Ontem estive no excelente Youpixcon, um evento que prometia reunir as 500 pessoas mais influentes da internet brasileira. De fato, tinha gente influente pra caramba lá e dei com minha ingrata no fato de que desse percentual monstro de pessoas influentes, eu conheço uma meia dúzia de cinco. O resto é claro, estão lá, existem, mas escapam-me ao conhecimento. Dá aquela sensação de que com um blog de quase uma década, sou velho, ultrapassado, velha guarda, uma bananeira que deu cacho. Pra falar a verdade em certos momentos me peguei imaginando que tipo de bicheira deu na Matrix para que eu seja convidado para este tipo de evento com esta gente nova, animada, descolada, superligada. Seja como for, eu fui e foi proveitoso pra caramba. Uma vez que decidi em cima da hora que ia mesmo, e meu dinheiro não nasce em árvore, precisei pegar um BUSUM para São Paulo. E você que lê este blog há algum tempo, sabe que se há algo certo nessa vida é que:
Philipe Kling David sempre se fode em ônibus de viagem.
A profecia se cumpriu tão bem cumprida, que deu merda na ida e na volta. Na ida, eu peguei o de meia noite e blau para dormir. Tudo parecia perfeito até o ônibus sair da rodoviária, quando um sujeito sequelado e surdo, arrancou um celular do bolso e começou a gritar loucamente lá atrás.
Todos certamente pensaram que ele pararia antes mesmo de acabar a ponte rio Niterói, mas achei que entraria em colapso quando estávamos em RESENDE e o filho da puta ainda falava aos berros no telefone, ligando cada hora pra uma pessoa diferente. As pessoas olhavam para trás, mas ninguém ousava incomodar a figura sem noção, uma vez que ele parecia maluco e nervoso no tel. Ele falava absurdamente alto, organizando um evento de pagode que rolaria num clube de São Gonçalo. Eu sei tudo do evento. Que banda vai, quem está devendo ele, que um segurança que é ex-PM deve favores a ele, que ele vai tentar ganhar grana na cerveja, que horas vai começar… Enfim, você não imagina como é bom encarar seis horas de viagem na madrugada com um demente aos berros.
Peguei meu amigo das horas difíceis, que é um radinho de ondas curtas, mas para meu azar e desespero, o cabo do fone se rompeu na viagem, me obrigado a um revezamento de ouvido por horas e horas.
O perrengue na volta de São Paulo se deu com um casal de idiotas que falaram a viagem toda. Esses não teve jeito, estavam bem na minha frente. O cara contou a mesma história umas dez vezes pra mulher. Eu já não aguentava mais e quando coisas que eu não aguento mais acontecem, eu me refugio em pensamentos distantes nas entranhas dos meus miolos. Fiquei pensando no que levava aquela mulher a rir das piadas do idiota do carinha pela sexta sétima, oitava vez. E se ela estivesse fingindo? E se o plano dela fosse matar ele?
E foi assim, com este desejo de morte travestido em uma ideia que comecei a me lembrar de um dos filmes que vi este ano. Peguei o filme no streaming, sem saber o que esperar. Não li sinopse, porque muitas vezes gosto de ser surpreendido pela história. O filme se chama “Sob a Pele”.
É provável que você não tenha ouvido falar deste filme, ou se tiver, talvez tenha escutado falarem mal. EU vou falar do filme, mas um pouco mais à frente. Agora quero falar duma coisa que vou chamar “filogumpicamente” de efeito globular.
O efeito globular é uma coisa que deriva de Globo. E globo deriva de bola, esfera. A ideia do efeito globular é que uma coisa pode se tornar tão ruim que começa a ficar boa, porque ela dá a volta num tipo de globo conceitual. Todo mundo conhece alguma coisa que pode ser tão ruim, mas tão ruim que dá a volta e fica boa. Tipo música do Reginaldo Rossi.
Na verdade, a definição de bom ou ruim é um troço bastante subjetivo, é claro. Mas me causa uma especial atração certas coisas que são condenadas como ruins e uma certa parcela pode achar boa. (e vice-versa)
Veja, não sou nenhum crítico de cinema. Longe disso, aliás. Eu não sou crítico porque não costumo avaliar muito as coisas. Eu não como dando nota para a comida, não ouço musica comparando com a versão live ou com outros cantores. Não olho para uma pessoa vendo se ela está na moda ou não. Há de fato, pessoas infinitamente mais críticas que eu em todos os aspectos existenciais.
Sofrendo desse mal, nos tempos em que todos são críticos e conhecedores profundos de tudo, eu costumo ir ao cinema , ou quando pego um filme para ver, já espero gostar do que vou ver. Eu me esforço realmente para gostar do que vejo. Nem sempre dá certo. Mas quase sempre dá.
Foi o que aconteceu com o filme “Sob a Pele”. Se você não viu, pule o post, porque é impossível falar do que falarei sem contar a porra toda, inclusive o final da bagaça.
Sob a pele e Aliens
Sim, é um filme de aliens. Durante um tempo recusei aceitar que estava vendo um filme de alienígenas, porque eu havia me recusado a ler a sinopse, onde esta escrito isso claramente lá, com todas as letras.
Trata-se de um filme incomum onde cabe um esclarecimento: Não espere Hollywood! A obra está mais para um testemunho singular, uma irregular colagem de técnica narrativa de Jonathan Glazer, baseado num livro chamado “Under the Skin” que ainda pretendo ler, mas que pelo que ouvi, é adaptado até mais ou menos o meio do filme.
Segundo diz quem leu, o filme não pode jamais ser considerado uma “adaptação” do livro, porque ele torna a obra escrita completamente irreconhecível. Mas por favor, amigos críticos, me digam onde está o parágrafo da lei que obriga um filme ser radicalmente igual sua versão impressa?
Agora, em vez de sinopse, deveria haver um aviso sobre este filme, que tem Scarlet Johansson pelada como veio ao mundo. É importante, antes de começar a ver, despir-se de suas ideias pré-concebidas do que é um filme bom, e tentar desligar sua mente da narrativa rítmica de Hollywood. Há quem considere Sob a Pele uma obra-prima – e não um filme. Não sei se é uma obra prima, mas sei que isso não é só um filme, mas cinema, portanto, imune a subjetivas opiniões negativas-ou-positivas. Está lá, existindo, como um quadro na parede e sua percepção dele é parte da experiência.
Talvez de fato não se trate de uma adaptação; mas uma abstração do livro. O personagem principal não tem sequer um nome! Pouca gente se liga nisso.
O filme é cheio de estranhas cenas, que parecem não estar cronologicamente ligadas de modo linear, mas que parecem indicar que há uma mulher alienígena, que está usando sua beleza e atrativos sexuais para “colher” homens solteiros que encontra em estradas na Escócia.
O filme em momento algum mostra a nave do alien, tirando um fugaz momento logo nas primeiras cenas em que as luzes somem entre as nuvens. Eu gostei especialmente desse aspecto, porque é tão discreto que na primeira vez que vi o filme (vi 4 vezes) eu nem notei.
Ao que parece, no livro, a alien limita-se a caronas em áreas rurais, mas no filme ela está concentrando seu “trabalho” em Glasgow. Me parece que está subjetivamente implícito que há inúmeras alienígenas fazendo este trabalho de “coleta” humana, embora a obra se concentre em apenas uma. Eu fiquei pensando isso e concluí que só poderia ser assim, em função daqueles motoqueiros serem vários caras. Não seria lógico que todos atuassem com ela. Assim, deveria haver diversas outras criaturas daquelas.
Outro aspecto que me atraiu no filme é que muitas vezes ele parece mostrar não a realidade real, mas a realidade que a vítima é levada a ver. Por exemplo, quando os homens são atraídos para um quarto escuro, eles começam a afundar numa gosma pantanosa preta como um óleo. Fiquei vendo aquilo e pensando que talvez a “casa” abandonada no meio do nada seja só uma representação mental na cabeça do Abduzido. Provavelmente ele estava entrando na “nave” onde seria “armazenado”. O curioso do filme é que mostra tudão, a mulher sem roupa andando de costas e o carinha peladão com a “barraca armada” seguindo ela, completamente embriagado pelo desejo de comer a Scarlet que nem se dá conta que ele está afundando no chão e ela não. Aquilo mostra claramente o aspecto hipnótico sob o qual a vítima está sendo levada a fazer o jogo de seu predador alienígena.
Acho que o autor brinca um pouco com certos aspectos da dimensão humana masculina, pois todo mundo conhece um amigo que fica realmente hipnotizado assim diante de um par de peitões.
A situação da alienígena, que parece seguir trabalhando duro em sua missão, sem nem sequer refletir ou demonstrar qualquer remorso, é uma metáfora para o homem moderno acorrentado à empresa e ao trabalho. Segundo um amigo meu que leu o livro me disse, na obra escrita o alien também mutila os homens e engorda-os em uma espécie de fábrica que é um matadouro em nível industrial (como nossas fazendas de porcos) e após isso eles são processados como carne-alimento.
Há diversos insights sobre a condição humana nesse filme, mas muitas pessoas reclamaram que ele é “arrastado”. (quem diz isso certamente nunca viu um filme Iraniano) mas me parece que isso é proposital muitas vezes, para causar a sensação de que nada muda, que tudo é mais do mesmo. Um alien sem emoções, mimetizado como uma fêmea humana atraente, caçando comida na Terra. Sobre a lentidão de certas cenas, muito longas realmente, está o fato de que o diretor ficou famoso justamente fazendo comerciais e clipes, linguagens audiovisuais que demandam fluidez e cenas rápidas. No fundo pode parecer um tanto quanto presunçosa a quantidade de cenas longas, como se ele estivesse querendo impor uma estética europeia, mas no fundo, penso que ele estava mesmo querendo quebrar essa velocidade narrativa que estamos acostumados, talvez até diria adestrados a gostar e achar que é isso que é bom.
Scarlet Johansson minimiza seu desempenho lindamente, além de ter a coragem para nudez frontal em diversas cenas. Mas outro desempenho corajoso é o de Adam Pearson como o homem grotescamente deformado, ao qual a alienígena inicialmente me pareceu ter compaixão. Lá pela segunda vez que assisti, comecei a pensar que talvez esse cara não tenha sido efetivamente liberto da ação do alien, mas sim “recusado” com base em sua não conformidade com os padrões estabelecidos para as vítimas, o que dá uma dimensão ainda mais trágica no negócio, mas isso é só uma percepção que eu tive, não sei se é o que eles pensaram. Antes que me perguntem, o ator é deformado mesmo, não é maquiagem.
Uma vez que o alien, seguindo ordens ou não, deixa o homem deformado partir, ela faz uma pausa na frente do espelho que fica no final sopé das escadas da casa abandonada. Ali há este espelho, e a alienígena começa a se olhar, intrigada. Essa cena me pareceu bem importante na trama toda, apesar de na primeira vez que vi ter ficado meio confusa. Ela observa lentamente sua própria imagem e, em seguida, foge da casa abandonada. Isso remete ao “estágio do espelho” do Lacan, que é uma fase da formação da criança em que ela consegue finalmente se perceber como um “outro” e a partir disso estabelece uma relação independente com a realidade. Se isso estiver certo, a alien começa a perceber a si mesma com mais consciência a partir da análise do homem deformado. Gradualmente, a partir dessa individuação, a alienígena começa a se identificar muito mais com sua pele exterior, e revela sutilmente um desejo de ser aquela figura. Isso fica mais claro com as vezes em que ela começa a se observar no espelho, completamente nua no decorrer do filme, e também quando ela tenta comer comida de gente num restaurante, pede uma fatia de torta e chama o Raul na frente de todo mundo. Curiosamente, e de certa forma tragicamente, essa percepção de si mesma enquanto humana começa a se tornar ilusória.
Uma sequência comovente ocorre durante um período breve em que ela vive na casa de um homem gentil que lhe provê abrigo. Ela fica nua em seu quarto na frente de um espelho de corpo inteiro, estudando seu corpo. Ela parece sintonizada com seu corpo físico, valorizando a sua forma feminina e sua capacidade de se mover e controlar aquele corpo. Ela está confiante em seu corpo ao ponto de aceitar finalmente sair do lugar inatingível da fêmea sedutora e tenta relações sexuais com o homem. Ali, durante a penetração a pele se rompe. Não precisa pensar muito para ver um paralelo na ideia da perda da virgindade e do rompimento do hímem, que afeta profundamente a alienígena. Aparentemente rola uma “porrada narcísica” nela, a segunda depois do espelho. Ao notar que debaixo daquela genitália humana da pele fake há um interior duro; talvez sem vagina, ela se percebe fadada a suas origens não-humanas. O choque mexe com ela. Sua descoberta parece agora cristalizar pra ela que sua aparência tem mera função estética. É a partir daqui que tudo se inverte e a alien se vê construída para significar sexo, embora a natureza negue seu direito ao prazer.
É daqui em diante, que se dá a grande virada do filme. A alien amargurada sai tresloucada. Foge, tenta escapar de si mesma. Se embrenha pela floresta.
Um outro aspecto que gostei no filme é que há um ponto de inflexão em que a predadora se encontra na condição de uma presa. Isso ocorre nos minutos finais do filme, após ela se descobrir cuidada e amada pelos mesmos seres que dias antes, ela escolhia para morrer.
Eu sei lá. Gostei e tenho uma certa sensação que estilisticamente “Under the Skin” tem uns arcos genéticos que remontam ao Kubrick, mas essencialmente há algo ali que lembra um pouco V a batalha Final. Lembra?
Aliens reptilianos mimetizados de humanos bonzinhos e com objetivos sórdidos? Lembrei muito disso, sobretudo na parte em que a pele dela se rasga e revela o verdadeiro ser escuro e magro, por baixo da capa humana de mulher gostosa.
Há uma arte ali nesse filme, sem dúvida. A fragmentação da narrativa hiper-minimalista – onde passamos o filme quase todo sem diálogo algum, apenas os fundamentos absolutos estão incluídos – então lentamente o filme vai tomando forma. O diretor não está paternalistamente pegando o espectador pela mão e levando-o pelo caminho do enredo. Ao contrário, ele parece estar cagando e andando para o que achemos do filme, meio que do mesmo jeito que os aliens pouco se importam com suas vitimas. Ele só faz o trabalho, deixa uma parte da compreensão e da conclusão pra nós. Evidentemente, um monte de gente detesta isso, porque passarinho de gaiola sempre acha o mundo do lado de fora um tanto incômodo.
Agora pare um minuto e pense em como deve ter sido FODA conseguir convencer produtores e investidores, estúdio e tudo mais a botar grana numa coisa dessas.
No fim, fica um conjunto de impressões bastante interessante, que optei por ficar destilando mentalmente enquanto meu ônibus percorria a estrada na madrugada. Na cena final, o estuprador horrorizado com a visão da alien, resolve queimá-la. Isso é também de certa forma um lado trágico na história, uma vez que com a morte da alienígena, os seres humanos continuarão a ser usados como comida pelos demais seres. O filme leva a crer que as pessoas vão sendo mantidas num tipo de tanque de gosma que vai lentamente separando a pele das pessoas de seu interior, e que através de algum processo desconhecido, essa pele é posteriormente usada para cobrir um novo alien, que vai se misturar aos humanos. Foi justamente após pensar nisso que concluí que o homem deformado foi recusado para o processo por isso. Ele não geraria um “novo” alien caçador aceitável para a tarefa e portanto, foi devolvido, escapando da morte.
Pra falar a verdade, eu nem mesmo tenho certeza se as pessoas estão sendo usadas para alimentação dos aliens no filme. Isso é o que parece querer dizer o livro, mas é bem possível imaginarmos somente pelo filme, que os aliens estão segundo um plano de hibridização ou simplesmente de integração discreta na Terra, e para isso, precisam a pele humana para se infiltrar. E o que é estranho de pensar é: E se algo assim está realmente rolando? E se aquela pessoa que puxa conversa com você do nada for um ser infiltrado? Dá uma plataforma de paranóia deliciosa e irresistível. Ou pelo menos algo para os neurônios mastigarem nas curvas da estrada escura.
Opa agora sim hehehe! Mas como eu disse no outro post, tem a possibilidade desses seres não serem de outro planeta, mas sim uma civilização paralela que vive “na moita” por ai. Uma hipótese a se pensar…