Em 1937, as multidões faziam fila nos salões do museu Boymans em Roterdã.
O povo se acotovelava no estreito espaço para admirar uma obra de pequenas dimensões na parede. Uma pequena placa indicava a obra:
“Cristo e os Discípulos em Emaús”, de Johannes Vermeer, mestre holandês do século XVII.
Todos sabiam que Vermeer era um gênio. Uma de suas mais famosas obras, a “mulher com o brinco de pérola” havia cativado corações em todo o mundo. A noção de luz que Vermeer conseguia obter em suas telas, sempre pequenas, era uma coisa sensacional.
Era uma curiosa e tardia conquista de reconhecimento. Vermeer vivia com magros rendimentos como comerciante de arte, e não pela venda dos seus quadros. Por vezes até foi obrigado a pagar com quadros dívidas contraídas nas lojas de comida locais. O artista morreu muito pobre em 1675. Ele passara tamanha dificuldade financeira que sua viúva teve de vender todos os quadros que ainda estavam na sua posse em troca de uma pequena pensão.
Depois da sua morte, Vermeer passou muitos e muitos anos esquecido. Por vezes, os seus quadros foram vendidos com a assinatura de outro pintor para lhe aumentar o valor. Foi só muito recentemente que a grandeza de Vermeer foi reconhecida: em 1866, o historiador de arte Théophile Thoré (pseudónimo de W. Bürger) fez uma declaração nesse sentido, atribuindo 76 pinturas a Vermeer, número esse que foi logo reduzido por outros estudiosos. No princípio do século XX havia muitos rumores de que ainda existiriam quadros de Vermeer por descobrir.
Assim aquela era uma importante descoberta, porque até então, apenas e tão somente 36 obras do gênio máximo da pintura europeia – como muitos especialistas o chamavam, eram conhecidas oficialmente.
Ali, em meio a Multidão, cheio de si e com o orgulho e amor próprio atingindo os pícaros da glória, estava o Dr. Abraham Bredius. Renomada autoridade em assuntos de arte, Abraham era uma pessoa arrogante, que se sentia acima dos mortais comuns. Dono de um olhar desdenhoso para tudo que se relacionasse com pintura e arte em geral, era um homem de vastos conhecimentos realmente, mas sua empáfia o precedia, trazendo a todos os que com ele se relacionava um sentimento desagradável de inferioridade.
Abraham era cumprimentado efusivamente por alguns convidados ilustres do museu e enquanto acenava positivamente com a cabeça.
Ninguém sabia, mas em meio a multidão que se prostrava diante da obra magistral do artista Holandês, estava um homem chamado Hans Van Meegeren.
Poucas pessoas sentiam tanta felicidade quanto ele naquele momento. Meegreren era o único ali capaz de apreciar verdadeiramente aquela obra, a sutileza da cor, a composição, a luz, a sombra e a pintura.
Isso porque quem tinha pintado aquele quadro, era ele.
Hans Meegeren era um falsificador. Aquele era um momento muito especial para ele, pois saboreava lentamente a sua vingança sobre os chamados especialistas e críticos de arte, a quem sempre devotara o maior desprezo.
Hans passou a odiar os críticos quando ainda era bastante jovem. Com uma promissora carreira e dotado de um verdadeiro talento, ele se recusara a aceitar o suborno de um critico de arte corrupto. Com ódio por não ter obtido a soma pedida, o crítico corrupto destilou todo seu veneno contra o jovem pintor, influenciando colegas e subestimando sua capacidade. Aquilo arruinou a carreira de Meegeren. Desde então, Hans Meegeren passou a nutrir um nojo especial pela classe dos que se intitulam grandes conhecedores e mestres do que é uma boa pintura.
Oito anos depois, Meegeren foi preso.
Em maio de 1945, depois da queda da Alemanha nazista, a coleção de obras de arte roubadas por Hermann Goering, de valor incalculável, surgiu em uma mina de sal, perto de Konigsee oculta em Berchtesgaden. A coleção, que ficara anos escondida na escuridão ressecada da velha mina contava com 1200 quadros raros, entre eles, “Mulher surpreendida em Adultério”, assinado por Vermeer.
O que lhe distinguia das demais obras é que aquele quadro em especial era o único que o oficial nazista não havia roubado. Goering, era um homem rico e tinha adquirido o quadro do mestre holandês em Amsterdã por 1.275.000 florins.
A polícia holandesa seguiu cuidadosamente uma série de pistas até chegar ao quadro e seu autor. Nesta época, Van Meegeren era o próspero proprietário de uma boate. Ele havia ficado rico. O pintor tinha obtido gr4ande fortuna ao vender sua coleção de seis Vermeers, sendo cinco deles para museus holandeses e o sexto para o alto oficial nazista.
Intimado a prestar depoimento, Meegeren disse à polícia que havia vendido um Vermeer original de boa fé. Alegou que não tinha como saber que o quadro pararia nas mãos dos nazistas. As autoridades não se impressionaram com suas alegações e apertaram o homem, até que ele confessou. O que Van Meegeren confessou deixou todos os investigadores estupefatos. Os quadros eram falsos.
Sabendo que estava sendo acusado de colaborar com o nazismo, Meegeren alegou que havia enganado os homens de Hitler com um quadro falso.
Em seguida, confessou ter falsificado 14 outras obras primas holandesas, de autoria de Hals, Hooch e Vermer entre as quais “Cristo e os Discípulos em Emaús”.
A declaração foi parar nos jornais e Bredius, com toda sua pompa e arrogância, sentiu o gosto amargo da vergonha na boca.
Todos os críticos e especialistas humilhados, deram declarações contradizendo o falsificador, alegando que ele estava mentindo. Que as obras eram verdadeiras. Após se reunirem, os críticos foram aos jornais conclamar que Van Meegeren provasse que os quadros eram falsos. “Prove suas afirmações loucas – desafiaram – Pinte Emaús outra vez!”
Meegeren então aceitou o desafio, e começou o que seria seu último quadro, “O jovem Cristo ensinando no templo”.
Meegeren trabalhou num estúdio fechado ao qual ninguém tinha acesso, sob os olhares permanentes de um grupo de testemunhas oficiais. A polícia permitiu que ele usasse seu conjunto de ferramentas habitual e os produtos químicos que usou para reproduzir os pigmentos do tempo de Vermeer. Meegeren levou quatro anos para descobrir um meio efetivo de envelhecer sua pintura. Seu segredo foi mantido a sete chaves.
O trabalho foi tão impressionante que não precisou ser terminado. Imediatamente a acusação de colaboracionismo com os alemães foi retirada e os críticos, mais uma vez humilhados reconheceram a genialidade de Van Meegeren.
Em 1947 ele foi sentenciado culpado por falsificar assinaturas. Suas falsificações estiveram expostas na parede da sala do tribunal, para que todos pudessem ver a habilidade com que ele conseguia imitar o trabalho e o estilo dos outros artistas, pintando quadros totalmente novos.
Meegeren foi sentenciado então a um ano de prisão, mas morreu de ataque cardíaco apenas seis semanas depois, aos 58 anos.
Ainda jovem, o artista gabara-se de que suas obras estavam predestinadas a adornar os museus e galerias mais refinados da Holanda, o que realmente aconteceu. De uma maneira própria, Van Meegeren conseguira provar que era tão bom quanto os antigos mestres. Estimativas apontam que Meegeren conseguira obter com suas pinturas falsas cerca de 30 milhões de dólares no total.
Algum tempo depois, descobriu-se que o gênio da falsificação havia caído de maduro em outro embuste. O dinheiro dos nazistas era falso.
Hoje há, reconhecidamente como originais, 34 quadros de Vermeer. A obra completa dele foi publicada pela Taschen e pode ser comprada aqui no Brasil por um preço bem bacana. Ele não era tão pobre, apenas quebrou no fim da vida com a guerra franco-holandesa. Se vc quiser uma história incrível sobre falsificação, procure por Lothar Malskat, e vc vai ver que os perús pintados nos seus falsos góticos serviram até para provar que os vikings estiveram na América antes de Colombo e trouxeram tais aves de lá.
Eu acho essa mania dos europeus ficarem se chamando de gênios disso, gênios daquilo um rematado exagero. Essa pintura, por exemplo, é coisa que qualquer ilustrador lá na Gráfica do Bradesco faz em dois passes de mágica. Chamar alguém de gênio só porquê conserva um estilo travado é burrice. Depois qualquer um falsifica mesmo.