Como jogar poker com um robô

O grande mestre da literatura de ficção científica, Isaac Asimov, adorava escrever sobre robôs. Em seus inúmeros livros, eles sempre foram protagonistas, para o bem ou para o mal, e desempenharam diversas tarefas humanas e, por vezes, sobre-humanas. Mas há uma história que Asimov nunca escreveu: a de um jogo de poker com uma máquina. Provavelmente o jogo não era um tema familiar ao escritor, ou ele apenas preferia enveredar-se por outros caminhos. Mas hoje, com tanta discussão sobre IA, vale a pena perguntar: como seria uma partida entre um homem e um autômato?

Antes de começar, é preciso que ambos – homem e robô – estejam familiarizados com o jogo. Para você, humano, um bom caminho é procurar as regras em uma plataforma confiável e educativa, que explique exatamente como tudo acontece. Para seu amigo cibernético, bastará fazer um upload dos algoritmos correspondentes. Sim, ele vai aprender o jogo em trinta segundos, enquanto você vai passar pelo menos meia hora lendo e entendendo. Mas não desanime, não é preciso ter pressa.

Robôs são muito bons jogadores, especialmente de xadrez, e constantemente vencem campeões mundiais. Mas isso acontece, basicamente, porque são capazes de calcular todos os movimentos possíveis para tomar a melhor decisão. Enquanto isso, humanos podem deixar escapar algum detalhe, ou não considerar alguma possibilidade.

O poker, porém, é diferente. É um jogo de informações incompletas. Considerando a variante mais popular da modalidade atualmente, o Texas Hold´em, um robô tem informação sobre as cartas que ele segura na mão e sobre as que estão na mesa (o flop, o turn e o river). Mas ele não sabe qual carta você tem, nem quais ainda estão no maço. Por isso, os cálculos dele serão incompletos. Ele pode chegar a 99% de certeza em uma jogada, mas nunca será 100%.

Sendo uma IA, a máquina vai tomar decisões baseadas na maior probabilidade. Mas se você leu os livros de Asimov, ou pelo menos viu alguns filmes inspirados em suas obras, já sabe que esse é o caminho para os equívocos. Basta lembrar do acidente de carro em Eu, RobôPorque nem sempre a maior probabilidade é a correta, uma sutileza fácil de ser percebida por humanos, mas absolutamente obscura para um robô.

O jogo de poker também possui um componente que, usado corretamente, bagunça os processos da IA. Trata-se do blefe. Fingir um comportamento, jogando agressivamente quando a mão é fraca, ou esperando o raise do adversário quando sua mão é boa é um comportamento fora do padrão lógico. A princípio, o robô vai permanecer agarrado às probabilidades, o que sugere que os blefes são inúteis. Mas uma IA moderna aprende durante o jogo, e aí é questão de usar o sistema para causar confusão. Em outras palavras, é possível fazer a máquina ‘aprender errado’ através do blefe. E qualquer programador júnior sabe o que acontece com um algoritmo zoado: caos cibernético.

As IAs de hoje em dia podem fazer muita coisa, desde retratos a castelos, passando até por belos drinques. Mas tudo isso se baseia na combinação de padrões pré-estabelecidos que, combinados e recombinados, criam a sensação de algo novo quando, na verdade, é apenas uma releitura elaborada de coisas que já existiram. Uma espécie de colcha de retalhos de informações anteriores, misturadas e embaladas em um novo pacote. Por tudo isso, há muita discussão se as IAs vão substituir o verdadeiro talento, uma vez que conseguem recombinar os pedaços para oferecer um simulacro convincente de criação.

Mas esse debate não é novo. O próprio Asimov cansou de explorar o tema em seus livros e, mais recentemente, filmes como Blade Runner (as duas versões) e Ex Machina, ou ainda séries como Westworld retomam a ideia de robôs que aprendem a ser gente.

Alan Turing, que era cientista da computação e ao mesmo tempo filósofo, criou, em 1950, um teste específico para avaliar a capacidade das máquinas se passarem por humanos. Desde então essas provas vêm sendo aperfeiçoadas para acompanhar o desenvolvimento exponencial da tecnologia. Por suas características extremamente humanas de incompletude, alternância e criatividade, talvez o jogo de poker possa ser o próximo Teste de Turing.

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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