quinta-feira, dezembro 26, 2024

Estrada da agonia

Nesse fim de semana estive na abertura do Festival de Inverno de Campos do Jordão, para conhecer a tal “Suíça Brasileira” que todo mundo fala, o Amaury Junior badala e etc e tal. Lugar caviar, que eu só conhecia de ouvir falar.

Veredito: O lugar é maneiro mesmo.

O passeio foi ótimo e o Davi gostou muito, apesar do frio de seis graus na hora do jantar. Algumas coisas que mais me impressionaram não eram propriamente do lugar, um paraíso cuidadosamente construído com uma estética normanda em meio às montanhas.

O que me impressionou é o tanto de milionário gastando como se não houvesse amanhã. De um dia para o outro a cidade lotou de gente rica com seus carrões brilhantes, nada frugais. Os restaurantes, um mais lindo que o outro, cobrando preços inacreditavelmente altos por coisas relativamente simples, como uma salsicha alemã e uma cesta de pães. Isso é até compreensível, afinal trata-se de uma cidade que realmente vive do turismo e eles precisam descontar o “Lag” do ano inteiro nos meses da alta temporada.

Constato minha pobreza a cada loja, a cada vitrine, a cada prato delicioso e suculento que não irei comer. Vejo os filhos dos ricos tomando sorvete e me conformo com o pensamento de que pelo menos estou aqui, o mais duro entre os ricaços, no dilema de ser pobre entre os ricos ou ser um rico entre os pobres?

É de constatar o grau de riqueza quase de padrão de novela das nove dos ricos paulistas. Não raro, mulheres muito produzidas, com roupas que exalam a mais pura ostentação segurando cachorrinhos que certamente fizeram escova com produtos importados de Paris. Vi pelo menos uns dez cachorros de bacana que devem ter uma vida bem mais confortável que a minha, hahaha. Um inclusive estava no banco de trás de um Porsche preto que me fez babar até desidratar. Ali ao lado na mesa adjacente deve estar um dos empresários responsável pelo alto PIB paulista, quiçá nacional. Ele bebe um vinho que não sei nem falar o nome, abraçado com uma mulher escultural, jovem, talvez modelo, talvez paga… Sei lá.

Há gente muito rica, gente podre de rica, mas tem gente mais classe média também. Não sou o único. Uma certeza me abate: Os ricos dali não são os mais ricos. Os ricos de verdade estão na Suíça de verdade (se é que você me entende).

Outra coisa que me impressionou: A educação das pessoas da cidade.  E aqui cabe uma explicação. Moro em Niterói, ao lado do Rio, e aqui, é muito comum, quase cultural uma certa malemolência malandra e porque não dizer, abusada, folgada e detestável, no qual acostumamos a achar normal não responderem nosso “bom dia”. É a cara feia de garçom, a impaciência de balconista, o pouco caso de gerente. Talvez seja só um subproduto colateral do flagelo da nossa educação, ou reflexo da falência do nosso estado. Tanto quanto o preço mais barato da gasolina, lá me impressionei com a cordialidade e atenção, mesmo quando eu entrava visivelmente para não comprar nada daqueles reloginhos Patek Philippe, ou Panerai de dez mil reais ou além.  Talvez seja só profissionalismo, mas dane-se! Eu respeito o profissionalismo, e se for,  admiro ainda mais!

Findo o fim de semana, voltar pra casa. Eis que no meio do caminho vem a notícia pela rádio da estrada: Acidente em Piraí.

Piraí. Pira aí! Não tem nome mais indicado para a sucessão de eventos tragicômicos que se seguiram a aquela merda de notícia. Logo, eu dava com a ingrata em um engarrafamento infinito.

Poucas coisas me fazem ter a certeza que minha vida escorre como os grãos de areia numa ampulheta finita. Cada segundo desperdiçado me doía na consciência: Eu poderia estar trabalhando, eu poderia estar descansando, mas estou malhando panturrilha na porra da embreagem do meu carro!

O Davi que estava dormindo acordou: Queria sair da cadeirinha, já que pra ele estávamos estacionados no meio da estrada de noite, e de noite ele acha que a mãe tem que estar ao lado dele lá atrás. Por que? Porquê eu moro numa cidade onde a gente faz bolão de quem será o azarado da vez que vai ser rendido e perder o carro (ou a vida, ou ambos) e a Nivea tem a paranoia plenamente justificada de achar que o bandido vai roubar o nosso carro com o filho junto. Isso é ser carioca! Ela vai atrás na certeza de que quando der ruim ela vai tirar o moleque.

O Davi chorando, o carro que não andava, o balão de tubarão gigante flutuando pelo carro, o rádio meio fora da estação, as notícias cada vez piores sobre pistas fechadas no quilômetro sei lá das quantas, dor nas costas, dor no pescoço. O cansaço cada vez pior e aí veio a fome.  Não podia ser pior, certo?

Claro que pode. Eis que eu havia comido alguma coisa que digamos que “não caiu bem”. Eu sei lá que merda que eu arrumei de comer que me causou (como dizer isso de maneira elegante?) flatos.

Flatos, peidos, pum, gases… Não, não era isso. Um pum é uma coisa bem ruim, mas ora bolas, todo mundo peida e segundo a OMS, a gente peida até DOIS LITROS por dia! Sim, você. Eu sei que você peida! Mas espere, eu não estava dizendo que eu estava soltando traques, puns ou coisa que o valha. Eu estava soltando literalmente um minueto em dó maior, escrito por Lúcifer!

Tal era o estado de desespero produzido por um minusculo vento retrofuricular que o Davi começou a chorar, se debatendo na cadeirinha, a Nivea abriu a janela e meteu a cara pra fora, e diante de meu espanto, fez a pergunta definitiva:

“Você está comendo lixo escondido?”

Pra piorar, abrir a janela com o carro parado não faz o gás sair. Notei constrangido que ao abrir nossa janela o Palio que estava do lado fechou a dele.

Aí começou a andar. Os carros estavam andando em velocidade de tartaruga, mas estavam. Aí dá no radio que dois km à frente o engarrafamento já chegava a DEZ MALDITOS QUILÔMETROS!

Aí vem o ódio no coração da gente: Todo mundo parado e aquele monte de esperto (leia filhos duma puta aidética, cânceres humanos que merecem ser empalados) como sempre, correndo pelo acostamento.

Desesperada, Nivea resolve fazer xixi. O Davi junto. Paro do jeito que dá na primeira birosca da estrada, que obviamente estava lotada, afinal todos tiveram a mesma ideia. Birosca lotada, não tem onde parar, fico no carro. A barriga fazendo sons que parece que eu engoli o Freddy Mercury. Um cara atravessa um caminhão, quase bate num carro. Um bacana paralisa a porra toda porque largou o carro dele de qualquer jeito atravessado no patio. “Talvez estivesse se cagando”, penso com a autoridade de quem sabe o que é isso.

Começo a achar que sequestraram minha mulher e filho. Eles não voltam, eu esperando… Quando finalmente dão às caras, contam da fila quilométrica do banheiro. É minha vez de ir. Olho para dentro da “Casa do Mamão” (sério, este é o nome) e desisto. É muita gente.  Eu sou homem, geneticamente fabricado para mijar em qualquer lugar.

Os carros começam a andar, eu acelero, finalmente saio do furdúncio miserável do estacionamento da Casa do Mamão cheia de caminhões e motoristas domingueiros desgraçados. A vontade de fazer xixi é desesperadora. Aguardo estar num lugar mais escuro da estrada para sacar minha ferramenta fálica e usar a indefectível “garrafinha do Davi” que temos no carro para esses momentos de desespero, afinal, sabe como é, criança de três anos não gosta de esperar.

Preparo o rapaz, acondiciono-o na garrafinha e eis que começo a fazer. Advém aqueles instantes mágicos e fugazes de prazer… Quando a porra do trânsito antes parado, agora por força do Murphy, começa a andar.

Segura a garrafinha, passa a marcha, controla o volante, é muito mijo, não vai dar, pisa no freio, não, na embreagem! Puta que o pariu! Me mijei! Quase porrei o carro e me mijei tudo. A Nivea tendo um negócio de rir, meu filho gritando “mijão, mijão”, e eu tentando segurar aquele pum. Quando mais eu xingo, mais ela ri.

Voltei mijado para casa.

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.
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Comentários

  1. Caro PKD, antes de mais nada, PARABÉNS PELO ÓTIMO TEXTO. Você escreve muito bem. Aproveito para compartilhar algumas informações: a cidade citada é PIRAÍ que fica margeando a dutra. É o último município antes da Serra das Araras. Já Barra do Piraí fica margeando a BR 393, famosa Rio-Bahia. As duas tem esse nome parecido pois dividem um rio chamado Piraí. Por sinal, por dentro de PIRAÍ chega-se a BARRA DO PIRAÍ e vice-versa rsss. Agora, a Casa do Mamão, infelizmente, por conta da super lotação, você não pôde usufruir do serviço de uma das melhores paradas da Dutra, são quase 60 anos de bom atendimento!

  2. Boa Philipe, o melhor foi o minueto em dó maior do capiroto. Rachei aqui!

    Velho, eu fui pra Campos de Jordão pela ultima vez em maio de 2014, e também me senti bem pobrinho. O Carro ferveu naquela serra porque a bomba não tava funcionando direito e acabamos de chegar rebocados (foi muito romântico eu e minha esposa no caminhão com os caras da rodovia e o Fúria da Noite (nome do meu Ká) agonizando lá atrás.
    Mesmo assim, “simprão “de tudo a receptividade na cidade parece coisa de Mineiro, muito boa.

  3. Cara na próxima vez que for curtir o frio da Mantiqueira experimente ir a Monte Verde em MG. Pelo que dizem é mais pacata, menos balada e com mais paisagens naturais bonitas. Por ser uma cidade “enturistada” mais recentemente tem um pouco menos frescura que CJ e conta com restaurantes e hospedagens mais em conta. Fora que a comida mineira é outro nível, deliciosa. Vale a pena para variar do esquema de CJ. Fica a dica ai pessoal.

  4. Cara, Campos (como chamamos por aqui -SP) é uma cidade tranquilinha fora de temporada, vou sempre há quatro décadas. Mas não se engane, tem a galera que vai pra ostentar mesmo e tem a galera que é realmente rica que não anda ali pelas ruas na muvuca, só saem para lugares mais seletos e fechados, pra não misturar. No centro de Capivari, onde tem o movimento (o desfile de moda), os restaurantes são bem caros, mas tem alguns “escondidos” que não ficam devendo em sabor e são bem mais em conta. A educação à qual você se referiu é o normal, padrão, mas é que a coisa está meio esquisita no Rio/Niterói, o povo aí está meio intransigente, meio mal educado, aí, no dia a dia, você acaba acostumando. Posso dizer isso com propriedade, morei no Rio por 20 anos e toda vez que volto pra visitar fico chocada com o nível do trato entre as pessoas e no comércio. Então é isso, aparece lá em Campos em baixa temporada, circule entre os normais e não se sinta pobre, porque a ostentação é que gera a distorção. Adorei conhecer seu blog.

  5. Meu jovem… Kkkkkk, morri de rir aqui! Seu texto é o melhor, e olha, devo dar-lhe os parabéns pela escrita e pela narração dos fatos.
    Forte abraço a você e sua família!

  6. Ótimo texto. Pleno domingo, do mês de outubro de 2022, após ler o um artigo seu de 2007 cheguei até o “mundogump”. Que surpresa maravilhosa. Ultimamente as coisas tem “perdidos as cores e sabores” pra mim, mas esse seu texto muito bem escrito e tirou boas risadas. Parabéns!

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