Minha vó Neuza, quando ainda era viva, sempre foi do tipo de mulher que pegava bicho da rua para criar. Quando meu avô morreu, ela passou a pegar muitos mais. Teve uma época, por volta de 1998 que ela estava igual doida, catando bicho pela rua. O amor da minha avó pelos bichos abandonados só não era maior que o dela pelas plantas. Até de canteiro da prefeitura, minha vó roubava muda, era uma vergonha.
Em 98 ela estava com uns doze gatos e três cachorros que ela achou na rua. Ela cuidava deles, gastava uma nota, ia a aposentadoria inteira só de ração e remédios, mas minha tia dizia para não impedir, porque “isso era a cachaça dela”.
E a gente ia levando. Como ela morava numa chácara em Paraíba do Sul, tinha bastante terreno para os bichos.
Um certo dia, ela contou que vinha da feira, estava carregando umas sacolas pela estrada de terra que ia dar na entrada da chácara, quando viu um tipo de chiado estranho no mato. Pensando ser uma cobra, ela saltou de banda. O barulho vinha de uma moita grande de capim braquiária.
Minha vó deixou as coisas na casa e voltou munida de um cobertor velho. A vó já tinha muita experiência em pegar gatos, gambás e outros animais. Alguns, ás vezes tinham sido atropelados, eram arredios e mordiam.
Ela entrou no mato e a primeira coisa que viu, foi uma grande mancha de sangue com tripas. Estava fedendo e já tinham moscas. A Vó achou que um bicho tinha morrido ali, mas no meio daquela poça nojenta, ela viu uma coisa se mexendo.
A minha vó meteu a mão naquilo e foi limpando. Era um tipo de filhote de cachorro, uma coisa esquisita. Era pequeno e com uma língua comprida feita uma cobra. As pernas eram finas como palitinhos e ele gemia um chiado estranho que nem era um miado e nem um choro de cachorrinho.
A vó pegou aquilo e levou pra chácara.
Ela cuidou com amor e felizmente, a baleia, uma das cachorras que estava lá se recuperando, tinha dado cria, pegou amor pelo filhotinho e até deu leite.
Assim, cresceu o filhote, que a Vó chamou de “chuvisco”. Ela dava esses nomes, quanto mais ridículo, melhor.
O chuvisco segundo a vó, era um cachorro doente. Ele dormia o dia todo e só era ativo de madrugada. Os outros filhotes da baleia foram aparecendo mortos, até só ficar ele. O chuvisco também era pulador.
Segundo a vó, ele conseguia pular e se agarrar no teto do canil, quase que como um macaco. Mas só de noite, e se jogasse a luz da lanterna nele.
O Chuvisco também crescia no triplo da velocidade dos outros bichos. Em menos de quinze dias, ele estava com porte de um vira-lata adulto. A única pessoa que chegava perto dele era a vó. Dos bichos, ele só aceitava a baleia.
Mas o chuvisco tinha um problema. Tudo que ele comia, ele vomitava depois. Não aceitou ração de jeito nenhum, e foi ficando muito magro. Ele matou quase todos os bichos na chácara, ficando apenas a baleia. A Vó também começou a ficar com medo do Chuvisco, porque ele começou a ficar muito bravo, e andava pelo quintal em pé, em duas pernas, igual gente!
Outra coisa estranha e assustadora aconteceu numa noite que minha vó escutou uma pessoa chamando ela. A vó saiu pra varanda e ouviu que estavam chamando o nome dela lá perto do canil. Era a voz do jardineiro, seu Messias. Mas seu Messias morava lá em Chiador.
Ela foi chegando perto e viu que era o Chuvisco que estava imitando a voz dele. A Vó falou que aquilo deu um calafrio nela.
O chuvisco também tinha uma língua estranha, essa língua fininha que ele tinha quando nasceu, era meio tubular, que saía de sua garganta e se projetava como uma cobra. Eu mesmo, nunca vi essa língua, só a vó que viu. Segundo ela contou, essa coisa saía rápido e numa pancada forte, de dentro da boca dele.
Nessa época, a vó já dava pra ele comer uma bacia de carne e miúdos que ela pegava no açougue uma vez por semana, e passava por debaixo da grade.
O Chuvisco comia, mas depois de um tempo, ele vomitava uma gosma amarela pegajosa e fedida, pelo quintal todo.
A Vó então mandou cercar uma área maior do canil, e o chuvisco ficou lá. Ele ficou na chácara uns seis meses ou menos. E de vez em quando, de noite, ela ouvia ele chamando por ela. Ele imitava sons, como um papagaio.
Numa noite, a Vó acordou com um barulhão e o chuvisco tinha estourado o teto do canil e fugiu.
Todo mundo dizia para a vó que o chuvisco não era cachorro, que aquilo era uma outra coisa, uma espécie de lobo guará doente, não sei. Mas ela tinha amor pelo bicho, e ficava brava quando chamavam ele de chupacabras.
Ele nunca mais apareceu. E ninguém nunca descobriu o que era a espécie do Chuvisco.
muito boa, Philipe
até a próxima
Maluquice! A sua avó era demais!
Baseado no Carlos Machado, eu acho que sua vó poderia ir na caverna mais próxima do sitio dela. Ela com certeza encontraria o chuvisco lá rsrsrsrsr