quinta-feira, dezembro 26, 2024

As crianças da noite – Parte 14

-Tá fazendo o que aqui? – Ele perguntou.

Na penumbra do porão, Rogério não reconheceu de imediato, mas logo que ele falou, Rogério percebeu que havia sido surpreendido por Palheiros, o policial.

-Não vai responder?

-Eu… Eu.. Ouvi minha mulher gritando. 

-Eu acho que fui claro quando falei que não queria você atrapalhando a investigação…

-Senhor Palheiros, espere, solte-me.

-Você invadiu a cena do crime, meu amigo. Violou a área restrita…- Disse Palheiros, conduzindo Rogério com certa agressividade para as escadas.

Rogério resignou-se. Sabia que iria parar na cadeia por ter violado a área restrita pela polícia. Ele estava andando, olhando para o chão, quando sentiu um violento puxão.

-Ei! – Gritou Palheiros.

Rogério caiu no chão com a pancada. Ele bateu de cabeça violentamente no chão de madeira.

-Quem é você? Quem está aí? – Gritava palheiros.

Rogério estava um pouco tonto, mas forçando a vista viu que havia uma figura escura e enorme na frente de Palheiros. A coisa tinha o dobro do tamanho de um homem e era meio magra. Desengonçada. Estranha. Estava parada. Palheiros estava com um revólver apontado para a figura, que mais parecia uma forma embaçada e escura assemelhada a um gigante.

-O que… O que é esta merda? – Gritou Palheiros, se virando para Rogério, apontando a arma para a coisa, que estava parada como uma estátua enorme de ébano em meio a penumbra do porão.

-Eu não sei! – Gritou Rogério.

Não houve tempo para a discussão. A coisa gigante agarrou Palheiros pelos ombros. Ele ainda atirou duas vezes antes de ser separado ao meio como um boneco de brinquedo. Um dos braços se soltou completamente, separando-se do corpo. Aos gritos, o policial acabava de ser desmembrado por aquela coisa assustadora que parecia ter saído de um pesadelo. O som que ecoou no porão era dos ossos estalando e se partindo, enquanto a figura escura em completo silêncio separava seus pedaços como se ele fosse um mero brinquedo. Uma cascata de sangue entornou no chão, e Rogério se arrepiou quando escutou o barulho dos órgãos do policial caindo na enorme poça.

-Ai meu caralhooo! – Gritou Rogério quando viu que a coisa jogou os pedaços do policial para trás e veio rápido na direção dele.

Rogério tentou correr na direção da escada, onde a luz adentrava pelas frestas de madeira queimada que se amontoavam sobre o que restou da escada que dava acesso ao segundo andar. Mas ele não foi rápido o suficiente. Uma mão enorme, com uma força poderosíssima que quase esmagou seu ombro o agarrou e lançou para o alto.

Ele bateu contra a viga do teto e caiu estatelado sobre a montanha de antiguidades, quebrando lustres, cristais e etc. Uma nuvem de pó levantou-se no ar, tornando o ambiente irrespirável. Pedaços de madeira caíram por todos os lados. Rogério cheio de medo e adrenalina tentou como pôde levantar-se mas o gigante escuro vinha novamente na direção dele.

Sua única reação foi puxar a primeira coisa que sua mão tateou no meio da bagunça de coisas antigas e tacar na criatura.

Era um banquinho de madeira de lei. Pesava muito e Rogério quase destroncou o braço para jogar aquilo no bicho. O banquinho acertou em cheio no peito do monstro escuro, que deu dois passos para trás. Ele não emitia nenhum ruído e aquilo era o mais assustador.

O enorme ser se recompôs e veio para cima dele novamente. Rogério, que havia aproveitado os dois segundos de distração da criatura para saltar de cima do monte de antiguidades estava agora do outro lado, separado do bicho pela pilha de aparadores, móveis, cadeiras, arcas, etc.

O ser pareceu não se importar com isso e apenas passou sobre aquele monte de coisa, espalhando tudo em batidas que jogavam pedaços para todos os lados.

criatura do porao

Rogério estava aterrorizado e tentou se afastar da criatura. Ele acabou acuado pelo gigante escuro num canto de parede.

-Não! Não! – Era tudo que ele gritava.

A criatura se aproximou decidida.

-Por favor! Não! – Gritou Rogério quando novamente sentiu-se agarrado pelas poderosas mãos escuras da coisa. Ele foi levantado no ar. O bicho agarrava – o pelos braços e começou a puxar lentamente, como que se deliciando com a dor desesperadora. Rogério lutava contra o desmembramento iminente, retesando ao máximo que podia seus músculos. Mas era inútil. Sentiu-se como uma criança lutando contra um adulto, que era 60, 70 vezes mais forte. Até ali o ser gigante escuro estava em completo silêncio, mas então ele começou a rir. Um riso lento e gutural.

Agora Rogério apenas gritava, desesperado, implorando pela vida, enquanto o monstro puxava calmamente seus braços, numa macabra diversão.

Então uma mão transpassou o peito da criatura. Rogério foi lançado contra a parede.

O bicho enfim soltou um grito tão horroroso, como nunca ele tinha escutado antes. Era um urro grotesco. A criatura tentava se recompor, em uma sequencia descoordenada de movimentos estranhos. Parecia em um frenesi desesperado. Um buraco em seu peito logo se expandia, derretendo-o.

Num segundo, ou dois, o que antes era um poderoso gigante escuro de formas indefinidas estava reduzido a uma poça de lama escura e fétida.

Só então, Rogério, sentindo uma terrível dor nos braços, notou um homem velho de pé. Ele estava parado atrás da poça, de costas, olhando calmamente para um pequeno jarro de porcelana.

-Obrigado. – Rogério disse.

-Você entrou numa roubada aqui… – Falou homem, sem sequer se virar para ele.

-Eu… Eu não sei o que era aquilo. Aquela coisa surgiu do nada e…

-Não, não tô falando do demônio. Estou falando dessa peça aqui. Ela é falsa. -Disse ele calmamente, enquanto dava petelequinhos de leve, no jarro, colocado perto do ouvido. -Aposto que você pagou uma grana, né? Te disseram que era o que? Dinastia Qing? Ming?

-Quem é você?

-Isso não vale nada. É! Definitivamente, é uma imitação barata. Você caiu de maduro num golpe, moço.

-Tudo bem… Desculpe-me, mas… Quem é o senhor?

-Meu nome é Leonard… – Disse ele, jogando o vaso de porcelana na parede e em seguida, estendendo-lhe a mão. – Satisfação!

-Tudo bem aí em baixo? – Gritou o indiano. Ele estava descendo as escadas.

– Ei! Olá taxista! – Gritou Rogério, levantando-se com dificuldades.

-Aesh, me ajuda aqui. Acho que seu amigo não vai conseguir sair sozinho daqui de baixo. -Disse Leonard, apontando para o taxista de turbante junto à escada.

Minutos depois estavam os três reunidos na frente das ruínas casa incendiada.

-Então você é o tal do Rogério… – Disse Leonard, sentando-se numa pedra do jardim.

-Este é o seu amigo? O tal que viaja pelo mundo? -Perguntou Rogério ao indiano.

-Foi uma grande sorte, senhor Rogério! Assim que eu deixei o senhor na biblioteca, peguei dois passageiros indo para o aeroporto, mas chegando lá, quem eu encontro na fila do táxi?

-Sorte… – Riu Leonard.

-Ele acredita em sorte, senhor. – Disse Aesh.

-Como vocês me descobriram aqui?

-Bem, eu tomei a liberdade de falar com o senhor Leonard sobre o seu caso… E quando falei da Ljuvbna…

-Você a viu mesmo, meu rapaz? – Perguntou Leonard, interrompendo Aesh Pandraj.

-Eu vi… Algumas vezes.

-E ela está mesmo sem a cabeça?

-Sim.

-Bom… Pelo menos isso. – Disse Leonard.

-Desculpe, senhor Leonard, mas eu não estou entendendo muito bem o que vem se passando comigo. Essa mulher se cabeça anda me rondando, e minha mulher sumiu… Agora teve essa coisa horrível lá no porão e…

-Coisa? Que coisa? – Perguntou o taxista.

-Shhh! Cala a boca! – Disse Leonard.

-Hã? – Rogério assustou-se com a rispidez do velho.

-Não podemos perder muito tempo. Não estou aqui para te explicar o que há por trás dessa merda toda. Eu quero é saber cadê a Andela Dubravka.

-Mas… Eu não sei.

-Claro que sabe. Ou talvez até sabe, mas não tenha consciência disso ainda. Um demônio como aquele lá de baixo, não sai sozinho aqui pra cima. Foi você que invocou?

-Não, não senhor. – Disse ele.

O taxista brincava com uma moedinha, jogando-a para cima, enquanto se apoiava na lateral do carro.

-Tá. Me conte até onde você sabe. – Disse Leonard.

-Bom, tem essa mulher sem cabeça, que aparece pra mim. Ela me deu esta foto dessa menina aqui. Depois de pesquisar descobri que ela é a filha de um poderoso homem de negócios que viveu no seculo XIX, e que deu a menina para essa tal de Andela em troca da ressurreição de sua irmã. As filhas dele morreram num incêndio.

-Certo. Mais o que?

-Minha mulher, a minha mulher apareceu na Tv do Hotel, gritando. Ela sumiu aqui. Antes da casa pegar fogo. As pessoas que sobreviveram disseram que uma menina de olhos pretos estava atacando a casa.

-Menina de olhos pretos, né? Sei. São crianças da noite.

-Sim, senhor. Então, como eu dizia, ela apareceu e de alguma forma, minha mulher sumiu. O Aesh me disse que podia ver que a bruxa croata sem cabeça controlava essas tais “crianças da noite”. Mas é tudo muito confuso… Eu só queria ter minha mulher de volta! Mas o Aesh me disse que ela está, sei lá, meio morta, meio viva, em algum lugar entre essas duas coisas. Né isso Aesh?

-Sim senhor. -Disse o Indiano, ainda concentrado na brincadeira com a moedinha que girava no ar.

-Eu sei o que essa desgraçada quer. E eu vou te dizer, garoto. – Falou Leonard, levantando-se. – Ela quer encontrar a cabeça dela! Se ela encontrar a cabeça, voltará a ter poder sobre estados mais densos da matéria. Eu aposto meus bagos como ela está te usando pra isso, meu caro.

-Então foi ela que trouxe aquele monstro lá de baixo?

-Não. Com certeza não. Aquele diabrete ia te matar. Se a Andela Dubravka quisesse você morto, ela só precisava botar a mão no seu peito e você já era! Quem soltou aquilo lá em baixo queria te tirar da jogada! Provavelmente, quem fez isso está com sua mulher…

-E a menina, senhor! Quem fez isso está de posse da Regina e também da Melissa Koeher. -Disse o Indiano, lançando para o alto a moedinha. E então, a moedinha parou no ar.

-Opa! – Exclamou Leonard.

-Uau! – Espantou-se Aesh.

A moeda estava como que congelada no ar. E então ela caiu.

-Tem mais alguém aqui com a gente! – Disse Leonard, com um certo temor na voz.

Então eles três ouviram uma gargalhada estranha vinda do porão…

CONTINUA

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.

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Comentários

  1. Leonard é o cara, eu também já previa que ele iria assumir essa empreitada, esses assuntos ele domina. Ele é como o Indiana Jones, só que ao invés de ouro e tesouros, ele trabalha é com as trevas, kkkkkkkkkk. Muito boa essa história…

  2. UHUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU, Leonard, Leonard, Leonard!!!! Finalmente ele voltou!!! Pomponzinhos para o alto, pq esse retorno alegrou meu dia!!!! O conto acaba de ficar ainda melhor do que já estava!!!! Mandou bem Philipeeee!!!!
    Bjos
    Juju

  3. cara, simplesmente teu melhor personagem, a parte engraçada é que eu chutei no começo que ele ia aparecer, e voce falou que não. obvio pra não dar spoiler.

  4. Até que enfim!!!!!!!!!!!! Cara, ja tava tendo um treco esperando esse post…por favor, não faça isso com um pobre leitor ansioso!!! Muito obrigado!!!

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