini! Já era! Chegamos tarde.

-Não não acredito.

-Não acredita porque é burro. Muito burro, aliás. Se não fosse tão burro, não tinha entrado de cabeça nesse rolo. E minha vida seria mais fácil.

-Eu vou… Eu vou… Procurar a polícia!

-Ótima ideia, paspalho! Vai mesmo. Assim, quando seu amigo sumir de vez, a polícia vai ter certeza que você o matou. Vai ver a transferência de dinheiro da conta da firma de vocês dois, porque o Seraph não é  burro e a essa altura já pegou a grana de volta! Com muita grana, entrando e saindo da conta… A polícia vai pensar o óbvio: Que foi você! Principalmente quando você e sua inteligência rara contar na delegacia que foi espancado por um monstro que apareceu no seu hotel, e depois foi numa casa que depois sumiu e ouviu um velho falar de demônios e sobre como ele quer destruir uma cadeira que desaparece e quem senta nela morre e… Terá sorte se for apenas preso e não internado num manicômio judiciário.

Renato estava quieto. Ficou olhando sério para Leonard.

-Você é muito escroto. – Ele disse, entre dentes.

-Melhor ser escroto do que burro. Não precisa se despedir. Não foi um prazer.  – Disse o velho, abrindo a porta do carro.

 

Leonard já tinha andado uns cinco metros quando  Renato desceu do carro e gritou:

-Vai! Vai embora mesmo, velho babaca! Eu não abandono um amigo meu jamais!

Sem sequer se virar, Leonard mostrou-lhe o dedo do meio e continuou sua caminhada pela calçada.

Renato fechou o carro e acelerou. Sumindo numa esquina.

No fundo, sentia-se um pouco aliviado de se livrar do velho maluco.

 

CONTINUA

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.
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Comentários

  1. Philipe, vejo que você criou um universo em expansão. Essas histórias poderiam render livros, HQs, jogos e até mesmo séries e filmes. Sem puxa-saquismo, se tu fosse gringo e tivesse os contatos certos, já seria um autor famoso. Falo séro, Supernatural perdia de longe!

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