Uk ergueu-se e olhou para a frente. Do alto da colina onde olhava, Uk via o deserto púrpura que parecia mágico com os últimos raios do sol. Uk apreciou por alguns instantes o milagre do sol. Até que os raios foram ficando fracos e começaram a sumir atrás de um monte rochoso que cortava o horizonte.
Então o pequeno rapaz sentiu o peso de sua lâmina de bronze. Este era o primeiro sinal do medo.
O medo é desta maneira. Ele surge aos poucos. Cada raio de luz que não cruza o firmamento adiciona um punhado do mais profundo medo na alma do homem. É assim desde o princípio dos tempos.
Eu poderia contar aqui a história de Uk. Contar que ele era um dos dois irmãos Barat que sobreviveram a tomada de Uadi Abbad. Mas não falarei sobre isso. Não há tempo para contar tamanha aventura, que seguramente tomaria alguns dias.
O que eu posso dizer sobre este pobre garoto de vinte e dois anos, que trêmulo desce com cuidado o monte de pedra de onde estava em direção a uma planície rochosa ainda quente, é que ele foi enviado pelo faraó Netjerkhet em pessoa.
O ano é 2630 A.C. e Uk partiu de Thebas na manhã de dois dias atrás. Ele caminhou a passos largos seguido por dois escravos carregando respectivamente: dois camelos, água, comida e algumas armas.
Na noite do primeiro dia, um dos escravos fugiu. Foi durante a noite, e quando o outro escravo deu pela falta, o infeliz havia sumido e carregado consigo uma cabaça de água.
Uk sentiu raiva de si mesmo, pois ainda no início da jornada percebeu que aquele pobre diabo iria fraquejar. Pensou que devia tê-lo matado para poupar a água. A água naquela região é um bem escasso e precioso. No sol inclemente, a morte espreita a cada minuto.
O segundo escravo morreu no dia seguinte. Caiu ao subir um rochedo e bateu a cabeça. Uma morte estúpida, sem dúvida.
Dali em diante, Uk seguiu sozinho orientando-se pela lua e pelo sol. Ele carregava consigo desenhos e esquemas dos sacerdotes para saber em que direção seguir.
Após descer o monte, os pés de Uk doíam. Ele olhou em volta, tentando encontrar algum vestígio de movimento, mas não havia nada. Apenas o vento e seu silvo triste.
Uk sentou-se no chão. Pensou que faltava pouco para alcançar seu objetivo.
O rapaz olhou para o céu e viu as estrelas. Então ele ajoelhou-se e rezou para Knhum, para Satis e para Anukis. Pediu piedade para consigo.
Do alto do céu, as estrelas apenas olhavam, no silêncio da eternidade.
Uk abriu a sacola que carregava amarrada às costas e dali retirou um pouco de palha. Com as mãos, cavou um pequeno buraco no chão.
Do fundo da sacola, Uk pegou as pedras de fazer fogo e pôs-se a bater uma contra a outra com violência. A cada batida uma minúscula fagulha brilhante emergia. Uk repetiu isso até que uma das pequenas fagulhas queimou a palha e uma fraca chama laranja surgiu.
Ele pegou então a tocha que carregava apagada e acendeu com o fogo. O vento ajudou e a tocha incendiou-se, iluminando a escuridão.
Ele continuou a caminhar usando a tocha como lanterna. Esperto que era, Uk decidiu só dormir na luz do dia para não ser pego de surpresa na noite.
Andou algumas horas e já tinha os pensamentos perdidos em músicas e lembranças de Thebas quando um ruído chamou-lhe a atenção.
Não era bem um gemido. Era como um ar saindo de uma abertura. Uk virou-se e nada mais ouviu. Apenas o silêncio.
Levantou a tocha o mais alto que pôde para melhorar sua visão na direção do som, mas nada via além das pedras. Grandes, médias e pequenas. Mas só pedras.
Uk permaneceu imóvel em completo silêncio por vários e intermináveis minutos. E só o que ouviu foi o crepitar do fogo da tocha alimentada pelo alcatrão.
Começou a pensar se o som não era uma ilusão, um sonho, um delírio auditivo. Talvez fosse.
Uk estava sozinho já havia algum tempo e nessas situações, um deslizamento de terra ou pedrinha que rola pode assumir proporções titânicas.
Mas Uk resolveu prosseguir.
Ao virar-se, deu de cara com a criatura. Ela estava na frente dele. Meio abaixada. A cabeça virada para baixo. Os olhos brilhavam como se fossem faíscas de puro fogo.
Ela era enorme. Bem maior do que haviam lhe falado. Pelo menos uma vez e meia o tamanho dele em pé. E ela estava de quatro.
A criatura não se movia. Uk também não. Ele lentamente deu um passo para trás.
A criatura levantou-se e deu um passo em absoluto silêncio para a frente. Na direção dele. Era o balé da morte. A situação ficou tensa. E uma gota de suor desceu o rosto de Uk com velocidade. A luz da tocha iluminava o corpanzil peludo da fera.
Era um corpo gigante de leão coberto com uma densa pelagem grossa que parecia uma ovelha. As garras eram de leão. Na fraca luz que ainda iluminava a criatura, ele viu as enormes asas que os sacerdotes haviam lhe falado.
Iluminada pela luz estava o rosto da mulher. Lindo. Perfeito. Os cabelos longos a cair sobre o colo, onde uns pêlos começavam a aparecer ainda fracos e juntavam-se nos tufos que recobriam o corpo do monstro. Ela ficou ali, olhando fixamente para ele.
Uk não ousou recusar o olhar e não desviou o os olhos da esfinge. Esfinge era como eles a chamavam. Uk tateou lentamente até o cabo da espada. O bronze gelado tocou-lhe os dedos.
Uk estava retesado, não aguentando mais a dor nos músculos.
Então ele saltou para trás.
A Esfinge arregalou a boca. Ninguém acreditaria se eu dissesse o monte de dentes pontiagudos que surgiram daquela boca de mulher. Ela saltou por cima dele, mirando-lhe na cabeça e batendo as asas pretas. Uk jogou-se para trás o quanto pôde e sentiu o hálito de carne pútrida da fera, e num rápido movimento, acertou-lhe uma espadada no ventre.
Ele tentou uma estocada, mas a julgar pelo jeito desajeitado com que manejou a arma, apenas conseguiu obter um corte. A cabeça de mulher deu um urro. O enorme bicho caiu três metros adiante. Uk estava ainda no chão quando viu a esfinge levantar-se e se sentar. Parecia um grande cão sentado e olhando pra ele. A mulher olhou-o nos olhos como sempre fazia.
Era uma besta do inferno enviada por Hades como haviam lhe dito. Uk deveria matá-la e retornaria a Tebas como um herói.
E numa voz de trovão que ressoou por vários e vários metros dali, a mulher com asas e corpo de leão finalmente falou:
–
– Besta do inferno. Volte para teu criador e liberte os campos, o povo e os animais desta terra. – Disse ele, seguindo o ensinamento dos sacerdotes do faraó.
E então a esfinge não disse mais nada. Ela apenas riu.
Um riso grosso, que fez Uk sentir um medo maior do que tudo que havia sentido antes.
O enorme animal avançou novamente para cima do pobre Uk, que tentou desviar, mas foi atingido no peito por uma patada do pesado animal. Uk voou no ar e acertou uma rocha. Caiu estatelado no chão. Meio tonto, ele tentava entender o que havia acontecido. Notou que o animal puxava da perna traseira esquerda.
Tentou levantar-se e sentiu uma enorme dor nas costelas. devia ter quebrado algum osso na batida contra a rocha.
O animal tornou a investir contra Uk. A boca escancarada cheia daqueles dentes e as garras cruzaram o ar como lâminas.
Uk pulou de lado, desta vez para o lado certo. O animal mordeu apenas o ar.
Uk aproveitou a oportunidade e vendo-se sem a espada abaixou-se e pegou uma pedra. Não era grande, mas tinha algum peso, e acertou uma pedrada na cara do bicho.
O animal virou a cabeça sangrando e ficou realmente irritado.
Uk correu como pôde para alcançar a tocha. Ele ouviu novamente o silvo de ar atrás de si e então o pesado animal desceu do céu sobre ele como fosse uma águia gigante. As asas abertas eram enormes e o vento que produziam levantou um monte de areia. Uk abaixou-se de olhos fechados e tateou até encontrar a tocha. Ele pegou a tocha e saiu girando o fogo no ar sem poder abrir os olhos.
O pesado animal evitava o fogo como podia, saltando de banda e batendo as asas freneticamente.
Uk afastou-se um pouco da criatura. Ele pisou em alguma coisa dura e quando a besta investiu novamente sobre ele, Uk abaixou-se para pegar.
O animal caiu em cheio sobre Uk. A bocarra pronta para o bote. Uk pegou aquilo que estava ali no chão e enfiou-lhe na boca. Era um fêmur de alguém ou algum bicho. Bem, tenho que ser sincero e contar que era fêmur de gente mesmo.
Uk não era o primeiro, e ao que parecia, não seria o último a enfrentar a esfinge de Hades.
Mas o caso é que ele atochou aquele ossão guela abaixo do monstro. A criatura recuou. Virou-se de costas pra Uk, tossindo um tossido gutural e tentando em vão retirar o osso da garganta.
Foi a chance de ouro que Uk procurava. Ele correu até a espada e empunhou-a.
Virou-se para procurar a esfinge e ela não estava mais lá.
Havia desaparecido. Ele olhou em volta e não havia sinal da monstruosa mulher gigante de asas e corpo de leão.
Uk pegou a tocha e logo após levantar-se Já sentindo-se o herói vitorioso de Thebas, sentiu uma coisa fria tocar-lhe os ombros. Um arrepio percorreu seu corpo de alto a baixo. Uk olhou para cima e o que viu foi a cara da esfinge, toda babada de sangue. Os olhos de pássaro amarelos injetados de ódio.
A boca grande do monstro se abriu e foi a vez de Uk se juntar à pilha de ossos carcomidos que se acumulariam nos cantos daquele deserto esquecido. Os ossos de Uk ficaram ali por mil cento e treze anos anos. Até que um dia, surgiu um rapaz chamado Édipo no alto daquelas montanhas e apreciou os últimos raios de sol púrpura banhando a planície rochosa.
–
Eis o Philipe, sempre matando os personagens, kkkkkkkk
História legal, interessante, uma esfinge deve ser algo muito sinistro, estilo dakelas criaturas apocalípticas, tá loco ‘-‘
Maneira a história