A saga do bebê diabo

Hoje se fala muito de fake news. Tornada célebre a expressão pelo presidente dos EUA, as fake news parecem ter vindo para ficar. Essas noticias falsas sempre existiram, mas ganharam mais força nos últimos anos com as redes sociais quando as campanhas eleitorais se tornaram marcadas por ações de guerrilha e táticas de desinformação, compra e venda deliberada de dados, uso de bots e táticas com algorítimos matemáticos que mais parecem coisa de filme.

Mas antes dessa merda toda que está aí (e veio pra ficar, infelizmente) houve muita fake news que eram tão bizarras que se tornaram realmente célebres. Talvez a fake news mais famosa de todo o mundo tenha sido criada (por acidente?) por ninguém menos que o gênio Orson Welles.

A parada se deu quando a companhia de teatro Mercury Theater On The Air,  criada pelo ator Orson Welles apresentou na radio CBS uma adaptação do livro A Guerra dos Mundos. Esse livro é um romance de ficção científica, escrito por Herbert George Wells em 1898 e como você ja sabe, trata da invasão do Planeta Terra que seria feita pelos marcianos no início do século XX. Tinha tudo pra dar merda, e deu.
No início da transmissão, para evitar mal-entendidos, foi avisado que se tratava de uma dramatização, e que não deveriam ser levadas a sério as notícias que seriam veiculadas a seguir. Mas o que ocorreu, é que muitas pessoas não acompanharam o início do programa, que foi veiculado de forma extremamente realística, com efeitos especiais e entrevistas com testemunhas do ataque que estava exterminando a raça humana.

Welles chutando o pau da barraca

Em seguida, no mundo real, as pessoas literalmente enlouqueceram, entupiram as linhas telefônicas e as ruas, congestionamentos se formaram com as pessoas que tentavam fugir dos ataques que ouviam pelas ondas do rádio. Mercados foram saqueados com pessoas desesperadas tentando buscar provisões para se acastelar em casa com medo dos aliens.

Depois de tal transmissão Orson Welles se tornou um ator muito conhecido, a rádio CBS bateu em audiência a sua rival NBC, mas isso se deu a custa de um certo caos, que levou muitos a construir uma ideia de que as pessoas não estariam preparadas para um contato com a ideia de outra civilização nos invadindo.

Já aqui deste lado, uma das fake news mais legais de todos os tempos foi criada como uma espécie de “novela” bizarra no famoso jornal “A notícia”. Em diversas edições,  o jornal Notícias Populares deu conta de um bizarro acontecimento: Havia nascido um “bebê diabo” no Brasil.

Como tudo começou

A história hoje é praticamente cult, de tão maluca, mas provocou uma comoção na década de 70, talvez impulsionada pela sugestionabilidade das pessoas, somado ao impacto de filmes como A profecia (76), entre outros, como O bebê de Rosemary (68) e O exorcista (73).

Os anos 60 e 70 foram repletos de referências ao diabo,  como uma enorme ameaça e isso culminou numa catálise de emoções controversas que se resumiu em grana.  O Bebê diabo foi bastante lucrativo: O tal nascimento do anticristo fez a circulação diária do jornal Notícias Populares saltar de 70 mil para 150 mil.

Qualquer pessoa pode torcer o nariz para isso alegando se tratar de “bullshit“, mas eu acho deveras interessante sobre o ponto de vista da construção social-mitológica na pós modernidade.

Estamos habituados a pensar em mitos e lendas folclóricas como elementos associados a culturas primitivas, cristalizadas e plasmadas em sociedades antigas. De fato, todo grupo social humano constrói mitos e lendas como parte integrante de seu processo cultural. Esses mitos se misturam e se aglutinam, podendo gerar novos mitos e assim o estudo da mítica e da lenda nas sociedades constitui uma importante fonte de compreensão da psiquê desses grupos em seu recorte social e histórico.

O bebê diabo “nasceu” em 11 de maio de 1975,  quando o Notícias Populares, sabe-se la por quê anunciou na capa, em letras garrafais: “Nasceu o diabo em São Paulo”. A notícia dizia que, em um hospital de São Bernardo do Campo, cidade do ABC Paulista, ocorrera um “parto incrivelmente fantástico e cheio de mistérios”, marcado por “correria e pânico por parte de enfermeiras e médicos”.Conforme a notícia foi divulgada,  o recém nascido “tinha “aparência sobrenatural, com todas as características do diabo, em carne e osso”, e já nasceu falando, e pasme: ameaçando a própria mãe de morte!
A criança possuía o corpo cheio de pêlos, dois chifres pontiagudos, um rabo de aproximadamente 5 cm e o olhar feroz, “que causa medo e arrepios”.

O Jornal Noticias populares era um periódico meio marginal, focado em notícias locais, violência, relatos policialescos e esporte, direcionado a um publico de baixo poder aquisitivo e formação educacional bastante precária, com forte tendência a se apegar por histórias sobrenaturais. Se hoje tá russo, imagina nos anos 70, quando todo mundo era muito mais inocente? Em parte, isso explica como que a história do bebê diabo conseguiu se cristalizar no imaginário popular.

Salta os olhos (hahaha desculpe, não resisti) a qualidade das ilustrações.

Dia após dia, novas histórias iam surgindo sobre o temido bebê-diabo, todas elas “documentadas” pelo jornal. Pessoas que o viram soltando fogo pela boca, gente que jurava que seu corpo era coberto de pelos, e até relatos do repórter que entrevistou as enfermeiras e todas elas rezavam um Pai Nosso antes de falar sobre o assunto. Por 25 dias seguidos, a principal manchete do NP fazia alguma referência ao bebê-diabo, e depois, por mais 12 dias, notícias sobre ele ainda estampavam a primeira página, mas não mais como manchete, completando um total de 37 dias de notícias sobre o acontecimento.

Em parte o sucesso também se deveu a  nenhuma outra publicação noticiar a história. Assim, o Noticias populares era o único veículo cobrindo “a história” o que fez a edição se esgotar rapidamente. Nas 2 mil bancas que vendiam o jornal em São Paulo, sobraram apenas oito exemplares. Apesar do sucesso, o editor-chefe, Ebrahim Ramadan, relutou em seguir com o caso, mas sabe como é: O vil metal falou mais alto! A direção mandou a redação continuar. Até 8 de junho, foram feitas 27 reportagens.

O monstrinho chifrudo paulista produziu uma histeria coletiva no momento em que o jornal noticiou que o “Bebê-Diabo havia escapado” e poderia “estar em qualquer lugar”. Foi um fuzuê da porra!

Todo mundo só falava do Bebê-Diabo nas ruas. O jornal vendia sem parar, e como na época não havia um código de ética, o Notícias Populares inventava todo e qualquer tipo de notícia relacionado ao pequeno capiroto. Chegava a ter duas edições num dia, uma de manhã e outra à tarde.

Mas apesar de todo sucesso, o que mais me interessa é a mítica. A história que permeou a notícia. E ela era bem legal.  Havia duas razões pro capeta nascer: Primeiro, porque, convidada para uma procissão na Semana Santa, a mãe teria batido na barriga e afirmado: “Não vou enquanto esse diabo não nascer”. Segundo porque, de acordo com um suposto médico, ela teria criado “descargas magnéticas negativas” ao desabafar: “Por causa desse diabinho, não posso ir dançar”. Já o pai da criança seria um discreto fazendeiro de Marília (SP) que, segundo vizinhos, “não tirava o chapéu por nada nesse mundo”…

Note que implantava-se aí a semente para toda uma conclusão popular que o pai não tirava o chapéu por ser ele o próprio capeta em pessoa. O chapéu lhe esconderia os chifres. É simplesmente sensacional a forma como o jornal deixou as conclusões a cargo do leitor!

A lenda começava um processo de retroalimentação, levando a mais notícias, trazidas pelo próprio publico

Na edição de 12 de maio o bebê-diabo ameaçou funcionárias de morte, rasgou travesseiros com os chifres e fugiu do hospital, saltando de uma janela no 3º andar. Nos dias seguintes, várias maldades do capetinha foram relatadas: ele andou por telhados, enlouqueceu uma mulher, acabou com um ritual umbandista e assustou um taxista, pedindo que o levasse “para o inferno”.

A história do bebê diabo foi permeada de grandes sacadas, como essa de que o Bebê correria por cima dos telhados das casas. Num tempo em que São Paulo era repleta de casas, todo barulho no telhado, causado por gatos, gambás ou mesmo vento, se tornaram “evidências” do bebê diabo. Mas era preciso seguir com a narrativa, porque o publico estava ávido para saber o desfecho de tão intrigante mistério.

Feiticeiros, fanáticos religiosos e até o Zé do Caixão se dispuseram a acabar com ele. Uma clínica particular se ofereceu para exibi-lo ao público curioso – desde que o visitante fosse maior de 18 anos, usasse um crucifixo, não tivesse problemas cardíacos e se responsabilizasse por possíveis “possessões demoníacas”. Mas enquanto o NP apresentava uma legião de pessoas dispostas a acabar com o Bebê diabo, havia também os que supostamente o idolatravam. Uma boa sacada apresentar um contraponto perigoso. Já magino o Arcebispo meio desesperado com uma nova legião de seguidores do capeta eclodindo em sua arquidiocese.

Mas como diz Nelson Ned, “tudo passa, tudo passará” e não podia ser diferente com o pobre Bebê diabo. Com o decorrer dos dias, a história foi esfriando e ganhando cada vez menos destaque no jornal. No começo de junho, foi noticiado que o bebê-diabo havia fugido para o Nordeste, após ter sido sequestrado por pessoas dispostas a queimá-lo vivo.

A última aparição do pequeno capetinha se deu na edição em que o Zé do Caixão iria acabar com ele.

O interesse do publico parecia enfraquecer, e numa tentativa desesperada de refazer “a mágica” e buscar uma nova fonte de comoção social, o jornal ainda tentou emplacar mais dois diabinhos, esses de outras cidades, um “bebê-peixe” e um “bebê atômico”, mas sem sucesso.

Não parecia haver qualquer limite para a busca de dinheiro dos curiosos. O Sensacionalismo parecia uma explosão que após desencadeada só crescia até chegar em manchetes assim:

Mais do mesmo

É necessário compreender um pouco a gênese da imprensa marrom para termos a dimensão de como o bebê diabo era só mais um elemento de um mecanismo que ainda se repete nos dias de hoje, como um fantasma que na realidade é praticamente um subproduto da nossa condição de seres sociais.
Voltemos então nosso olhar à Chicago dos anos 1930. Era uma cidade marcada por segregação étnica e choques entre culturas de imigrantes. Sobre esse panelão escaldante de conflitos, o sociólogo Ezra Park assinalava a importante função integradora dos jornais – como a imprensa contribuía para a integração dos imigrantes à população local. Essa visão sobre a função integradora da imprensa marcou a distinção entre o que posteriormente se denominou de “a grande imprensa” e a chamada “imprensa marrom” – ao contrário, uma imprensa “desintegradora” porque apostava no sensacionalismo, no medo e no individualismo para unicamente vender mais jornais.

Surgia assim “Escola de Chicago” que no âmbito das teorias da comunicação também explorou os efeitos sociais da distinção entre jornalismo e sensacionalismo, imprensa e o “penny press” – o chamado “jornalismo de centavos”. Evidentemente que não era de se duvidar que sendo o Brasil um reflexo de tudo que ocorre no planeta a escola de Chicago se refletiria aqui , plasmada em pleno fluxo migratório do Nordeste para São Paulo durante a ditadura militar nos anos 1970.  É nesse contexto que encontramos o Notícias Populares, como um elo de comunicação com uma audiência iletrada mas de vasto e rico multiculturalismo, fato que talvez tenha ajudado a refletir as grandes façanhas do jornalismo sensacionalista de todos os tempos.

É muito provável que o surgimento do bebê diabo tenha se dado mais por acaso do que de caso pensado. Naquele tempo era comum, principalmente nos periódicos dependentes de relatos policiais, uma eventual falta de assunto. Dessa forma, se falha um assunto é preciso que a mídia use a criatividade para ocupar esse espaço. Mas chama a nossa atenção esse contraponto de que enquanto a “imprensa marrom” vivia do sensacionalismo para ganhar centavos, a grande imprensa respeitável criava a noção de “jornalismo de prestação de serviços”. Favorecido pela monopólio midiático incentivado pela Ditadura Militar, a imprensa (e principalmente a TV) tornava-se o principal veículo de cidadania – campanhas públicas de conscientização, expressão das demandas comunitárias, informações de interesse público etc.

A crise de relevância

A grande mídia vivia seu período dourado de relevância junto à opinião pública: criava a pauta e prescrevia para a sociedade o que era ou não pertinente para ser discutido. Isso deu à mídia um poder avassalador que até hoje é uma ferida narcísica do jornalismo mundial, pois ante a descentralização da informação produzida pelo advento da tecnologia, surgia um dilema: Jornais começaram a quebrar. A tv entrou em crise junto. Hoje basta reclamar da qualidade (feita nas coxas) do jornalismo televisivo e você verá dezenas de pessoas alegando que não assistem mais jornalismo na Tv, acusada de manipuladora pelo próprio publico ao qual se destina.

Mas diferente da midia Fake news de hoje, repletas de agendas, nos anos 70 era bem mais fácil tanto para o público como para pesquisadores acadêmicos separar a imprensa “séria” da “sensacionalista”. O máximo de critica que poderia ser feita era a ideológica: manipulações das notícias pelo viés ideológico da política editorial.

O jornalista dá o viés que interessa ao dono do jornal. Essa era uma verdade cristalina e até palpável e ninguém questionava esse fato. Ainda hoje é assim, mas hoje as pessoas se imbuíram um desejo de uma verdade transcendental aos interesses que permeiam o jornalismo, como se a realidade não fosse multi-enviesada.

Com a Internet e as tecnologias de convergência qualquer um podia ser jornalistae isso produziria um impacto direto em receita mercadológica, e também na estrutura de poder, com o fim da noção de “grade de programação”, o surgimento de concorrência brutal (youtube, netflix, tv à cabo, videogames e o cacete a 4.)

Mas sem duvida que de todas as pedradas, a  perda de relevância foi a mais trágica. A grande mídia perdia dia após dia seu monopólio das informações, e passou de um filtro que controlava a realidade de acordo com seus interesses  (gatekeeper) para virar um mero  (newsmaking).

Nesse contexto, quanto maior a centralização, maior o tombo e foi nessa situação meio desesperadora que surgiu o curioso e não tanto inesperado fenômeno de “amarronzamento midiático coletivo”. Trocando em miúdos, a grande mídia começou cada vez mais a se aproximar da antiga “imprensa marrom” que a essa altura havia se transmutado, absorvido pelos memes, blogs de bizarrice, kibes, vídeos, boatos e teorias conspiratórias pela Internet, fóruns, canais de youtube e todo esse lixão que eu volta e meia mergulho em busca de diversão.

Mas se a grande imprensa e seu salto alto se amarronza, ela o faz de maneira mais complexa. Não há mais lugar para “mulher dando a luz a tartaruga”, até porque as pessoas já passaram a um patamar de esclarecimento um pouco (muito pouco) acima do que estava por aí nos anos 70. Assim, surge a era das “agendas”.

O “agenda setting”  se resume a construir e agendar os “temas” das conversas das pessoas em função do que será veiculado na mídia. Passa-se então a criar situações de exceção, crises econômicas e políticas, pandemias, ameaças terroristas, iminentes catástrofes geológicas, climáticas, astronômicas e assim por diante numa espiral randômica. Para que isso funcione, é preciso que os grupos de mídia saiam de seus castelos de papel e entrem de cabeça na “guerra”. E a Guerra se faz com “canais de notícias” de Tv a cabo, canais de internet, blogs e mais blogs de tudo que é tipo, controlados de modo que todo mundo fale a mesma coisa com palavras diferentes. Assim, se constrói uma espécie de “coro” capaz de convencer as pessoas de que a “agenda” é a realidade.  Nesse novo mundo não faz diferença você ler uma duas ou três revistas semanais, porque todas elas compram mídia dos mesmos centros de notícia, que decidem literalmente o que você deve saber e o que não convém.  Mas é preciso vender, e vender pressupõe trazer seu interesse para comprar o rocambole de agenda.

Então, nesse novo aeon o sensacionalismo de antigamente vem “credibilizado” por pesquisas, números extraídos de resumões científicos, declarações editadas de incautos chefes de pesquisas de tradicionais institutos, e mentiras deliberadas que logo que expostas se convertem num porco pedido de desculpas em letra 6 num quadradadinho obscuro em algum lugar que ninguém vai ver, até porque nem adianta: O estrago estará feito. E o objetivo é se livrar de uma briga jurídica.
etc.

Outra crise no jornalismo se refletiu no enxugamento das redações. Com menos pessoas para apurar e levantar dados, esse trabalho foi ao longo do tempo se terceirizando para “agencias de noticias” e isso contribuiu efetivamente numa era do copy+paste nas redações. Cada vez mais gente ganhando cada vez menos, com estagiários produzindo em ritmo insano artigos curtos com imagens grandes e manchete apelativa. Qualidade se traduziu em números de acesso e para agências inescrupulosas era isso que importava para vender propaganda à clientes ordinários. A responsabilidade do veículo se dispersou, o mesmo texto é redigido mais de vinte vezes diferentes com estéticas textuais variadas e espalhado em dezenas de espaços. As pessoas passam a ler a mesma coisa achando que estão lendo coisas diferentes.  Um veículo copia o outro, e essa despersonalização do conteúdo produz o efeito manada.  Mas ainda que tantos falem a mesma coisa, é preciso atrair o publico.

Agora é necessário, que na falta do bebê diabo, surja um antagonista igualmente ameaçador. De preferência, construído a partir de fatos verdadeiros (o mosquito, a doença, a microcefalia, a bactéria comedora de carne humana e etc.). Logo, os veículos em uníssono apressam-se a criar conexões e relações causais que, cientificamente, exigiriam demoradas análises de dados de populações e teste laboratoriais, mas a notícia, tem seu próprio tempo, seu ciclo, e claro, é preciso ganhar dinheiro!

A comprovação disso é que esses grandes opositores da felicidade surgem a todo tempo no noticiário (e este é o motivo pelo qual eu assisto toda sorte de porcarias da Tv, pra saber pra onde o vento esta soprando – Explicando um amigo que me perguntou por que eu ainda vejo telejornal na tv aberta).

Um exemplo se traduz na febre amarela e sua recente cobertura explosiva (que já é remake, hein?).

O primeiro caso da “epidemia midiática” da febre amarela em 2008 foi bem documentado por diversas pesquisas. Uma delas, Epidemia Midiática: um estudo sobre a construção de sentidos na cobertura da Folha de São Paulo sobre a febre amarela, no verão 2007-2008, foi realizada pela Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) mostrando como o discurso jornalístico transformou uma epizootia (contagio em animais) em epidemia – contágio em humanos. Claro que o efeito disso foi o aumento explosivo pela busca de vacina da febre amarela onde a aplicação indiscriminada produziu casos de óbitos por doença vicerotrópica, a mais grave reação adversa. A notícia da suposta epidemia de febre amarela gerou sua própria epidemia: desinformação, pânico, filas, vacinações desnecessárias, erradas etc. Mas vendeu jornal pra caralho.
A mesma jogada se deu com o Zica às vésperas de um evento mundial, onde justificou uma verdadeira corrida armamentista contra o mosquito (metendo o veneno malathion pra tudo que é lado).

Do mesmo modo, os serial killers são componentes midiáticos recorrentes nos EUA.  (ja falei disso aqui)

Tal qual a histeria da febre amarela de 2008, e tal qual o Notícias populares “reciclou” o bebê diabo no bebê atômico, a mídia reciclou a febre amarela com uma cobertura opressiva dez anos depois, produzindo o MESMO resultado de outrora.

Filas, pânico, desespero. Pessoas que se vacinaram na primeira crise se vacinando de novo “pra garantir”, gente saindo lá do caixaprego para ir em área de risco se vacinar (e assim levando a doença pra longe das fronteiras rurais)  e fim dos lotes de remédio. Midia pressionando o governo, e o governo alegando mais verbas para compra de lotes emergenciais… Laboratórios faturando à todo vapor.
E então, como num passe de magica a noticia some. Tudo se calma. É como se tudo não passasse de um pesadelo ao qual acordamos e a ameaça evapora. Ou evapora ou derrete, diante a construção de um novo medo, uma nova paranóia que você só saberá se ler no jornal.  Queda do dólar, greve, crise, subida do dólar, caos político, ameaça de guerra nuclear…

E assim vamos nós, de monstro em monstro, reféns de nossos temores, limitados ao mito platônico da caverna, circunscritos à nossa matrix, edificada no  pânico e medo, que  produzem a falsa necessidade de mais informações, que são construídas a qualquer custo, numa tentativa desesperada de recuperar uma relevância inevitavelmente perdida.

Saudade do tempo em que o nosso maior medo era um recém nascido com chifrinhos.

Produtos com as capas mais loucas do Notícias populares

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. bom dia,
    excelente matéria,
    sugestão: poderia fazer uma versão americana desta matéria, utilizando como base o Weekly World News..
    se não me engano, lá o assunto era o bebê morcego..

  2. quando adolescente meu irmao contou essa historia de bebe diabo, fiquei aterrorizada na época, pois ele falou que a pessoa caía morta na hora se simplesmente olhasse no tal bebe….KKKKKKKKK

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