Evandro acordou sendo sendo sacudido pela gringa.
-Auavfi! Auavfi!! – Ela dizia, conforme sacudia ele.
Evandro estava sem entender. Havia pouca luz no ambiente e a princípio ele estava achando que era a decrepita e macabra figura do velho cego que o atacava. Quando finalmente se deu conta que tudo não passava de um horrível pesadelo, Evandro relaxou. Passou o braço pela testa. Estava pingando de suor.
-Calma, Gringa, estou bem! – Ele disse, mas ela ainda parecia aflita.
A gringa foi até a mesa e pegou a garrafa de água. Entregou para ele. Evandro agradeceu e tomou um gole.
A gringa sentou-se ao lado dele. Evandro percebeu que ela estava com os cabelos úmidos.
-Onde será que você se meteu? – Ele perguntou enquanto alisava os cabelos dela. Ela ficou olhando pra ele com aquele olhar, como que intrigada com o que ele dizia.
Já havia anoitecido e a sala estava às escuras. Evandro foi até o lampião e o acendeu, clareando a sala com a luz alaranjada da chama sob a grade de tungstênio. A gringa estava bebendo o resto da água da garrafa.
Evandro olhou para ela. Ela ficava tão linda quando estava sob a luz do lampião. Ele pensou sobre aquela eterna e permanente sede da gringa. Estava muito claro para ele que ela passava o dia na caverna trabalhando, onde não devia haver nenhuma água potável. Ela devia passar o dia todo com sede.
“Se pelo menos tivesse um jeito de conversar com ela…” – Ele pensou, enquanto observava a jovem.
Evandro foi até o sofá e ficou ao lado dela. A gringa parecia querer fazer as pazes. Ela o abraçou apertado e deitou a cabeça no ombro dele. Os dois ficaram ali, olhando para o nada na sala. Se comunicavam através de gestos.
Evandro deitou-se no colo dela. A Gringa acariciava seus cabelos, enchendo as mãos com os fios castanhos e encaracolados. Ela olhava para ele com um olhar de ternura.
“É impossível que ela tenha matado aquelas mulheres…” – Quando os olhos dele cruzaram com os olhares meigos de Gringa, Evandro sorriu e ela sorriu de volta.
A gringa então disse:
-Allaliupap! – E apontou o violão.
-O que? Quer que eu toque?
-Allalliupap! – Ela continuou apontando.
Ela gostava bastante do violão. Evandro levantou do sofá e pegou o instrumento. Tirou da capa protetora e começou a dedilhar.
Ele tocou Le premier bonheur du jour, cantando em francês, a musica em que ele se lembrava de seu avô. Depois resolveu tocar uma das primeiras musicas que aprendeu no violão.
Índia seus cabelos nos ombros caídos,
Negros como a noite que não tem luar, Seus lábios de rosa para mim sorrindo E a doce meiguice desse seu olhar. Índia da pele morena, Sua boca pequena Eu quero beijar…Ela pareceu gostar daquela canção. Então, Evandro experimentou algo mais animado para ver o que aconteceria.
Ele tocou “O sapo não lava o pé” numa levada de rock num compasso de 4×4. Ela pareceu gostar bastante, e mantendo a mesma batida ele tocou coisas bobinhas como A canoa virou.
Evandro achava engraçado como a mulher gostava de musicas tão simplórias. Tocou “Greensleeves” e ela parecia perdida em pensamentos distantes, viajando na música. A gringa parecia um pouco entristecida, como se lembrasse de algo triste. E pensando que talvez estivesse estimulando as saudades da mulher, Evandro decidiu tocar algo mais animado.
Ele tocou uma musica dos Novos Baianos, “A menina dança“. Curiosamente, como que fazendo jus ao nome da canção, a gringa pareceu tomada de grande animação, e sendo levada pelos acordes da música, começou a dançar.
Inicialmente girando como uma louca balançando os cabelos úmidos de um lado para o outro e admirando as próprias formas sinuosas que sua sombra produzia na parede caiada do fundo da sala, ela começou a se mover de forma mais e mais lânguida e Evandro mudou o andamento da musica para uma versão mais lenta, e rebuscando na batida, curtindo as notas num dedilhado esmerado.
A gringa tirou a camisa e jogou sobre ele.
“O que é isso, um Striptease?” – Evandro tratou de alterar a musica e passou para “Wicked Game”.
Gringa dançava com grande sensualidade. Ela se aproximou dele, e seus olhos transbordavam de desejo.
Evandro deixou o violão de lado e ela saltou sobre ele. Evandro e a Gringa se beijaram. Ele sentiu as costas dela sob suas mãos. A respiração rápida e o coração batendo forte. Se beijaram com volúpia. Minutos depois, estavam se amando ardentemente no sofá.
Lá fora, o mar tranquilo de uma noite sem ventos fazia a ilha parecer flutuar na escuridão.
No sofá de alvenaria, Evandro deslizou a ponta dos dedos sobre a ponta do bico do seio esquerdo da gringa. Ela estava deitada ao lado dele, relaxada. Ela estava com o corpo quente após fazer amor. Meio corpo dela repousava sobre ele. A Gringa virou o rosto e eles se beijaram. Estava ali, apenas sentindo o prazer dos corpos nus, deslizando um sobre o outro quando escutaram um barulho.
A gringa logo deu um pulo no sofá e ficou de pé.
-Tá ouvindo isso? – Evandro perguntou, sem esperança de qualquer resposta compreensível dela.
A gringa apontou o ouvido.
-Sim, também estou ouvindo. Parece um barco! – Ele disse, acabando de vestir a bermuda.
A mulher estava com os olhos azuis arregalados. Ela vestiu rapidamente a camisa do Guns e fez menção de fugir, mas Evandro a segurou.
-Shhhhh… Ei, ei, calma. Estou aqui. Calma.
Ele fez sinal para que ela esperasse. Pegou a lanterna na mesa, colocou os óculos de aros redondos e foi lá fora no terreiro. O som do motor vinha lá de baixo. Então ele escutou um assovio.
Ele desceu pela trilha do píer e passou pelas escadas. No segundo platô da escada já viu um bote, sendo amarrado no píer.
-Ué!? Alex??
-Opa! Cheguei! – Ele disse, animado, subindo várias sacolas no píer. – Ajuda aqui, mané!
-Caraca maluco! Tu é louco de vir de bote de noite aqui?
-O bote é coisa boa. O mar estava bem flat hoje então pensei, “por que não arriscar”? Vai, pega aí. Tem mais essa aqui. – Ele disse, passando umas caixas.
Evandro ajudou Alex. Enquanto carregava as caixas, perguntou sobre o bote.
-Eu consegui comprar de segunda mão. Muito bom, né? Motor é novo. Ta na garantia ainda. Todo revisado. A gente não pode mais ficar na ilha sem ter pelo menos um bote. Lembra do lance da cobra?
-Sim, sim, concordo. Mas você não tem carta.
-Evandro, Evandro… Aqui é o Brasil, mermão. Tu não tá na Suíça não, meu querido! Aqui é no esculacho. E na ilha? Tudo certo?
Evandro baixou a cabeça, passou a mão no cabelo. Pensou em falar sobre os corpos esquartejados. Mas aí a Gringa apareceu na boca da trilha.
-Olha ela aí! – Alex disse, acenando pra Gringa, mas ela não pareceu muito feliz em vê-lo. A gringa voltou para as escadas e começou a subir.
-Vai, me ajuda a subir essas tralhas.
-O que é isso?
-Comprei algumas coisas para fazer umas pesquisas na ilha. – Alex disse, lacônico.
Os dois subiram para a casa e quando chegaram na sala, Evandro foi colocando as coisas na mesa. Eram várias caixas.
-Vai arrumando aí que vou lá em baixo buscar a caixa térmica.
Evandro ficou na sala organizando o monte de caixas sobre a mesa. A gringa parecia aflita e nervosa. Andava de um lado para o outro da casa.
Ele foi até ela, e a abraçou, acalmando-a. Evandro a beijou na boca com carinho.
Alex vinha chegando lá fora, batucando numa caixa plástica e eles se separam. A gringa se sentou no sofá com as pernas cruzadas.
-Puta que pariu! Que calor dos infernos que tá fazendo aqui. Lá na vila ta bem mais fresco. – Ele disse, tirando o suor da testa.
-É que a vila pega o vento do mar de frente, né? Aqui a ilha só pega o vento oceânico lá do outro lado.
Alex tirou a camiseta, revelando os músculos recobertos com tatuagens de dragões. -Aproveitei para dar uma malhada, olha aí! Já tava engordando. – Ele disse, puxando a pele da barriga. Nisso, Alex viu a faca sobre a mesa e perguntou:- Ué, o que minha faca ta fazendo aqui?
-É uma longa história, mermão. – Evandro disse, indo até as caixas sobre a mesa. – Que isso aí?
Alex abriu a caixa térmica azul. Ele tirou duas cervejas geladas. Jogou uma para Evandro.
A Gringa ficou olhando.
-Toma, essa é pra você! – Alex disse, abrindo uma latinha e oferecendo para a gringa.
Ela relutou, ficou olhando para aquele negócio, meio curiosa mas pegou. A gringa cheirou o conteúdo da cerveja, fazendo uma cara feia.
Eles começaram a rir.
Ela então virou a lata, tomando num gole só!
-Viva, vira, vira… – Alex começou a cantar batucando na caixa.
-Ou, ou! Não é assim, não. É devagar!
Ela fez uma expressão de quem não estava entendendo nada o que Evandro dizia.
Evandro pegou a lata dele e bateu de leve na lata dela.
-Tintim!
Ela ficou olhando espantada.
-Agora você bebe. Tintim… Aí bebe. Isso. Ó… Assim… Toma um gole… Depois outro. Devagar. Tomando num golão assim, a cerveja vai pegar muito rápido. – Ele mostrava para ela com a lata nas mãos.
-Ih, seu chato! Deixa a garota tomar o goró. Ficar doidona, né?
Evandro olhou uma das caixas sobre a mesa. Ele abriu uma caixa.
– Um detector de metais? Pra que isso?
Alex meteu a mão no bolso e tirou o crucifixo de prata. Ele entregou para Evandro.
-Achei isso na obra da escada.
-Hum… Parece antigo.
-Pois é. Pode ter mais coisa pela ilha. – Alex disse, entre goles na cerveja.
Evandro concordou, pegou mais uma lata de Skol que Alex estendeu pra ele. Não parecia que nenhum dos dois estava afim de ficar falando do tesouro.
-E aí? Tá com fome?
Alex assentiu com a cabeça de que estava.
-Vou ver um bagulho aqui pra você, Alex.
-Não, não. Eu trouxe uma surpresa! Olha aqui! Tchananaããããm!
Ele abriu a caixa térmica e tirou uma caixa de pizza congelada.
-Uma pizza? Uma pizza? Mesmo? Sério? – Evandro Abriu um sorriso. Não comia uma pizza tinha meses.
-Sabia que tu ia querer!
-Puta merda, de Frango com catupiry! Aí sim! Vou lá acender o fogão à lenha! – Ele disse, todo animado.
Evandro pegou uma das reviostas velhas do cesto e a garrafa de álcool. Lá fora, ele enfiou os galhos no fogão e socou uns chumaços de folhas de revistas embebidos e álcool . Riscou e jogou o fosforo. O fogo fez “flowp!” e estava aceso para o jantar.
Evandro secou rapidamente a lata de cerveja enquanto usava a madeira para abanar o fogo.
-Aleeeex, traz mais uma cerveja aí? – Ele gritou, mas Alex não respondeu.
Evandro foi até a sala pegar mais uma cerveja e quando viu, Alex estava quase beijando a gringa no sofá.
No susto, Alex saiu de perto dela.
-Tá tudo bem aí?
-Tá, tá. Eu tava abrindo mais uma lata pra ela. – Ele disse, se levantando.
Evandro olhou e tentou disfarçar seu olhar de reprovação. Foi até a caixa térmica pegar a cerveja. Alex por sua vez, foi até o quarto colocar a mochila dele sobre a cama.
Evandro olhou para gringa. Ela estava entretida tomando a cerveja na latinha. Ele então olhou na direção do quarto e viu quando Alex tirou da cintura um revólver. Ele colocou a arma sob o colchão da cama.
Evandro imediatamente deu as costas e saiu. Foi lá pra fora ver o fogo. As chamas haviam pegado bem na madeira seca. Ele ficou ali atiçando as chamas e enquanto mexia nas brasas, sua mente só tinha uma imagem: O tiro no crânio do cadáver na mata.
Ele se lembrava que viu a mulher com um tiro na cabeça e concluiu que foi mesmo Alex que as matou. Ele decidiu não falar nada, pois agora estava com medo. Temia por ele e pela gringa.
Alex Apareceu trazendo alguma coisa nas mãos. Evandro viu no escuro e num segundo temeu que fosse a arma, mas logo depois ele percebeu o que se tratava. A Gringa veio atrás, secando a latinha com sofreguidão e trazendo a caixa térmica na outra mão.
-Aí, se liga nisso aqui!
-Que isso?
-Um aparelho de som portátil, mané! Vai ter música, porra! Música!
– Mas tu vai ligar isso como?
-Ele é à pilha. Eu comprei uma caixa cheia de pilhas! – Alex ligou o pequeno rádio. Ele ajustou o aparelho e depois de alguns chiados, começou a tocar uma musica do Dire Straits, com Your latest trick.
A gringa estava completamente boquiaberta diante do aparelho.
-Porra ela parece que nunca viu um radio, hein mermão? Olha a cara dela!
-Tá gostando?
A gringa está fascinada com o som que sai do pequeno radinho.
-Toma! bebe aí! – Alex disse, entregando mais uma lata pra ela. – Vamos festejar! ÊÊÊÊÊ! Tintim!
-Tintin, tintin, tintin! – Ela gritou, levantando o copo e imitando Alex.
-Porra, você deu mais cerveja pra ela?
-Ela tá gostando, ué. Tem mais de 24 latas aí ainda, ta preocupado por que?
-Nada. – Evandro respondeu, colocando a pizza na grelha. -Tinha que ter um jeito de abafar o calor, né?
-Relaxa, essa pizza é semi-pronta. Só esquentar e derreter o queijo e já era! – Alex disse, observando a gringa se balançando ao som do saxofone do Dire Straits.
-Ela é louca com musica né?
-Pode crer.
Eles ficaram ali no escuro, tomando cerveja sob a luz do fogo. Evandro estava silencioso.
-Tu tá tão estranho… – Disse Alex, acendendo um cigarro. -Não tá curtindo o som?
-Impressão sua. Não é nada.
-O que foi isso no braço? Isso não tava assim.
-Eu… Eu caí nas pedras quando fui pescar. Me cortei e a gringa me ajudou. Ela suturou com a linha de pesca.
-Você deixou essa doida te costurar? E com linha de pescar? Você é maluco, mermão!
-Não tinha opção, pô.
A pizza ficou pronta com um cheiro gostoso. A gringa estava curiosa, e parecia faminta.
-Acho que a parada já ta boa hein?
Evandro foi na casa, pegou três pratos e uma faca e voltou. La fora, encontrou Alex alisando os cabelos da gringa, como que seduzindo a moça.
-Ou, sai fora. Dá licença aí.
-Que foi? Qual é?
-Vamos comer em paz, porra. Larga a garota em paz.
-Tem que trabalhar essa possessividade aí, hein meu chapa?
Evandro partiu fatias da pizza e entregou um prato para cada um. A gringa pegou a fatia com a mão e comeu com grande satisfação, tomando grandes goles de cerveja. Estava tocando This is Not America do David Bowie no radio.
A gringa então começou a falar. Parecia estar querendo conversar com o radio.
-Ela tá mamada já. – Riu Alex.
-Falei que era para não socar cerveja na menina.
-Que língua lazarenta essa menina fala, rapaz!
-Hahaha verdade.
-Agora ela quer falar com o David Bowie. Ei, ei, gringa? Gringa?
Ela se virou para Alex.
-O David Bowie não vai responder, querida!
A gringa enfiou o último naco de pizza na boca, se levantou do banquinho e foi até o mato. Ela abaixou e começou a fazer xixi. Ela teve uma breve crise de riso olhando para eles enquanto fazia xixi abaixada na grama.
-Ou, não olha, porra! – Disse Evandro puxando o braço de Alex.
-O que que tem? Olha lá ela. Hahahahaha Mijonaaaa!
-Respeita a privacidade da garota, ô vacilão.
-Mas a culpa é dela, que fica um tesão de pileque! – Disse Alex, sem tirar os olhos dela.
A gringa voltou. Alex puxou mais uma lata da caixa, abriu e entregou para ela.
-Vai, filha. Mama aí!
A gringa secou a lata numa talagada só. -Tintm, tintim! Ela repetiu.
A musica do Bowie estava acabando e começou a tocar “A menina dança” dos Novos Baianos. A Gringa imediatamente reconheceu a música, arregalando os olhos e apontando para Evandro e para o radinho.
-Sim, sim. É aquela mesma!
A gringa balançou a mão na frente do corpo, como num violão imaginário, e começou a dançar a musica, sob a voz de Baby Consuelo.
Enquanto a gringa dançava com a latinha de cerveja na grama, Evandro se virou para Alex, que não tirava os olhos das ancas balançantes dela, e falou sério.
-Cara, para de dar cerveja pra ela.
-Deixa a garota, ô Harry Potter da Pavuna!
-Cara numa boa. Para. Ela é fraca pra bebida, já da pra ver.
-Num fode! Maluco chato do caralho! – Alex estava meio alterado.
Ele pegou a última fatia da pizza, dobrou, enfiou metade na boca e começou a mastigar.
-Bom, pra mim já deu. Querem beber, vocês que se fodam. – Disse Evandro, chateado de ver Alex cortejando a gringa. Ela ficou ali, dança na grama, completamente lelé. Tocava “Sangue Latino” do Secos e Molhados.
-Rebola, vai, rebola… Isso. Ziriguidum, balacobaco, teleco-teco!
-Timtim! Timtim!
-Tintim! – Ele disse, passando a mão sensualmente pelo corpo dela. Ela tinha olhares sensuais para Alex. Mas então, ela escutou o violão na sala.
A gringa largou Alex com o radio. Foi lá pra dentro.
Alex viu aquilo. Cuspiu no chão e jogou a guimba de cigarro num peteleco. A brasa vermelha girou no ar mergulhando no meio da grama. Ele deu um tapa e desligou o radio.
La na sala, Evandro estava sentado no sofá, dedilhando o violão. A gringa chegou e sentou-se ao lado dele.
Alex entrou trazendo a caixa térmica. Colocou ela perto do fogareiro. Depois, soltando um sonoro arrotão ele foi para o quarto. Se jogou na cama.
A gringa acariciou os cabelos de Evandro enquanto ele ficou ali tocando o violão pra ela, até que Evandro notou que ela começou a dar umas piscadas de quem estava com sono.
Evandro se levantou do sofá. Foi no quarto dos bagulhos e trouxe um travesseiro. Ele colocou o travesseiro na ponta do sofá e ela se deitou.
“Tá completamente chapada, né?” – Ele pensou.
Evandro foi no quarto, pegou o colchonete de camping. Jogou no chão da sala, apagou o lampião e deitou-se ao lado dela.
As horas se passaram, e lá fora, apenas o farfalhar das folhas das árvores agitadas pela fraca brisa que soprava era testemunha da lua cheia, que enchia o céu e pintava o gramado de tons azul-petróleo.
Evandro estava dormindo quando acordou com um barulhão. Algo o atingiu na cabeça. A gringa deu um pulo no sofá.
A luz do lampião acendeu.
Evandro viu, chocado, a espada caída ao lado dele. Passou a mão na cabeça para ver se não estava sangrando.
-Que porra é essa? – Perguntou Alex.
-Tá maluco, ô caralho?
Ele estava completamente bêbado, só de cuecas, segurando uma garrafa de cachaça, já quase vazia. Evandro se levantou ainda tonto. Esticou o braço e puxou o relógio dele para ver.
– Que horas são?
-Me larga ô porra!
-Quatro e meia, porra! -Evandro foi na mesa e colocou os óculos.
– Vai! Que merda é essa aí? – Alex perguntou, apontando a espada caída no chão.
-Eu… Eu achei. – Evandro disse.
-E não me falou por que, seu arrombado?
Evandro estava temendo. A vontade era de enfiar a mão na cara de Alex. Onde já se viu tacar a espada em cima dele?
A Gringa estava agora sentada no sofá sem entender nada.
-Pelo mesmo motivo que você não falou dessa arma que você tem aí!
-Que arma?
-Não se faz de desentendido, Alex. Eu vi você guardando o revólver.
-É pra nossa proteção, sua mula!
-Proteção? Ou pra atirar na cabeça de mulher?
-Do que você tá falando, ô caralho?
-Eu descobri. A pedra da cruz…
-Você descobriu? Como? Achou outro mapa?
-Mapa? Mapa? Que mapa? Tem mapa? Você tem um mapa é?
Alex meteu a mão no bolso e tirou o papel dobrado. Estendeu a folha.
Evandro olhou a folha.
-Porra você sabia disso e não me falou?
-Pelo visto, você também sabia. Empatamos.
-Mas eu descobri sem querer! – Disse Evandro.
-E eu também, seu bosta.
– Cara vamos conversar amanhã. Você está chapado, meu.
-Chapado é o teu cu!
-Cara… Amanhã a gente conversa.
-Tu é um traíra filho da puta! Filho da puta! – Alex gritou, cambaleando de volta para o quarto. Ele bateu a porta com tamanha violência que parecia que a casa ia desabar.
Evandro ficou deitado no colchonete pensando. Alex tinha se tornado uma ameaça pra ele e para gringa. Armado, ele era um risco ambulante.
“Preciso dar um jeito nisso”. – Foi a última coisa que Evandro pensou antes de dormir.
Assustada, a Gringa desceu do sofá e se aconchegou ao lado de Evandro. Eles ficam juntos e dormiram abraçados no colchonete no chão.
Lá fora, havia amanhecido o dia quando Alex abriu a porta do quarto. Ele saiu para a sala e deu de cara com Evandro já de pé. Ele estava fazendo café.
Alex estava de ressaca.
-Cadê ela?
-Bom dia pra você também. – Evandro respondeu, derramando a água fervente na caneca.
-Cadê ela?
-Ela já sumiu, como sempre faz.
-Maluca do caralho! – Alex disse.
Evandro não disse nada. Apenas encheu a caneca de café e estendeu para Alex, que sentou no sofá com a mesma.
-Eles estão demorando a chegar. – Alex verificou as horas no relógio dourado gigante no pulso.
-Umhum. – Evandro concordou com a cabeça. – Já era para terem chegado há pelo menos uma hora.
-Vamos esperar para ver. Senta aí, vou te falar uma parada. É até bom eles estarem atrasados. – Disse Alex, apontando a mesa.
Evandro se sentou com o café em mãos.
-Antes de tudo, foi mal aí pela parada da espada ontem. Machucou?
-Deu um galo, mas tudo bem. Vai, desembucha.
-Eu sondei com os peão, e parece que tem uma lenda de um tesouro aqui na ilha! É um tesouro de uns padres, de uns 400 anos atras! Eles esconderam na ilha quando estavam sendo perseguidos por piratas. Mas eu fui a São Paulo e estive na Biblioteca da cidade fazendo pesquisas. Consegui descobrir que há pelo menos uns seis tesouros “perdidos” que podem estar nessa região que vai do Rio até Ilhabela, no litoral paulista.
-Certo.
-O que eu acho mais promissor de estar aqui é o tesouro de Thomas Cavendish.
-Nunca ouvi falar.
-Entre 1586 e 1588, um pirata britânico chamado Thomas Cavendish rodou o mundo, passando pelo Peru e até China. No caminho, saqueou tudo que ele pôde, inclusive as riquezas do galeão Santa Ana, que estava levando especiarias e peças de ouro das Filipinas a Acapulco, no México. Essas riquezas, que incluíam peças de ouro incas e astecas, foram escondidas pelo pirata em algum lugar na costa verde. Os idiotas estão procurando isso por décadas lá em baixo, na Ilhabela, porque dizem que Cavendish aportou lá, mas eu acho que ele não escondeu o tesouro lá, e sim, aqui! O tesouro é estimado em 500 milhões de dólares…
Evandro engoliu o café e interrompeu Alex. -Puta merda!
-…Ou mais!
-Aqui na nossa ilha?
-Sim. Mas o tesouro daqui também pode ser de outro pirata, o Jorge Grego.
Evandro abriu um sorriso irônico. -Jorge Grego? Isso lá é nome de pirata? Isso é nome de dono de botequim na Lapa!
-Aí que você se engana! O nome dele era Iórgos. Ele era um corsário grego que navegava em direção ao estreito de Magalhães. Esse pirata era sanguinário! Ele já tinha atacado diversas embarcações, afundando elas perto da Ilhabela. Mas ele estava sendo perseguido pela Armada inglesa. O navio dele foi fortemente atingido e ele não conseguiu chegar na Ilha Grande que era o objetivo dele, para se esconder.
-Pô, a Ilha Grande tá aqui do lado!
-Então, cara! Esse corsário grego conseguiu fugir do navio. Ele mesmo tacou fogo no barco. Mas aqui a gente tem que separar o fato da lenda. A lenda diz o seguinte: Ele fugiu junto com duas filhas pequenas e um jovem ajudante pirata que fazia tudo que ele queria e era tipo um filho adotivo dele. Ele estava com um volume colossal de tesouros no galeão, e por isso, só pegou uma parte do tesouro. Três sacas de moedas de ouro mais um baú repleto de peças de ouro e diamantes. Uma das filhas do Jorge Grego morreu no mar. Mas ele, a filha e seu marinheiro de maior confiança viveram isolados na ilha por muito tempo, até que um dia, o marinheiro e a filha tiveram um envolvimento sentimental. Jorge foi tomado pela fúria, matou os dois e em seguida, atirou-se do penhasco ao mar, desaparecendo e fazendo nascer a essa lenda, que originou o nome da ilha. Uma ilhota pequena, lá perto da ilha grande.
-Isso é o que a lenda diz?
-É. Mas é claro que não foi isso! É provável que a parte dele tacar fogo no barco perto da ilha grande seja mesmo verdade, porque de longe, a Armada Inglesa acharia que ele afundou. Mas todos os piratas devem ter saído em botes. Eu acho que pelo menos uns seis escaleres no total, cada um com uma parte do tesouro e os homens que ainda estavam em condições de fugir. Eu tenho pra mim que esse tesouro pode ter vindo pra cá. Se não todo, em partes.
Conforme Alex contava as lendas dos piratas, Evandro ia se lembrando da armadilha e do crânio e as espadas que ele achou. Tudo se encaixava.
-Então, eu comprei o detector de metais que tá ali na caixa. Foi uma merda para conseguir achar, mas eu consegui. Com esse treco, a gente vai fazer uma varredura na ilha. Se tiver um tesouro aqui, a gente pode se dar muito bem!
-Entendi. Mas como que nós vamos fazer?
-Bom, o meu plano é o seguinte. A gente se reveza e vai passando esse troço pela ilha toda, em busca de algo de valor.
-Porra, tem noção que isso vai levar uns vinte anos?
-Tá, mas isso é o que temos. O que você sugere, espertão?
-Eu acho que podemos começar em alguns pontos quentes e ir tentando descobrir onde pode ser o ponto do tesouro. Em vez de ir varrendo linearmente a ilha.
-Tudo bem. Tudo bem. Acho que um ponto bom é a gente começar pelo lugar onde eu achei o crucifixo. Ele estava perto das pedras do píer. A gente pega a parte da manhã para varrer ali. Vamos inventar uma desculpa para a peonada. Eles já têm medo de fantasmas, a gente inventa umas histórias.
-OK.
-Eu estou ficando preocupado. Até agora os peões não chegaram.
-Vou ligar pro Manel. – Disse Evandro, pegando o celular.
Ele tentou ligar duas vezes.
-Tá sem sinal?
-Não, tem sinal sim. Mas não tá atendendo.
-Tenta de novo aí! – Disse Alex. -Tenta ali da varanda.
Evandro finalmente conseguiu falar no Nokia. -Alô, alô Manel! Tá ouvindo? Hã?
Evandro ficou ouvindo Manel falar. Quando ele desligou, disse para Alex:
-Manel avisou que teve um problema no motor do barco, que estava tentando ligar para avisar. O motor está na oficina. Deve demorar ainda dois dias para ficar pronto. As obras vão atrasar!
-Bosta. Como está de comida?
-Tem biscoito, macarrão, sardinha em lata, ovos, algumas coisas e ainda tem bastante água.
-A gente podia tentar pegar um peixe para o almoço e tentar economizar os enlatados. – Disse Alex.
-Pode ser… O material de pesca tá aí.
-Vamos fazer isso. Você vai pescar o almoço e eu vou começar a varredura com o detetor lá perto do píer.
-Tudo bem. – Evandro, se levantou do sofá.
Eles pegaram garrafas de água e saíram, cada um para um lado. Alex com o aparelho, desceu pela trilha e Evandro levando o conjunto de pesca seguiu pela estrada de pedras, na direção da enseada. Ele tinha como objetivo adicional tentar ver se descobria algo da caverna. Conforme andava foi pensando que era melhor não falar nada para Alex sobre sua suspeita da caverna submarina e a gringa. Alex poderia ficar violento e desesperado pelo dinheiro fácil do tesouro.
Evandro chegou na enseada que estava maravilhosamente verde. A luz filtrava pela água com leves ondulações em tons de esmeralda. Evandro subiu nas pedras mais altas e escolheu um ponto bom, no alto de uma rocha, de onde conseguia ver com mais clareza onde poderiam estar os cardumes de peixes maiores. Ele preparou as iscas artificiais no anzol e jogou a linha. O sol estava bem quente, mas estava ventando bem, o que atenuava o calor.
Enquanto pescava, sem sucesso, Evandro começou a lembrar de Gringa e de como Alex parecia íntimo dela na noite anterior. Essa ideia o perturbou.
Subitamente, algo na água o assustou. Uma corcova cinza se levantou no meio da água, descendo em seguida. Eram golfinhos passando ao longe, dando a volta na ilha.
Lá em baixo, perto do píer, Alex estava passando o detector de metais pelos arredores do atracadouro onde o bote se balançava de um lado para o outro ao sabor das ondas. Ele varria as áreas, movendo o sensor de um lado para o outro, quando finalmente ouviu o chiado do metal. O aparelho fez “ziiiiiiiiiin” e apitou perto de uma pedra.
Evandro colocou o aparelho no solo e começou, com as mãos, a raspar o solo pedregoso da ilha. Quando finalmente encontrou, era um simples prego antigo, todo enferrujado.
Puto, Alex lançou o prego no mar.
-Filho duma putaaaa!
Ele voltou para o aparelho e continuou a passar de um lado para o outro, mas sem sucesso algum.
O tempo foi passando e o sol escalava a imensidão azul em busca de seu lugar no céu, com uma potente luminosidade que refletia na água.
Alex estava suando. Pegou a garrafa de água e bebeu o resto que havia. Ainda estava com sede. Estava suando em bicas diante da potência do astro no céu sem nuvens. Então, inesperadamente, no meio de umas plantas espinhentas, o aparelho fez “ziiiiiiiiiiiiiiiin” e dessa vez, o som era mais alto, quase esganiçado. Alex, começou a arrancar as plantas, e tentou cavar, mas o detector indicava nas leituras que havia algo mais profundo no solo.
Alex largou o detector no chão e subiu pela trilha. “Preciso da picareta!”
Ele subiu para a casa, passou pela varanda e foi até as obras da cisterna, onde procurou pela picareta na obra. Ele finalmente encontrou junto com as pás e as serras. Pegou a picareta e desceu, passando na casa para pegar mais água.
Quando Alex estava saindo pela sala, deu de cara com a gringa na varanda. Ela estava vindo da mata e estava molhada. A gringa pareceu surpresa ao ver Alex na varanda.
-Sede? – Ele estendeu a garrafa para ela.
A gringa foi até ele e pegou a garrafa. Virou, bebendo vários goles.
Alex ficou trocando olhares com ela. A gringa sorriu. Ele se aproximou e a segurou pela cintura. A gringa não pareceu recusar suas investidas.
Ele beijou a gringa, mas logo, ela se afastou.
Alex a agarrou pelo braço. – Espera, espera… Eu estava com saudade de você. – Ele disse.
Alex tentou puxar a gringa, mas ela se afastou, com medo. E correu para o mato.
“ah, foda-se então.” – Ele pegou a picareta, colocou nas costas e desceu pelas escadas da trilha.
Chegou ao local onde deixou o detetor de metais e começou a escavar. Desferiu violentas pancadas com a picareta entre o solo endurecido pela ação do tempo. Alex ia escavando e passando o sensor de um lado para o outro, esperando encontrar o sinal. E o aparelho seguia apitando. Finalmente, após abrir uma valeta de quase um metro de profundidade, Alex bateu a picareta e viu surgir em meio a terra escura e raízes emaranhadas, algo brilhante. Era ouro! Ele se ajoelhou e com as mãos, conseguiu soltar o objeto. Era uma estátua que parecia ser pré-colombiana, algo da América central. Um tipo de ídolo de ouro feminino, com pequenos detalhes em pedras azuis e grandes olhos como os de um sapo. A estatueta tinha cerca de 15 centímetros e parecia ser feita de ouro maciço.
Alex ficou em êxtase!
A Gringa apareceu na descida das escadas.
-Olha! Olha! Achei! – Alex se ergueu, estendendo a estátua no ar.
A Gringa olhou para aquilo com espanto. Ela se aproximou, curiosa.
-Unamama! – Ela disse, olhando o objeto, com grande interesse.
-Sim, é ouro, Gringa! Ouro! É parte do tesouro!
Ela olhou pra ele com olhar sedutor. Olhou fixamente seus músculos suados. Parecia excitada. A gringa estava com uma garrafa na mão. Ela tinha trazido água e deu a garrafa para Alex. Alex derramou a água sobre a cabeça, resfriando a testa. Agarrou gringa e a beijou com violência erótica.
Eles se atracaram ali mesmo. Alex deixou o ídolo e ouro na rocha, tirou as calças e deitou a gringa sob a sombra das arvores. Ela entreabriu as pernas e eles fizeram sexo na beira do costão.
Enquanto isso, lá na lateral da ilha, na enseada de águas calmas, montado sobre a rocha quente, Evandro estava chateado. Ia passar a vergonha de não conseguir pescar naquele mar lotado de peixes e vida marinha abundante. Ele já estava prestes a desistir. Puxou a linha para recolhê-la quando finalmente, sentiu um violento puxão na linha. Ele começou a lutar com o peixe. O peixe era forte e quase o derrubou do alto da pedra.
“Espero que a linha aguente” – Pensou, enquanto manobrava a linha, girando-a no braço. A linha de nylon apertou sua pele. O peixe nadou e passou pela superfície, espanando a água com o movimento frenético de sua cauda, revelando sua cor prateada. Era uma anchova enorme, com pelo menos três quilos ou mais, ele estimou.
A luta com o peixe foi feroz, mas finalmente, Evandro saiu-se melhor. Ele venceu a anchova e consegue puxá-la para o meio das pedras.
Evandro feliz, vibrou com a conquista! – Hahahahahaha! Desgraçada! Quem é o mestre? Quem é o mestreeeee?
Ele desceu das pedras e voltou na direção da casa. Estava exultante e queria mostrar a conquista para Alex.
“Ele nem vai acreditar quando bater o olho no que foi que eu peguei!”
Nas rochas, em frente ao píer, a gringa saiu de cima de Alex. Ela virou-se na direção do mar. Alex, relaxado pelo orgasmo, observou as belas nádegas da mulher balançando em seu caminhar lento até a beira do mar.
-Ela é maravilhosa… – Ele sussurrou para si mesmo.
A gringa olhou de soslaio e correu sobre o píer, saltando na água azul.
Evandro se levantou. Recolocou a bermuda.
A Gringa subiu no meio da água azul. Ela fez sinal para que ele também mergulhasse na água com ela, mas Alex escutou os gritos de Evandro vindos no alto da trilha. Ele se abaixou, pegou a estatueta e subiu pela trilha, deixando a mulher nua na água.
-Caralho que peixão! – Disse Alex olhando a enorme anchova segurada pelas guelras por Evandro no alto da escadaria.
-Olha isso! – Ele disse, levantando o pequeno ídolo de ouro.
-Meu Deus! Meu Deus! – Evandro dizia, descendo as escadas correndo.
Eles ficaram espantados, olhando os detalhes da escultura de ouro. Começam a comemorar, pulando loucamente.
-É o tesouro! É o tesouro! Caralhoooo! Tamo rico, porra!
Os dois subiram para preparar o peixe. Minutos depois, ele estavam tomando cerveja. Evandro acabava de limpar o peixe na beira da varanda. Alex estava acendendo a churrasqueira de lenha.
-Acabou de limpar aí? O fogo já pegou aqui!
-Tô levando. Só falta botar o sal e um azeite em cima.
A gringa apareceu no alto da escada.
-Ora, ora! E não é que ela apareceu para almoçar? Que raridade! – Disse Evandro, enquanto colocava o peixe sobre a grelha.
A gringa se aproximou com o olhar cabisbaixo.
Alex pegou uma cerveja da caixa térmica e entregou pra ela.
-Pô já vai dar goró pra ela? É isso mermo?
-Já vai começar a encher o saco?
Evandro pegou a estátua e mostrou para a gringa. Ela pegou o objeto com grande deferência e cuidado. Parecia estar segurando um bebê.
-Unamama! Unamama! – Ela disse. Depois, devolveu a pesada estatueta para Evandro.
-Incrível, né? Então é isso! A gente tem mesmo um tesouro nessa porra!
-Tiramos a sorte grande, play! – Disse Alex, tomando um gole na cerveja.
Eles ficaram ali, com a música do radio tocando. O Radio tocava Paulinho da Viola, com “Dança da Solidão” e o peixe estava pronto. Eles começam a tirar os pedaços do peixe e comem com as mãos.
-Delicioso!
-Maravilha
-Iguitt tutum!
-Cara o que você acha? – Alex perguntou, apontando a pequena figura de ouro no chão.
-Acho que é uma mulher, pela carinha dela. E esses olhões de sapo?
-Não, ô burro! Tô falando o seguinte, você acha que isso é Inca? Maia? Asteca?
-Sei lá, cara. Não tem como saber, mas é bem antiga. Esse é um puta achado, véio!
-Eu acho que esse artefato pode indicar que o tesouro aqui da ilha é do Cavendish. Ele pode ter roubado dos navios espanhóis.
-Esse objeto estar tão perto da beira que eu acho estranho. – Evandro, falou com a boca cheia, ainda mastigando o peixe.
A gringa estava entornando a cerveja. Ela esticou o braço e cutucou Alex pedindo mais uma latinha.
-Aí, cachaceira! Toma. – Ele jogou mais uma para ela.
A gringa pegou a lata no ar com grande habilidade.
-Os reflexos ainda estão bons. – Riu Evandro.
-Tintim! – Evandro ergueu o brinde.
-O tesouro é nosso! Tintim!!!!! – Alex se levantou, erguendo a própria lata.
-Tintim – tintim!
O radio começou a tocar uma musica do Tim Maia. “O descobridor dos sete mares”
– É o Tim! Falando em Tim, olha aí! Vamo! Vamo! – Alex, aumentou o volume do radinho no talo. Ele começou a dançar. Evandro entrou na brincadeira, dançando com Alex e a gringa.
Alex fez a dancinha ridícula do Jean Claude Van Damme em Kickboxer.
Evandro morreu de rir. A Gringa pareceu gostar da dança sensual e girou ao alcance dos braços de Alex, mexendo a cintura num rebolado gracioso.
Evandro viu aquilo e voltou para o banquinho. Pegou a cerveja, bebeu metade da lata e enfiou mais uns pedaços do peixe na boca. Lá do calorento banquinho, ao lado da churrasqueira ele viu quando Alex conseguiu beijar a Gringa na boca. Ela estava bêbada de novo e eles se beijaram com vontade.
Ver aquilo foi uma visão doída. Evandro sentiu como se o mundo estivesse desabando ao seu redor. Ele se levantou e passou reto, entrando pela varanda e indo até o quarto. Deitou-se na cama e ficou olhando para o teto. Era verdade. Tudo fazia sentido. Estava claro que Alex e a gringa eram muito mais íntimos do que ele pensava até então.
Lembrou da triste imagem de sua infância, quando viu Isabella beijando Carlos na beira do lago. As lágrimas furtivas teimavam em descer pelo rosto. A gringa entrou no quarto. Ela se sentou na cama ao lado dele.
-Bevariutt Univacftrtuvalutt… – Ela disse, quase sussurrando para ele.
-Sai! Sai! Me deixa! Me deixa em paz, sua puta! – Disse ele, empurrando a mão dela.
Ela fez uma expressão de estranhamento. Depois se levantou e saiu. Passou por Alex que estava entrando com a caixa térmica.
-E aí gata? – Ele falou, já bem doidão, tentando beijá-la de novo.
A gringa passou direto por ele e entrou na mata.
-O que foi que tu fez com ela, ô pau no cu?
-Não fode, vai tomar no rabo!
-Olha lá como é que fala comigo, hein seu merdinha? – Evandro foi até o canto do quarto, Pegou a arma na mochila de forma acintosa. Abriu o tambor do revolver, verificando se estava municiado. Depois girou o tambor e fechou, guardando a arma na cintura. Pegou o detector de metais na sala e saiu.
Evandro ficou apenas olhando, limpando as lagrimas dos olhos. Em sua mente, ele só lembrava das falas de Plínio sobre não se permitir perder as oportunidades da vida.
Alex desceu com o detector de metais. Voltou ao local da escavação e continuou a passar o aparelho pelo mato.
O sol começava a descer em direção à costa. A tarde estava caindo. Alex olhou as horas no relógio e o ponteiro já marcava cinco da tarde.
Evandro desceu as escadas. Estava com a mochila nas costas.
-Ei, panaca!
-Qual é, moleque?
-Eu descobri a entrada do tesouro. Esquece isso aí.
-O que?
-Vem! Eu mostro o lugar.
-Já vai escurecer. Vamos deixar pra amanhã.
-Bom, você que sabe. Então tá. Fica aí. Me empresta aqui o aparelho que eu vou lá.
-Não, pô. Eu vou. Peraí que vou lá buscar a lanterna. – Disse Alex.
-Tá aqui na mochila já.
Os dois subiram pelas escadas da trilha e pegaram o caminho de pedras na mata. Eles foram seguindo pelo caminho até o ponto que Evandro havia marcado de memória. O lugar era fácil de reconhecer por causa as pedras, que tinham um formato peculiar perto do acesso da trilha.
-Eu estou reconhecendo esse caminho. – Disse Alex, conforme seguia Evandro, que ia na frente.
-Aquela estátua que estava enterrada lá perto do costão deve ter caído quando eles subiram o tesouro. Certamente não deve ter nada mais por lá, mas aqui é o lugar onde eu tenho quase certeza que está o tesouro! – Evandro disse, apontando a enorme pedra com a cruz esculpida em baixo relevo na mata.
-O mapa diz “entrada do tesouro” mesmo. – Alex falou, passando a mão na rocha.
-Alex, venha aqui que vou te mostrar uma coisa que eu descobri.
Eles andaram pela trilha lateral mais alguns metros. E Evandro apontou para o platô de pedras.
-Porra que cheiro é esse?
-Olha ali. – Evandro disse, apontando a lanterna na escuridão. A luz estourou em cima de umas costelas em meio aos outros ossos.
Alex foi até o lugar e espantou-se ao ver os corpos.
-Puta Merda!
-Tá vendo?
-São as… As amigas da Suellen! – Alex balbuciou, espantado.
-Suellen? -Evandro parecia intrigado. Agora estava mais que claro para ele que Alex tinha matado todas aquelas as mulheres e ia inventar alguma historinha.
-Essas moças apareceram aqui numa lancha e…
-Olha, olha aqui! Vem cá ver um negócio! – Disse Evandro, abaixando-se ao lado do poço da armadilha.
Alex apareceu ao lado dele na entrada do poço. Eles iluminavam com a lanterna.
-Que isso?
-Eu caí aí dentro. Foi onde eu achei a espada. E tem mais. Tem outras coisas aí dentro. Ali no canto… cerâmicas, e um crânio antigo. Eu acho que é de um pirata.
-E você não me falou, porra?
-Eu fiz melhor que falar. Eu te trouxe aqui!
-Temos que passar o sensor nisso aí tudo. Pode estar o tesouro aí dentro. O mapa diz que é a entrada.
-O único lugar que parece uma entrada de caverna aqui é esse buracão aí!
-Como vamos descer aí? É muito fundo essa porra. Dá aqui. – Alex tomou a lanterna de Evandro.
Evandro abriu a mochila e pegou a corda. Ele foi até uma árvore bem ao lado do poço e amarrou a corda na árvore. A outra ponta, ele jogou lá dentro do buraco.
-Boa garoto! Aposto que vamos achar umas moedas de ouro aí em baixo!
Alex pegou a corda e deu uns puxões para ver se estava firme. Ele começou a descer para dentro da armadilha.
Evandro ficou lá em cima esperando a hora de descer.
Quando Alex chegou no fundo, pediu:
-Aí! Passa o aparelho. O chão aqui é meio mole!
Evandro então recolheu a corda em silêncio.
-Ou! Ta fazendo o quê, Evandro? Tu não vai descer? Tá com cagaço, né?
-Toma. – Evandro jogou a mochila. Ela bateu na lama no fundo do buraco, fazendo um “pleft”. – Tem duas garrafas de agua aí dentro e uns biscoitos. Ó… Não come tudo de uma vez, porque você vai ficar com fome até a polícia chegar!
-Quêêê? Polícia? Do que tu tá falando, vacilão? Para de brincadeira, porra!
Evandro saiu, dando as costas ao buraco e voltou para a trilha. Ele ficou ouvindo os gritos de Alex ecoando lá dentro da armadilha.
-Volta aqui, ô filho da puta arrombado duma figa! Eu te mato, desgraçado!.
Alex deu tiros lá dentro do buraco e ficou lá gritando.
-Eu te mato! Eu te mato seu filho da putaaaaa! Evandroooooooo!
CONTINUA
muito bom, Philipe
até o 20 /