Ao longo dos séculos, inúmeros conquistadores e colonialistas não só saquearam e escravizaram a população, mas ao longo do caminho descreveram a natureza local, os animais, os costumes e vários incidentes, alguns inclusive muito estranhos. Uma dessas histórias vem de um conquistador espanhol do século 16 que tinha uma vasta experiência no Novo Mundo, incluindo uma história sobre uma criatura sobrenatural que aterrorizava os habitantes locais.
Em 1526, o conquistador espanhol Alvar Nunez Cabeza de Vaca estava animado. Sua expedição finalmente, depois de anos de preparação, partiria para a recém-descoberta América.
Naquela época, era considerado um lugar cheio de enormes riquezas intocadas, e claro, perigos, já que outro conquistador, Hern Court de Monroy Arro Altamirano, já havia derrotado o império asteca por aqueles anos e as histórias sobre seus inúmeros tesouros haviam se espalhado pela Europa rapidamente.
Essas histórias provocaram uma verdadeira sanha de milhares de novos aventureiros para se lançarem em expedições de conquista ao Novo Mundo para pegar sua parte do ouro e das jóias, ao custo de sangue, sofrimento e morte.
Em 1526, o rei Carlos V encarregou o conquistador Panfilo de Narvaez de explorar, conquistar e colonizar uma parte da América do Norte chamada La Florida, que se estendia ao longo do Golfo do México, do México à Flórida, e Cabeza de Vaca estava escalado pra ir com ele, e assim Alvar Nunez Cabeza de Vaca foi nomeado tesoureiro e vice-comandante.
Eles partiram em 1527 em cinco navios, junto com 600 soldados e colonos, depositando todas suas esperanças nas riquezas além mar. Porém, embora suas suas fantasias fossem brilhantes como ouro e diamantes, a ardilosa sombra da morte estava se aproximando e esta jornada acabou sendo bem diferente do que ele tinha imaginado.
Começando a dar ruim
A verdade é que toda a expedição parecia amaldiçoada desde o início. Os problemas começaram assim que chegaram à ilha de Hispaniola (atual Haiti) para obter suprimentos, onde os 150 homens de Narváez literalmente “pularam do barco”. Provavelmente traumatizados com as tempestades do Atlântico, os homens optaram por ficar em vez de continuar.
Depois de passar algum tempo ali reabastecendo e construindo um sexto navio (o que confirma a minha hipótese das tempestades), foram a Cuba buscar mais cavalos, onde… Adivinha só? Foram atingidos por um furacão, destruindo dois navios e perdendo sessenta homens e mais de vinte cavalos!
Depois de passar o inverno em Cuba, eles continuaram a caminho de Los Angeles, planejando parar em Havana para comprar suprimentos ao longo do caminho, mas outra tempestade os tirou do curso, forçando-os a continuar sua jornada sem comida, água ou outras necessidades.
Eles então conseguiram avançar ao custo de bastante sofrimento, até o que hoje é a baía de Tampa, onde se encontraram com várias tribos indígenas amistosas e receberam suas primeiras boas notícias quando foram informados de que havia um lugar ao norte chamado Apalachia, que supostamente estava cheio de ouro e comida.
Claro que para um conquistador faminto e desgraçado pelas tempestades, aquilo era música para seus ouvidos. Assim, o esquadrão se reuniu e retomaram os planos iniciais de conquista, de modo que imediatamente começaram a planejar uma viagem para o interior em busca de Apalachia.
Apesar das objeções de Cabeza de Vaca, Narváez decidiu dividir suas forças, deixando alguns nos navios para seguir em frente e encontrar um porto adequado no México, enquanto cerca de 300 homens foram enviados para viajar por terra.
Durante 15 dias eles avançaram para o interior e não havia sinal de nenhum assentamento indígena cheio de riquezas.
Na verdade, quando tropeçaram nos nativos, descobriram que viviam em pobreza deprimente e, além disso, eram muito agressivos, atacando ativamente os conquistadores, embora sem muito sucesso.
Passaram-se sete semanas antes de chegarem ao seu destino, um lugar que seus guias indígenas garantiram que se chamava Apalachia, mas ao chegar lá viram que não continha ouro.
No entanto, os guias disseram que realmente havia ouro, mas ele estaria localizado em um assentamento chamado Aute, cerca de 5 ou 9 dias de viagem por pântanos e selvas.
Assim a expedição continuou, e seus infortúnios continuaram. Pântanos quentes e úmidos, infestados de mosquitos, mataram muitos membros da expedição e, ao longo do caminho, eles travaram frequentes escaramuças com nativos hostis. Suspeita-se que os índios tenham atraído deliberadamente estranhos para esses pântanos a fim de matá-los metodicamente no caminho.
Os suprimentos de comida se esgotaram rapidamente, as pessoas ficaram gravemente doentes e, quando finalmente chegaram a Aute, descobriu-se que este era só um assentamento abandonado e queimado por seus próprios habitantes.
Estava ruim mas ia piorar…
Voltar agora era como abraçar a morte, então os espanhóis decidiram tentar chegar à sua esquadra.
Ao longo do caminho, seus suprimentos de comida finalmente acabaram e eles foram forçados a comer seus cavalos. Moribundos, doentes e muito feridos, alguns às portas da morte por exaustão finalmente conseguiram chegar à costa. Seu grupo agora havia se reduzido a apenas 50 homens, e todos exauridos pelas mazelas enfrentadas. Agora um novo desafio se impunha: Eles precisariam entrara mar adentro para tentar chegar no México. Começou um lento e torturante trabalho de derrubar árvores e construir uma série de barcos toscos com capacidade para dez pessoas por barco para levá-los ao México, onde sua frota deveria estar, mas adivinha?
Isso mesmo, veio outra tempestade! A forte corrente os arrastou para a baía, onde cinco jangadas foram separadas por um furacão, e muitas pessoas morreram, incluindo incluindo o líder da conquista, Narvaez.
Os náufragos
As pessoas restantes, agora resumidas a apenas quatro sobreviventes, desembarcaram no que hoje é a Ilha de Galveston, no Texas. Muitos choraram e agradeceram a Deus por terem chegado vivos a uma ilha deserta. Mas seus problemas não iam acabar, ao contrário, eles pareciam “estar jogando no hard”: Quase imediatamente, suas jangadas foram arrastadas por grandes ondas, se perdendo no mar. Agora presos na ilha eles estavam à mercê das doenças, os elementos e a falta de suprimentos fizeram com que os homens morressem como moscas enquanto outros eram escravizados ou mortos por tribos locais. Logo começaram a chamar o lugar de Malhado (” Rocha do mal”), um apelido apropriado, eu diria.
Mas as coisas podiam piorar? Escravo!
Aqui começou o próximo capítulo das aventuras de Cabeza de Vaca. Ele foi escravizado por tribos hostis, que dominaram seu combalido e desgraçado exército de sobreviventes. Cabeza de Vaca de conquistador agora se via na pele de um escravo.
Depois do naufrágio no qual mais uma vez escapara das garras da morte, Cabeza de Vaca avistou um grupo conhecido de viajantes, sendo eles os capitães Andrés Dorantes e Alonso del Castillo. Logo, Cabeza de Vaca pôde concluir que estaria livre da sua condição de sobrevivente e poderia finalmente chegar a Pánuco (no atual estado mexicano de Veracruz); porém, não conseguindo alcançar o grupo, permaneceu junto à uma tribo de índios, e ali tornou-se escravo. Humilhado, ele se manteve vivo agarrado a apenas um único desejo, o de escapar. Enquanto captivo, ele aprendeu ao máximo que podia a falar com os índios e entender seu ponto de vista do mundo e das coisas.
Como tal, foi selecionado para realizar tarefas pesadas e desgastantes, como colher raízes profundas do fundo d’água, ou participar da safra de cana. Após passar mais de um ano como escravo, optou por fugir para uma tribo vizinha: os charrucos. Tornou-se comerciante na mesma região, estabelecendo-se ali por anos, enquanto tentava convencer o seu companheiro Lope de Oviedo a deixar a ilha e fugir, ideia a qual não era bem vinda por Oviedo, que não sabia nadar, e tinha receio de vir a falecer em tal empreita.
Somente em 1533 que ambos deixaram a ilha, e finalmente encontraram seus companheiros, os mesmos capitães que Cabeza de Vaca e Oviedo não conseguiram alcançar: Andrés Dorantes e Alonso del Castillo, que não diferentes de Cabeza de Vaca e Oviedo, tornaram-se escravos de tribos indígenas distintas. Cabeza de Vaca optou por permanecer com seus companheiros, opção a qual foi veementemente refutada por Oviedo, que foi-se embora e nunca mais foi visto (certamente morreu logo depois).
Após seis meses vivendo como escravos, todos os três companheiros de viagem decidiram por fugir em uma situação oportuna, já que os índios que os escravizavam entraram em conflito entre si. Aproveitando a guerra das tribos, eles finalmente escaparam, e em 1534, já com fama de curandeiro, Álvar Núñez Cabeza de Vaca foi para a tribo dos avavares.
Cabeza de Vaca foi para as terras devastadas e começou a vagar pelo Texas e partes do México, viajando de tribo em tribo e cada vez mais estudando seus costumes. Durante esse tempo, Cabeza de Vaca de um conquistador implacável em busca de tesouros para si e para seu império, gradualmente tornou-se cada vez mais solidário com os nativos que encontrou e se adaptou ao seu modo de vida.
O curandeiro
Quando partiu em 1534 para a tribo dos avavares, chegou com fama de curandeiro e ali realizou diversas outras curas, atingindo o ponto de atribuírem a ele uma ressuscitação. Sua fama de curandeiro alastrou-se com tamanha magnitude, que quando reencontram os espanhóis, a milhares de quilômetros dali, quase quatro mil índios eram seguidores de Álvar Núñez Cabeza de Vaca e seus companheiros.
Somente em 1536 ele finalmente alcançou a colônia espanhola no México e se reuniu com os outros conquistadores, entretendo-os com suas histórias sobre os índios, algumas delas bastante inusitadas. Mais tarde, ele os compilou em um livro que chamou de “La relación y comentarios” (“História e comentário”), que descreve a maioria de suas viagens e dá uma grande visão da terra e da cultura das tribos locais.
Uma criatura misteriosa
É neste livro, entre as páginas que descrevem a vida selvagem, a paisagem e os costumes dos locais, que se pode encontrar um relato um tanto estranho que realmente se destaca dos demais:
Cabeza de Vaca e suas poucas pessoas restantes ouviram a história quando visitaram a tribo Coahuiltecan no sul do Texas. A tribo alegou que há vários anos sua aldeia foi visitada por um estranho misterioso a quem chamaram de Mala Kosa, ou “Besta do mal”.
Esta criatura foi descrita como semelhante a um humano, mas um pouco menor, coberta de pelos, com uma barba espessa e muito forte. Mas, apesar de sua aparência bestial, ele podia falar, às vezes usava roupas e empunhava várias ferramentas avançadas.
Entre eles estava uma faca brilhante de “pederneira”, considerada muito mais afiada do que qualquer coisa que a tribo já tivesse visto, e uma “varinha flamejante” que tinha a capacidade de paralisar as pessoas. – Opa, opa, opa! Vc está pensando no que eu estou pensando?
Um detalhe estranho era que as feições da criatura eram indistintas e embaçadas, segundo os índios, havia uma estranha névoa constantemente girava em torno dela. Este estranho misterioso também foi dito ter muitos poderes sobrenaturais.
O Mala Kosa foi descrito como sendo alternadamente benevolente e malévolo. Dizia-se que ele ocasionalmente aparecia nas funções da aldeia apenas para assistir de longe, como se estivesse tentando entender os ritos e atividades da aldeia, enquanto outras vezes ele deliberadamente invadia a aldeia e roubava amostras da comida.
Em casos mais sinistros, ele usou sua faca para atacar os guerreiros da tribo e supostamente entrou nas cabanas à noite para matar pessoas da tribo, após o que removeu certos órgãos ou membros de seus corpos com incrível precisão (!).
Embora Mala Kosa fosse conhecido por sua ferocidade e ataque às pessoas, ele às vezes também usava seus poderes para curar os feridos. Muito raramente, a criatura respondia às tentativas de contato com os índios, por exemplo, uma vez, quando alguém perguntou de onde ele era, Mala Kosa apontou para uma fenda no solo e respondeu na língua indígena “De baixo”.
Um intraterrestre?
Esta criatura aparentemente aterrorizou a vila por algum tempo antes de desaparecer tão repentina e misteriosamente quanto apareceu. A princípio, Cabeza de Vaca e seu povo descartaram a história como nada mais do que mitos e lendas indígenas, mas quando alguns dos indígnas mostraram suas cicatrizes, eles concluíram que estavam dizendo a verdade.
Dada a aparência da criatura, Cabeza de Vaca decidiu que o estranho ser só podia ser um demônio, talvez até o próprio diabo. O pesquisador Brad Folsom escreveu sobre isso desta maneira:
Os coahuiltecas se alinharam um a um para contar seus encontros com a Mala Kosa e mostrar a Cabeza de Vaca onde a criatura os cortou com sua misteriosa faca. histórias convenceram Cabeza de Vaca e seus companheiros de que Mala Kosa era mais que só uma lenda dum fantasma. Não havia como essas pessoas inventarem mentiras tão vastas. Sendo um católico fervoroso, Cabeza de Vaca convenceu-se de que Mala Kosa foi enviado pelo diabo. Ele acreditava no que os índios diziam e acreditava que os índios acreditavam no que eles diziam.
Sendo um homem inteligente, Cabeza de Vaca não se deixaria enganar. Ele ouviu o testemunho dos índios, viu suas cicatrizes e chegou à conclusão de que alguém realmente os atacou há quinze anos. Como cristão, Cabeza de Vaca usou a Bíblia para explicar a essência de Mala Kos e afirmou que Satanás foi o responsável por esta criação. Os próprios habitantes de Coahuiltecan acreditavam que Mala Cosa era um homem-animal selvagem, um “encantado” mágico, mas Cabeza de Vaca estava convicto que ele era uma criatura demoníaca.
O relato é bastante intrigante, pois é a única menção do sobrenatural em qualquer lugar nos registros de viagem de Vaca. Cabeza de Vaca não era apenas inteligente, mas também um nobre altamente educado e nada supersticioso, sendo também considerado um observador meticuloso e racional, não inclinado a inventar ou acreditar em fábulas.
Tudo o mais em seu livro “La relación y comentarios” foi posteriormente aceito pelos estudiosos como completamente verdadeiro, factual e preciso, com evidências arqueológicas e históricas capazes de explicar tudo o mais no livro. Inclusive, ele foi o primeiro a descrever o bisão americano e as Cataratas do Iguaçu. A única história que sai disso são os registros de Mala Kosa.
Por que Cabeza de Vaca de repente falou sobre fantasmas e monstros sobrenaturais em uma apresentação racional e factual? O que é Mala Kosa? Obviamente, a tribo conseguiu de alguma forma convencer o espanhol de que isso era real, então o que poderia ser essa criatura?
Algumas teorias incluem que a tribo experimentou uma alucinação coletiva ou que realmente viram o náufrago espanhol e que sua estranha aparência os levou a explicá-lo como uma espécie de ser sobrenatural, enquanto ideias mais distantes são de que era o Sasquatch, um alienígena de outra dimensão, ou até mesmo um alienígena de uma base subterrânea ou uma nave acidentada estariam por trás do mistério de Mala Kosa.
Em certos aspectos, é interessante notar que a figura de Mala Kosa nos lembra um pouco a lenda de Bep Kororoti, um ser que surgiu no meio de uma aldeia e conviveu com os índios, alternando entre comportamentos de um grande mestre e uma figura ambígua agressiva. Ele também possuía uma vara “mágica” e também exigia alimentos da aldeia – que não comia.
De volta a Cabeza de Vaca ele foi um corajoso explorador que aprendeu muito com sua própria jornada.
Após ter sido nomeado governador da província do Rio da Prata e do Paraguai, Cabeza de Vaca voltou à América, em 1540, a fim de restabelecer o assentamento de Buenos Aires.
Em sua segunda visita, Cabeza de Vaca desembarcou em terras hoje pertencentes ao Brasil, tendo chegado primeiramente à Ilha de Santa Catarina, onde desembarcou com 250 homens e 26 cavalos, e iniciou sua jornada pelo sertão brasileiro, através do Caminho de Peabiru, até chegar em Assunção. Nesse caminho, foi o primeiro europeu a descobrir as cataratas do Iguaçu.
Nesse trajeto, contou com a ajuda dos franciscanos Bernardo de Armenta e Alonso Lebrón, que desde 1538 faziam esforços de evangelização dos nativos da etnia carijó, no território que atualmente pertence à cidade de Laguna, no litoral de Santa Catarina, e desse modo poderiam facilitar os contatos com os povos nativos.
Após falhar em sua missão de restabelecimento de Buenos Aires, foi mandado de volta à Europa em 1545, e foi preso por má administração (e também fora aprisionado pelo seu próprio povo em 1546).
Após o retorno à Europa, seu secretário, Pero Hernández, escreveu em 1555 uma obra denominada Comentários, de Álvar Núñez Cabeza de Vaca, onde descreveu as expedições que Cabeza de Vaca empreendeu como governador da Província do Rio da Prata e do Paraguai. Finalmente, Álvar Núñez Cabeza de Vaca morreu pobre em Sevilha, em data desconhecida, entre os anos 1558 e 1560. Morreu pobre, mas com muitas aventuras de uma vida repleta de reviravoltas.