È carnaval. Tempo de notícias template.

É carnaval. Que maravilha.

Tá. Quem eu estou querendo enganar? Vou passar a porra do carnaval todo trabalhando em mais um filme do Godô.
Vai ser duro. Vai ser um calor do caramba, lá fora os blocos e trios elétricos, a multidão saltando, as mulheres loucas, cerveja voando pelo ar, bêbados caindo pelos cantos. Sacanagem rolando solta na Marquês de Sapucaí. E eu no meu escritório claustrofóbicamente animando um tamanduá cor-de-rosa 3d.
O povo brasileiro se renderá a mais uns dias de farra e o mundo continuará na mesma. Só que eu estarei de fora da farra porque tenho que correr atrás dos meus caraminguás.
Nesses dias de carnaval uma coisa que me irrita é ver Tv.
Quando não são aquelas vinhetas sequeladas da Rede Globo, com uma mulata seminua rebolando sensualmente em plena hora do almoço, são as clássicas matérias do jornalismo televisivo desta época.
Incrível, meu. Entra ano e sai ano e parece que eles reprisam a notícia.
São sempre as mesmas. O repórter entra no barracão, entrevista o carnavalesco que vai dar dez mil desmunhecadas e dizer que neste ano eles virão com luxo e grandiosidade na avenida. Daí o jornalista pergunta sobre um carro alegórico ao fundo e o carnavalesco faz seu mistério dizendo que só vai mostrar na avenida.
Quem já não viu isso pelo menos dez vezes nos últimos dez anos é porque não vê a globo ou não tem Tv em casa.
Sempre desconfiei que a globo e outros canais que oferecem um jornalismo de mínima qualidade fazem notícias com templates.
Quer ver?
Notícia sobre seca no nordeste. Começa com um velho senhor que carrega um balde sebento na cabeça em meio a uma paisagem desolada e seca. O sol inclemente larga um belo lensflare de cinco pontas na objetiva.
Surge o leito de um rio ( em algumas versões, açude) seco. Pela lateral entra o jornalista com um tom de velório. Ele comenta que o rio secou. Os animais vão comer cactos para sobreviver e que os agricultores passam necessidades. Daí vem a entrevista com um velho que mais parece o Yoda. Ele já nem tem dentes, e quando tem são no máximo três.
O velho diz que não tem água para plantar. Que a seca castigou nesse ano e que os animais morreram. Ele diz que não vai sair do nordeste porque nasceu e viveu ali e não tem para onde ir.
Ao fundo um esquadrão de bacuris barrigudos com cara de piedade, os filhos do homem, confirmam que irão comer farinha com lama ou palmas para sobreviver.
O jornalista encerra a matéria apelando para um dia em que o sertanejo não precise sofrer tanto, um dia em que o voto e a opção democrática permita ao homem do campo viver com dignidade.

Diz que essa não é clássica e você não vê televisão. É tão clássica como “…E o vento levou”.
Todo ano tem seca e todo ano é a mesma merda. Nem os políticos fazem nada para ajudar o povo e nem os jornalistas falam do assunto de uma maneira diferente.

Um outro exemplo de notícia template é a da eleição.
Porra, essa é um saco. Todo ano de eleição são as mesmas notícias. Chega a parecer campanha.
O político tal fez carreata. O político fulano tomou um cafezinho na padaria. Já Fulano de Tal panfletou nas esquinas movimentadas do centro.
Daí vem o dia da eleição e as notícias são a chegada das urnas eleitorais no rincão do país onde nem mesmo os extraterrestres abduzem suas vítimas, de tão longe que é. Essa notícia sempre é acompanhada de índios recebendo a urna em festa, ou na variação do tema com as urnas eletrônicas chegando de canoa num casebre na beira de um rio.

Festa junina? Festa junina também tem notícia template:
O povo arrumando as barraquinhas, os coroas bebendo quentão, as cidades com a maior festa junina do país. Entrevista com cantores sertanejos que juram seu amor eterno à cidades onde só pisam nessa época, porque eles GANHAM para isso. A notícia termina com um close que vai saindo de foco na fogueira ou na variação clichê, numa entrevista com algum velho cachaceiro bem engraçado do interior do país, que fala alguma coisa errada enquanto se equilibra precáriamente e segura um copo de quentão.

Páscoa. Páscoa é um clássico para clichês jornalísticos e notícias template.
Vamos ver: Os ovos de páscoa e seu aumento de dez porcento em relação ao ano anterior. Pode ver que TODO MALDITO ANO a porra do ovo de páscoa sobe uns 5 a 10%. Daí vem uma entrevista com algum fabricante que coloca a culpa no leite, no açúcar ou no cacau.
Tem aquela template do aumento dos empregos na indústria de chocolates nesta época. terminando sempre com alguma mocinha bonitinha que diz confiar que trabalhando duro ela será efetivada.
Tem uma que é bem batida desta época, que é a guerra pelo ovo de páscoa. A reportagem sempre com narração em off mostra pais se acotovelando em mercados para encher caixas de ovos na promoção relâmpago de queima de estoque da véspera da páscoa . E sempre encerra com um pai falando que mesmo com o ovo quebrado valeu a pena o desconto e que a maior felicidade é ver a alegria das crianças. Em seguida entra a cara da criança toda lambuzada de chocolate.
Mais uma clichê da páscoa é aquela em que uma velha aposentada mostra que com ovos artesanais ela conseguiu fazer um caixa e ensina os truques para fazer em casa seu ovo de páscoa gastando pouco. Uma solução criativa que pode virar uma fonte de renda. ( nossa, parece que estou até ouvindo o jornalista falar isso. )

Não só de páscoa vivem os jornalistas dos templates.
Há também o fim de ano.
Quem nunca viu? O jornalista entrevista fabricantes de roupas para mostrar as “tendências” de cores para o reveillon. E os resultados são sempre as mesmas cores. Branco para a paz, amarelo para dinheiro, vermelho para amor, roxo para espiritualidade, etc.
A notícia de roupa para o reveillon costuma vir acompanhada da variação da calcinha/cueca novas ou da jóia com pedra semipreciosa que ampliará os fluidos para o ano vindouro.
Tem também aquela batida das simpatias para o ano novo. E tome de caroço de tudo que é fruta, moedas enfiadas em bolos, pães com coisas cristalizadas, pular ondas, musiquinhas, mantras, fitinhas, saquinhos com papeis cheios de símbolos ocultos, tomar champanha, etc.
Daí o ano vira e em seguida vem uma nova onda de Clichês jornalísticos detestáveis:
Os guias espirituais, macumbeiros, pajés, místicas, ciganas, tarólogas, astrólogos, bruxas, sábios e toda sorte de pessoas com cara de doidos falando ( lacônicamente) coisas sempre genéricas que irão acontecer no ano que começa. Esta tem como variação a previsão dos astros para astros televisivos globais. ( geralmente o galã e a mocinha da novela que esteja começando)
Então entramos ano a dentro e temos também uma farra de notícias template para azucrinar a audiência, dando uma sensação de que o tempo está se repetindo de modo estranho.
Exemplo dessas notícias são as do carnaval. Assim, voltando ao tema original deste post, que é falar sobre o carnaval na Bahia, temos sempre a mesma imagem. Milhões de pessoas se acotovelando para seguir um trio elétrico em salvador.
Então tem a notícia sobre os bailes do Rio, tem o desfile das escolas de samba, com jornalistas que não entendem nada de samba lendo textos muitas vezes disconexos sobre o que passa na tela, mas o povo que na grande maioria desconhece o assunto não percebe e assim vai.
TEm uma entrevista sempre rapida com a beldade da novela que será raínha de bateria. Ela vai tentar falar alguma coisa mesmo não tendo ouvido nada da pergunta do jornalista idiota que gritou a pergunta no microfone e não no ouvido de quem iria responder. ( isso se repete 3 vezes) Então a moça fala uma abobrinha qualquer, muitas vezes ininteligível e a reportagem acaba logo quando um negão da diretoria da escola começa a ameaçar enfiar a porrada nos jornalistas pentelhos. Se isso não acontece, o câmera se afasta um pouco e a jornalista faz um sinal para a moçoila mostrar que tem samba no pé. Quando ela começa a sambar- como louca, dois negões com pandeiros se aproximam com sorrisos felizes em volta da bunda dela.
Pode esperar. Isso vai acontecer.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. vc quer ver uma coisa que não muda nunca…São as noticias de natal…seeeempre a mesma história, povo no shopping, carrinhos lotados, e o que vale é presentear a familia toda, e depois vem a da devolução dos presentes…Tá tudo PADRONIZADOOO…que coisa não! ô.Ô

  2. comentário template:

    “Pô, muito massa seu blog. Isso tudo aí o q vc falou aí é isso mesmo. sacanajen. X(

    me add aí q eu tb te add”!

    Pronto, pronto, passou…

  3. Philipe, vc esqueceu uma das que eu mais odeio, que é aquele tipo de reportagem, fulaninho(a) mesmo enfrentando as adversidades é um grande candidato a uma vaga …
    (a)… nas próximas olímpiadas
    (b)… no Pan do Rio
    (c)… outra competição qualquer

    A reportagem começa sempre mostrando uma favela, ou um bairro pobre, com aquela vala negra aberta e um bando de muleque melequento pulando em frente a câmera. A reporter começa a falar em off enquanto rola a cena e entra na frente da camera, meio que fazendo um mistério a respeito da identidade do(a) atleta.
    Em seguida corta para mostrar o(a) atleta praticando seu esporte, apenas para aparecer para a camera, ou seja, nem faz direito porque tem que fazer do jeito que o cinegrafista está pedindo, sem sair do enquadramento. Nisso, a reporter repete o que fez anteriormente, começa em off e a camera vira para ela, ou entra na frente do(a) esportista. Corta e estão na casa humilde do(a) atleta, que vai dizer que sofre dificuldades, que não tem patrocínio, como ganha a vida, etc.
    Corta para mostrar a geladeira da casa. Entrevista a mãe (ou a esposa prenha), que diz apoiar muito o entrevistado e repete tudo já dito antes pelo atleta. Se for menor de idade, tem que dizer que vai a aula e tira boas notas.
    Mostra as medalhas.
    Variação, mostra a pessoa comendo, geralmente sem modos à mesa, enfiando umas 10 garfadas na boca!

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