Evandro estava tentando ligar para a polícia. Estava trêmulo e para piorar, o telefone não dava sinal.
-Merda, Merda. – Ele repetia.
Alheia ao que estava acontecendo com Evandro, Gringa estava sentada no sofá olhando pela janela. Era uma noite com poucas nuvens e com uma lua cheia enorme que pairava sobre o mar.
Evandro jogou o aparelho sobre a mesa, o que pareceu tirar a gringa de sua letargia. Ela se levantou e foi até Evandro e o abraçou carinhosamente.
Evandro ficou ali, abraçado com a gringa por um tempo. Era como se ela estivesse tentando acalmá-lo. E de fato, funcionou.
Ele beijou o pescoço dela. Eles foram até a varanda. Dava para ouvir o som leve do mar lá em baixo lambendo as rochas do costão. O sol havia se posto há menos de uma hora e ainda havia um tom levemente alaranjado no céu bem em frente a eles, na direção da costa.
Evandro cogitou legar gringa pela mão e entrar no bote e fugir da ilha, mas estava de noite. Ele não sabia pilotar aquilo direito, e portanto, ele preferiu sair pela manhã bem cedo. Havia também a chance concreta dos empregados da obra conseguirem dar às caras pela manhã, o que seria a solução ideal, pois ele iria embora com a gringa no barco do Manel, que era bem mais estável e confiável para sair da baía da ilha grande.
Evandro notou que a gringa tinha um olhar perdido no horizonte. Parecia triste, ou arrependida. Evandro acariciou os cabelos dela, que eram agitados pelo vento. Eles se beijaram candidamente.
-Tá com fome, Gringa? – Ele perguntou.
Ela olhou pra ele com a expressão confusa de sempre.
Evandro foi até a cozinha improvisada na sala e pegou a panelinha. Ele colocou agua do galão na panela e ligou o fogareiro do camping, para fazer macarrão.
-O jantar de hoje vai ser macarrão com sardinha. Espero que goste. – Ele falou sorrindo, tentando sufocar o próprio sentimento ruim que lhe consumia a alma, que era o ato de largar Alex na armadilha.
Ele ia preparando o macarrão e pensando no Alex lá. Tinha cobra no buraco.
“Se a cobra morder ele, fudeu”.
Mas ele não podia correr o risco. Alex estava ficando cada vez mais perigoso e descontrolado. E ainda por cima, armado. Saber que havia um tesouro fabuloso na ilha certamente havia mexido com algo muito ruim nele. A gringa se sentou no sofá. Ela pegou uma revista e ficou olhando as figuras.
Evandro virou-se para trás e ficou olhando pra ela. Era tão calma e linda… Uma mulher perfeita.
“Eu vou te tirar daqui e vamos ficar juntos para sempre” – Ele pensou enquanto admirava a perfeição dela, debruçada na revista, deitada no sofá com as pernas balançando para cima, como uma menina.
O macarrão finalmente ficou pronto. Evandro pegou duas latas de cerveja na caixa.
-Psiu. – Ele disse, para chamar a atenção dela.
Ao ver a lata de cerveja, ela abriu um lindo sorriso.
Evandro abriu a lata de sardinha e derramou o conteúdo na panela com o macarrão. Ele colocou em dois pratinhos, esoetaou um garfo em cada e entregou para ela.
Ela pegou o prato e ficou olhando o garfo como se fosse um instrumento alienígena.
-Garfo.
-Gaaaa…
-Garrrr – foooo.
-Garrrrfoooo.
-Isso, isso mesmo. Pega assim, ó, e espeta na comida. Ó… Olha aqui. Aí pega e coloca na boca… Hummmm. Gostoso.
A gringa tentava imitar o que ele estava fazendo com o garfo, mas o macarrão parecia não estar disposto a se equilibrar no garfo e aquilo começou a irritar a gringa.
Ela tentou algumas vezes, sem sucesso. Aí perdeu a paciência. Botou o garfo no colo e meteu a mão na comida. Encheu a mão e tacou na boca.
-Ei, Ei… Não é assim… Hahahahaha. Tudo bem. Tá bom, né?
A gringa concordava.
-Hummmmm….
-Hummmm!
A gringa comeu todo o macarrão com vontade. Eles tomaram cada um sua lata de cerveja e depois de recolher os pratos, Evandro pegou o violão.
A gringa bateu palmas quando ele pegou o instrumento.
-Você gosta, né? Tá mal acostumada, hein Gringa? Vou tocar pra você todo dia, meu amor.
-Amoooo. Amorrrrr… – Ela falou.
Evandro sorriu feliz. Provavelmente ela não tinha a menor ideia do que estava falando, talvez estivesse apenas repetindo, achando que “amor” significasse música.
Ela se sentou na beira do sofá e Evandro como sempre fazia, puxou a banqueta e se sentou de frente para ela. O vento do mar que soprava lá do costão entrava pela porta e o atingia nas costas suadas, e balançava seus cabeços.
Ele começou a dedilhar Windmills in your Mind, que era uma musica que ele aprendeu a tocar para o pai. Evandro tocava sempre essa quando estava com saudades do pai dele. Ela era uma música de um filme que era o preferido do pai dele, “The Thomas Crown Affair”.
A gringa observava cada nota com um sorriso bobo no rosto. Era bom de ver como ela gostava das musicas que ele também gostava.
Evandro estava tocando e se empenhando de fazer uma performance memorável num arranjo que ele mesmo tinha bolado para tocar no aniversario do pai dele, quando o rosto da gringa se transfigurou. Ela de fez pareceu mudar de expressão para uma triste e depois, para uma expressão de espanto, que evoluiu rápido para o terror numa expressão macabra que lembrava até uma careta.
-Que foi? Tudo bem? Gringa, gringa? – Evandro parou de tocar, preocupado com ela.
Foi quando uma garrafada estourou em sua cabeça, derrubando Evandro no chão.
A gringa pulou no sofá aterrorizada quando viu Alex, todo sujo e machucado de pé na porta. Ele estava rasgado, e transfigurado em ódio.
-Desgraçado… – Ele disse.
Evandro tentou se levantar com dificuldade. Estava zonzo e a garrafa havia aberto um corte em seu couro cabeludo que estava sangrando no chão.
A gringa desatou a gritar.
-Innonobrattt! Innonobratt!!!
-Vai, levanta, seu puto! Levanta!
Evandro se levantou com dificuldade, para em seguida, levar um soco na cara e cair sobre a mesa.
-Tentou me foder, né playboy?
Alex sacou a arma e apontou para Evandro, que estava apoiado na mesa, se contorcendo de dor. Evandro tentou agarrar a faca que estava sobre a mesa.
A gringa saltou sobre Alex. Ele cambaleou com a mulher em cima dele, socando e mordendo. Ele tentou se livrar dela, mas a gringa era ágil. Alex lutou com ela e desferiu um violento tapa na cara dela, que caiu chorando no sofá.
-Innonobratt ughx adefunden!!!
-Sai putinha!
Então Alex Engatilhou a arma. Mas foi atingido com força pela espada do pirata. A espada enferrujada acertou o braço de Alex, quase derrubando-o no chão. A arma caiu no chão de cimento queimado e rolou para debaixo da mesa. Alex se voltou com tudo. Evandro tinha conseguido pegar a faca na mesa e tentou estocar na barriga de Alex, mas ele foi ágil e desviou do ataque. Depois desarmou Evandro e a faca caiu no chão. Alex agora agarrava Evandro pelo pescoço com bastante força, sufocando-o. Ele deu um poderoso soco na boca do estômago de Evandro, que caiu no chão, gemendo de dores.
Evandro tentou se arrastar até alcançar a arma, mas Alex chutou Evandro nas costelas, derrubando o rapaz.
-PLÁ! – A gringa estourou o violão de sete cordas nas costas de Alex. A pancada foi tão forte, que o instrumento se despedaçou inteiro.
Alex caiu no chão.
-Ai, filha duma puta! Eu vou te arregaçar, piranha! – Ele disse, pegando a faca no chão.
Evandro tentou alcançar a arma, mas Alex saltou sobre ele com a faca em punho. Ele tentava cravar a faca em Evandro, que segurava o braço de Alex. Os dois começaram uma luta ferrenha rastejando no chão.
Evandro conseguiu Arrancar a faca da mão de Alex. Ele tentou finalmente esticar a mão e agarrou o revolver no chão, mas Evandro era mais forte e o desarmou. Alex conseguiu se levantar com a arma em punho. Evandro levantou os braços, em sinal de rendição. Estava sangrando e muito machucado.
-Para cara! Para! – Ele falou, olhando os pedaços do seu querido violão espalhados pela sala. – Eu já chamei a polícia! Você se fodeu!
Alex parou um segundo. Ele baixou a arma.
-Você chamou a polícia é?
Era mentira, mas Evandro estava disposto a usar tudo que pudesse.
-Você achou que eu não ia sair daquele buraco, né? Errou, otário! É aqui que a gente se despede e quem vai parar na vala é você! – Disse ele, pressionando o gatilho da arma.
– Adefunden!!! – A gringa gritou, desferindo um poderoso chute em Alex. Com o chute ele errou o tiro.
Evandro aproveitou para e levantar e pulou em cima de Alex, antes que ele tentasse outro disparo. Os dois agora estavam trocando socos em grande ferocidade. Evandro conseguiu desrmar Alex numa chave de braço Mas Alex se virou e Bateu a cabeça de Evandro no chão várias vezes.
E então, Evandro desfaleceu numa poça de sangue. Ele perdeu as forças e seu corpo enrijeceu, conforme a poça vermelha se espalhava no chão.
A gringa desatou a gritar em total horror.
-Adefundeeeeen!! Adefundeeeeen!!!! – Ele gritava apontando o corpo de Evandro. Ela olhou para Alex. Ele estava transfigurado em puro ódio.
-Vem cá, filha da puta! Agora meu papo é com você, vadia! – Alex se abaixou e pegou a faca. A lâmina metálica da arma brilhou sob a luz do lampião.
A gringa saiu como uma bala correndo para a varanda e disparou a toda velocidade para a escadaria do píer.
“Volta, não vai fugir não, maldita! Hoje vai morrer todo mundo nessa merda aqui!”. – Ele disse, com a faca em punho, saindo pela escuridão atrás dela.
Alex sabia que a gringa eram rápida no mato e hábil em se esconder. Ele não teve tempo de pegar a arma no chão. Saiu correndo para tentar agarrá-la porta afora, mas ela era muito veloz na corrida, e em vez de descer os degraus da escada, que era iluminada pela fraca luz da lua cheia. A gringa pulou os degraus de platô em platô tentando chegar lá em baixo. Alex vinha correndo logo atrás.
“Não tem pra onde fugir, maldita! Volta! Volta! Vem cá!”
Lá fora, as ondas ainda batiam nas pedras, as aves marinhas estavam empoleiradas nos galhos mais altos da ilha esperando o amanhecer quando o último grito da gringa ecoou na ilha Atlas.
Evandro abriu os olhos. Estava caído numa poça de sangue no chão da sala. Ele estava tonto. Se levantou com grande dificuldade. Olhou ao redor, não viu a gringa.
Ele não sabia quanto tempo tinha ficado desacordado. Olhou os pedaços do violão espalhados no chão.
Se abaixou e pegou a arma, conferindo a munição. Evandro pegou a lanterna que estava caída no chão e foi lá pra fora. Ele só pensava nela.
Seu corpo doía terrivelmente e ele estava com um olho completamente fechado devido à inflamação. O corte na cabeça pingava sangue na camisa, empapando-a.
-Gringaaaaaaaaaa… -Ele berrou o mais alto que conseguiu, mas não houve qualquer resposta. Apenas os grilos e insetos noturnos no seu canto permanente eram ouvidos na ilha. Evandro desceu pelas escadas na direção do Píer. Seu medo era que Alex tivesse feito mais uma loucura.
Ele desceu as escadas devagar. Estava disposto a se sacrificar por ela. Ele estava decidido. Era agora ou nunca. Ia mirar no Alex e puxar o gatilho.
Evandro foi iluminando com a lanterna e quando o facho finalmente atingiu o píer ele ficou atordoado.
-Não, não… Por favor, não… – Ele gemeu conforme a luz da lanterna percorria as madeiras poderes até encontrar o corpo caído ali.
Evandro foi descendo e se aproximando. Sem os óculos, perdidos na luta ele mal conseguia entender o que estava vendo. Era o cadáver de Alex, envolvido parcialmente por uma série de coisas escuras filamentosas que pareciam algas, mas conforme Evandro se aproximava, a lanterna foi iluminando mais e mais, e ele olhava sem conseguir entender o que era aquilo que estava ali, num tenebroso espetáculo.
Um tipo horrível de estrela do mar preta e gigantesca estava montada por cima do corpo de Alex, revirando as entranhas dele. Evandro apontou a arma para aquela abominação. E gradualmente, os tentáculos espinhosos foram se mexendo e se abrindo e revelando ali no meio o rosto perfeito da gringa. Ela parecia estar misturada com aquela criatura monstruosa, e balbuciou:
-Aaaaaaammmmooooorrrr….
Evandro estava chorando, e trêmulo, com a arma apontada para aquela monstruosidade que palavras nunca seriam suficientes para descrever. E ela, cheia de sangue e tripas montada sobre o corpo de Alex seguia repetindo com uma voz gorgolejante:
-Aaaamooooorrrrr….
—————————- X ——————————-
Era um belo dia de outono. A enorme lancha branca que havia partido de Itacuruçá cortava as ondas. Sentados à bordo estavam três homens, conversando em inglês enquanto bebericavam drinks coloridos servidos pelo garçom da embarcação.
Doutor Mathelson tomou um gole da Pina Colada e perguntou para Evandro:
-Falta muito, seu Evandro?
-Já estamos chegando. Mais uns cinco minutinhos, ele disse, segurando a aba do chapéu Panamá. Em seus óculos Ray Ban, o mar refletido misturava-se com o azul profundo do céu sem nuvens.
A lancha se aproximou da enorme ilha, onde se avistava os belos bangalôs em estilo similar aos dos resorts do Taiti.
-Que maravilha! – O homem de camisa florida e bermuda cáqui com meias brancas, exclamou quando viu a ilha crescendo cada vez mais.
A Lancha se aproximou do ancoradouro que avançava para mar. Os funcionários vestidos em uniformes impecavelmente barcos deram as boas vindas aos executivos internacionais.
-Pode deixar as bagagens no píer , que os funcionários levarão aos seus bangalôs. – Disse Evandro, ajeitando os óculos após descer da lancha. – Venham por aqui. – Ele disse, apontando as escadas.
O grupo de quatro turistas mais Evandro acabaram de subir as escadas e a enorme casa de vidro e concreto surgiu na paisagem, rodeada por um jardim tropical repleto de flores, magníficas e exuberantes.
Araras se equilibrando em um tronco no canto do jardim começaram a gritar loucamente quando Evandro apareceu e tirou o chapéu.
-Elas estão te reconhecendo? – Disse o japonês impressionado, já com uma câmera em mãos.
-Eu sei, elas me amam! Esse é o Capitão e aquela ali no canto é a Violeta. E aí crianças? Sentiram a falta do papai? Gente, cuidado, não encosta que elas bicam, tá? Venham por aqui, por favor.
-“Incrível”. “Magnífico!” “Maravilhoso”… – Os turistas diziam, conforme iam seguindo Evandro pelo complexo da ilha em direção à sede, na casa de vidro e concreto.
Evandro chegou na varanda.
Na porta da casa surgiu a gringa. Ela estava linda, com um vestido branco comprido e um colar de conchas. Ela tinha o cabelo molhado e uma grande flor amarela presa no cabelo.
A gringa sorriu e olhou com cumplicidade para Evandro e em seguida para os turistas, boquiabertos com a beleza daquela mulher.
FIM
Errei o final! Imaginei que não sobrava ninguém e tempos depois outros interessados chegariam à ilha…
muito bom, Philipe
até a próxima história /
A ideia de não sobrar ninguém era boa mesmo, mas o plano original era ela comer um dos caras, desde a gênese da história. Obrigado por ter acompanhado tudo.
Puxa achei que ainda viriam mais episódios…
Cara, muito boa essa mitologia brasileira que você cria, sensacional! Se fizer desse universo expandido tem futuro, rumo à Netflix meu irmão!
A história estava ficando grande demais para um livro. Já tinha passado de 400 paginas. Obrigado por ter acompanhado tudo. Não descarto a possibilidade de que a história possa continuar no futuro, pq acho que ainda tem caldo aqui para explorar.
Achei que Evandro acabaria no mundo dela…historia incrível, seus contos poderiam facilmente virar minissérie na Netflix ou no prime.
Finalmente consegui terminar Gringa. Confesso que enrolei pra ler o último capítulo, pois queria adiar o fim, e o outro motivo, é que eu tenho estado no hiperfoco de escrever o meu livro, que estou enrolando para escrever o capítulo 19, e eu não cheguei nem na metade de onde quero chegar com essa história.
Gostei bastante do final, completamente inesperado, eu jurava que o Evandro é quem iria de Americanas e que o Alex iria ficar “preso” à ilha. Esperando o próximo conto
Obrigado por ler, Dan. Boa sorte com o capítulo!