– E aí? Vamos? – Perguntou Pandraj batendo na porta do banheiro.
– Já tô saindo. Calmaí. – Gritou Rogério.
– Anda logo, garoto. Eu estou com fome. – Disse Leonard.
– O cara toma um banho de duas horas… – Gemeu Leonard entre os dentes enquanto olhava pela janela do quarto.
– Onde iremos jantar, senhor Leonard? – Perguntou o motorista.
– Tem que ser aqui por perto, já que seu carro está todo cagado. A propósito. Tome aqui… Pelo inconveniente. – Disse Leonard, estendendo um maço de notas altas para o Indiano.
– Obrigado senhor. Só preciso disso. Vou lavar o carro, não comprar um novo. – Pandraj retirou apenas uma das notas e guardou no bolso.
– Por isso que eu gosto de você, meu rapaz. – Respondeu Leonard sorrindo.
Rogério abriu a porta do banheiro. Estava bem melhor de cabelo molhado e roupas limpas.
– E o cheiro? Saiu?
– O senhor está bem vestido! parece até o James Bond! – Riu o Indiano, limpando os óculos na camisa.
– Já era hora. – Leonard limitou-se a dizer. – Venha, vamos jantar.
Minutos depois, os três atravessaram uma rua.
-Que tal aquele? – Perguntou Rogério, apontando um restaurante português.
-Não… Prefiro o italiano ali da esquina. – Disse Leonard, sem muitas explicações.
-Mas, senhor Leonard… Ele parece meio vazio. restaurantes vazios não costumam ser um bom negócio. – Disse o indiano.
Leonard nem deu resposta, foi andando na frente, direto para o italiano.
– Ele é sempre assim? – Sussurrou Rogério.
-É que o senhor ainda não viu ele bravo. – Respondeu Pandraj entre os dentes.
Os três foram para o restaurante, que parecia deserto. Escolheram uma mesa de fundos, longe da janela, perto de uma pilastra. O restaurante tinha mesas iluminadas por velas enfiadas em antigas garrafas, e toalhas tradicionalmente quadriculadas. Rogério já ia se sentar de costas para a parede, quando Leonard agarrou firme em seu braço.
– Aí vai ser o meu lugar.
– Opa, desculpe. Desculpe…
-Perdão, é que eu sento sempre de costas para a parede… Sabe como é… Mais seguro. – Ele disse, tentando não parecer tão antipático.
-Coisa de agente secreto? – Riu Pandraj.
Leonard olhou para ele com um semblante sem expressão.
Nisso se aproximou o garçom.
Boa noite, senhores. Sejam bem vindos à Gruta de Capri. Meu nome é Giuseppe… Fiquem à vontade, por favor.
O garçom passou a cada um o menu.
Querem beber o que?
-Você bebe vinho, garoto?
-Sim senhor. – Respondeu Rogério.
– Aqui está nossa carta de vinhos, senhor… – Estendeu a ele o Garçom.
-Você nem vou perguntar que eu sei que não. – Disse Leonard. O indiano sorriu.
-Traga-me uma Coca-Cola, por favor.
-Pois não. – Disse o Garçom anotando no bloquinho.
-Vocês ainda tem o Tommaso Bussola? – Perguntou Leonard.
O garçom arregalou os olhos.
-Temo que ainda tenhamos uma garrafa senhor.
-Qual o ano?
-Tommaso Bussola, safra 2003, senhor.
-Excelente! Pode trazer!
– Não conhecia este… Disse Rogério, olhando a carta de vinhos sobre a mesa.
– Não me surpreende. – Riu Leonard.
– Ora, não me leve a mal, senhor, mas eu fiz curso de vinho em Bodeaux… E não me parece uma escolha de expert pegar o mais caro da carta. -Rogério estava visivelmente irritado.
-Não… Creio que você não entendeu, garoto. Eu disse que não me surpreende, porque este vinho é exclusivo. Eu sou amigo do dono da vinícola. Giuseppe foi um grande amigo de juventude… Passamos uns apertos juntos na época da guerra.
-Não diga!
O garçom chegou com a garrafa em mãos. Segurava com tanto carinho que parecia um pai apresentando seu recém nascido. Após abrir, oferecer a rolha e colocar um pouco na taça de Leonard, para que provasse, o vinho escuro e encorpado desceu girando nas taças de cristal.
– Sabe, Giuseppe Bussola colocava as uvas para secar no telhado… Este vinho é feito assim até hoje. Eles colhem e colocam as uvas no sol. Elas ficam lá, recebendo luz e secando, secando, até que estejam encolhidas até a metade do tamanho. Só então esta uva está pronta para se tornar este vinho.
Rogério bebeu um pouco. Em sua boca, explodiu uma bomba de cerejas e mirtillos agridoces, além de ervas, cedro e até alcatrão. Leonard parecia esperar a observação dele.
-Maravilhoso!
-Pois como eu estava dizendo, ele resseca a uva pela metade antes de fazer esse vinho, que vai sendo vinificado lentamente por anos.
-Qual a origem?
-Vêneto, Valpolicella.
-Já sabem o que vão pedir, senhores? – Perguntou o garçom.
Cada um pediu um prato.
-Bom… Eu sugeriria um brinde, afinal, escapamos com vida da ljuvbna… – Disse o indiano levantando seu copo de refrigerante com gelo e limão.
Os três brindaram, mas Rogério parecia um pouco abatido.
-Calma, garoto… Nós vamos trazê-la de volta. -Disse Leonard.
Ele não respondeu, limitou-se a olhar o vazio. Observava o teto decorado do restaurante.
-O que o senhor acha, senhor Leonard? – Perguntou o indiano. -Onde ela pode estar agora?
-E por que ela? Justo a minha mulher? – Perguntou Rogério.
-Vocês me fazem perguntas… Acham que eu sei de tudo por acaso? Só posso dizer o que eu acho. Pandraj, eu acho que ela está presa numa outra dimensão.
-Mas eu não sei porque pegaram a Regina.
-Não é a regina que eles querem. É o bebê. – Sentenciou Leonard, após beber um gole do vinho.
Aquilo caiu como uma bomba na mente de Rogério.
-A Luma?
-Isso.
-Mas a Luma nem nasceu.
-E é por isso que pegaram sua mulher, sabichão.
-Nossa… Que desgraçados. – Comentou o motorista indiano.
-O pior nem é isso, meu caro Aesh Pandraj. A pergunta que devemos fazer é: O que vão fazer com ela!
Rogério estava atônito. Olhava para Leonard esperando uma resposta. Aesh também.
-Que? Que foi?
-Vão fazer o que com ela?
-Eu sei lá, porra! Como que eu vou saber isso, seus doidos? -Disse Leonard sorrindo.
Rogério perdeu a linha e deu um soco na mesa. Os talheres e pratos pularam.
– É a minha filha, porra!
-Calmá garoto. Pra que ficar nervosinho? Senta aí. Vai, senta aí. Olha lá o garçom assustado, porra!
-Sente-se, senhor Rogério. – Pediu Pandraj falando tão baixo que mal se podia ouvir.
Rogério se recompôs. Sentou-se. Passou a mão sobre os cabelos que lhe caíam sobre o rosto: -Desculpem.
-Não estou rindo da sua situação, garoto. Até porque, ela é delicada. – Disse Leonard.
O garçom se aproximou com cautela. Pediu licença e serviu os pratos. Assim que todos começaram a comer, Leonard retomou a conversa.
– Mas tudo tem um motivo… Não é?
-Sim…
-Certamente, senhor Leonard. Creio que a menina não seria escolhida aleatoriamente. – Disse o motorista.
-Até poderia ser… Mas algo me diz que não é. – Respondeu o velho Leonard.
-O importante é encontrarmos as duas o quanto antes. Disse Rogério.
-Bom, você sabe… Há meios de conseguirmos isso, mas não vai ser muito fácil. Minha suspeita é que nada aqui foi por acaso. Alguém evocou a Ljuvbna e sugeriu a ela que pegasse a sua filha.
-Alguém? Quem? – Rogério estava atônito.
-Nem faço ideia, garoto. Mas eu suspeito que ela topou isso por alguma razão. E a razão pode estar na menina… Ou não. Pode estar em você.
-Não entendi nada. -Disse o motorista servindo-se de uma garfada de caneloni.
-Ou a menina…
-O nome dela é Luma.
-Que seja. Ou a Luma é especial de alguma forma que compense a Ljuvbna pegar ela ainda na barriga da mãe, ou o sequestro das duas tem o objetivo de te atingir, meu caro.
-Mas por que?
-Sei lá. Me diga você. Há algum inimigo? Um concorrente? Algum negócio… Anda se metendo com a máfia africana por acaso?
-Não… Eu… Que dizer, minha empresa está fazendo negócios com uma empresa coreana.
-Hum… -Disse Leonard olhando para o motorista.
-Que foi?
-Tem caneloni escorrido aí na sua barba. -Disse Leonard, apontando.
-Ops, desculpem. – Aesh riu sem graça limpando com o guardanapo.
Leonard se virou para Rogério.
-Quando você acabar essa lasanha aí, nós vamos até a casa de uma amiga minha. Ela vai poder nos ajudar.
-Amiga?
-É.
-Ok.
-Uma coisa a gente sabe: Essa história é esquisita. Tem duas Ljuvbnas… Elas nunca se cruzam. Se odeiam. Aliás, o melhor jeito de acabar com elas é juntando duas. Para ter duas Ljuvbnas na jogada, é porque debaixo do seu angu tem muito caroço. Me parece que alguém queria foder sua vida…
-E conseguiu.
-Em parte. Você está vivo.
-A mulher sem cabeça tentava me avisar de alguma coisa.
-Ela não queria nada com você. Do contrario teria te matado na primeira chance. Ela queria que você a levasse até a outra. Andela queria encontrar a Ljuvbna que nós também teremos que encontrar. – Disse Leonard, limpando os lábios enrugados com o guardanapo.
-Concordo totalmente. Eu sinto que isso é a verdade. – Disse o indiano.
-Tá vendo? Se ele sente é porque é.
Rogério concordou.
Leonard acenou para o garçom e pediu a conta. Minutos depois surgiu o homem com uma pequena pastinha de couro com a conta dentro.
Rogério fez menção de tirar a carteira do bolso.
-Nem ouse! -Disse Leonard. O velho meteu a mão no casaco e retirou um bolo de notas altas.
Os dois homens da mesa ficaram olhando estupefatos o velho contar a grana. Igualmente atônito ficou o garçom.
Aesh Padraj comentou:
– O senhor não tem medo de andar por aí com tanto dinheiro, senhor? -Perguntou.
– Não… Não. Não tenho não. Deveria?
– Sabe como é… A cidade anda perigosa. -Disse o motorista.
– Bom, vamos nessa. Muito obrigado… Ernesto! – Disse Leonard entregando o bolo de dinheiro para o garçom.
– Volte sempre senhor…
– Até logo.
– Senhor? Ei, senhor?
– Sim?
– Como sabe que o meu nome não é Giuseppe?
– Ah, Ernesto, Ernesto… No dia que um cubano conseguir me convencer que nasceu na Itália, eu vou me embora pra Pasárgada.
– Hã?
Ninguém entendeu aquilo. Leonard sorriu e os três homens saíram.
Ernesto voltou para o restaurante. Guardou o dinheiro numa gaveta, pegou o telefone e discou alguns números.
-Hernández, Cabrón, escúchame… Si, Si. Tiene un anciano junto con dos hombres. Acaba de salir. Un hombre delgado, con barba y turbante. El otro es el tipo ejecutivo. El anciano está llena de plata. Ellos van por el camino de Gauchen Park… Como quieras. Mátalos.
CONTINUA
Uhuuuuuuu! Finalmenteeeee! Muito bom!
Bjos, Juju
Valeu Philip!
Leonard, Leonard… Jogou a isca certa pro peixe certo.
aeeeeoooo!!! tequimfim!!! brincadeira, cara toda vez que leio um conto do Leonard a imagem dele que me vem na cabeça é um cara meio parecido com o Antony Hopkins, só que um pouco mais batido que ele.
Devorei os 17 contos em questão de algumas horas, muito legal, olha que eu não sou muito chegado nesse tipo de leitura…
Parabéns…