quarta-feira, dezembro 25, 2024

Gringa – Parte 8

Quando Evandro recobrou os sentidos estava deitado no sofá, diante de Alex, que falava sem parar.
Ele dizia algo incompreensível. Levou um tempo até que o jovem entendesse o que Alex estava dizendo.
-… E aí Vão te buscar.
-Quem?
-Presta atenção cara. Consegui pegar o sinal. O Manel esta vindo com o sobrinho dele, com uma lancha emprestada. O tempo tá bom e eles vão meter a cara hoje de noite mesmo. Eles estão vindo te resgatar! O pessoal do posto já estão avisados do acidente. Nós dois vamos direto pra lá na lancha assim que ele chegar. Você precisa aguentar até eles chegarem. A lancha que eles estão vindo é de um coroa rico lá, que cedeu a embarcação, mas ela é uma lancha enorme, de mais de nove metros, e segundo o Manel ela não vai conseguir atracar aqui por causa do fundo com as pedras. Por isso, eles estão trazendo um bote, tá ligado? Entendeu o que eu tô falando?
-En-etnedi.
-Eles vão trazer o bote, vão parar a lancha, vão descer com o bote até o píer, aí a gente entra no bote, eu vou te ajudar, e dali eles remam ate a lancha. A gente te sobe lá na lancha e vamos direto pro iate clube. De lá já vai ter um esquema que eles vão montar para te levarem de ambulância para o posto da vila.

-Tudo bem, cara… Ai minha perna.

-Calma cara. Tenta relaxar. Olha, o lado bom é que essa lancha o Manel falou que é rápida pra caramba. A gente vai voando para o continente.
-Unnng…Tá latejando muito, cara. Não estou aguentando não. Cobra desgraçada!
-Calma, cara. Você tem que aguentar, bicho! São as marcas do guerreiro, mermão! Pensa que você vai ter história pra contar pros netos.
-Prefiro não ter nada pra contar, na boa!
-Qual é! Mostra que tu é forte, porra! Cadê o Harry Potter de São Gonçalo? Mostra o muque aí, pley.
-Porra cara, tá doendo legal, peraí! Larga meu braço!
-Foi mal. Tava tentando te animar. Respira devagar, Evandro! Tu ta respirando rápido demais.
-Tô com… Falta de ar, cara.
-A gente não tem nenhum analgésico aqui. Vamos ter que aguentar firme. O Manel vai buzinar quando estiver chegando. Aí, é o seguinte. Tá prestando atenção, ô porra?
-Hã?
-Presta atenção, doido. O Manel vai buzinar quando estiver chegando. Aí vou precisar que tu me ajude a te ajudar, Evandro. Tu vai grudar aqui no meu pescoço. Vai mochilar igual no Jiu Jitsu, tá ligado? Essa porra vai doer, com certeza. Tu vai se agarrar aqui em mim igual um carrapato, meu velho. Aí eu vou descer despinguelado contigo para o píer.
-Acho que não vai dar certo, cara.
-Claro que vai. Se você começar com essa babaquice de “ain” vou morrer, não vai dar certo… Aí é que não dá mesmo!
-Eu… Eu tava bebendo agua e desmaiei, né?
-Te encontrei caído no chão aí e te botei no sofá. Tu ficou apagado uns dez minutos ou mais!
-A perna não para de latejar.
-Deve ser mordida de surucucu.
-Será?
-Não deu pra ver se ela era grande? -Alex perguntou enquanto estava voltando a fumar. Deu dois tapas na “bunda” do maço de cigarros para sair algum.
-Eu acho que era média, não senti direito, ela me pegou por trás na perna. Foi tipo um choque.
-Vou te falar, mermão… Olha o tanto de merda que deu porque a gente bancou o herói de salvar aquela mina?
-Porra mas ela tava viva. Imagina se a gente liga o foda-se? A gente ia estar tipo… Matando ela, tá ligado?
-Há! Logico que não. Quem não desceu para ver quem tava gritando, não ia ver ninguém lá agarrada no costão. A essa hora ela ia estar alimentando os peixes e não por aí, rodando no mato da nossa ilha igual uma maluca… Aliás…
-O que?
-Tá ligado que o Manel veio aqui trazer os mantimentos… Daí, maluco… Tu tava sumido. O veio começou a dar uma paranoia doida. – Alex começou a rir.
-Como assim?
-Eu falei da mulher e tal e ele quis ver a mulher, né? Daí ele perguntou de você e eu falei que você tinha ido atras dela na mata, e ele subiu aqui para receber o dinheiro do mercadinho deu de cara com o sangue dela no sofá… O veio fez tuuuuuuummmm… – Alex imitou com voz engraçada: – “ô seu Alex, eu já vou indo, seu Alex, manda um abraço aí pro menino, seu Alex tchau, seu Alex, fui seu Alex”… E rapou fora! Certamente ele tava achando que a gente saiu na facada ou algo assim. Tinha que ver a surpresa dele quando consegui falar.

Evandro tentou esboçar um sorriso em meio as dores.

-O velho já foi mordido de cobra, ficou me fazendo um monte de pergunta que eu não sabia responder e eu aflito lá na porra desse telhado com medo dessas madeiras aí quebrarem, o sinal sumir, e eu varejar aqui em baixo em cima de você. Eu tava quase mandando o Manel calar a boca, arrumar a lancha mais rápida da vila pelo preço que for e vir aqui te buscar.
-Pelo preço que for é?
-Tu ta morrendo e vai fazer miséria? Puta que pariu, né?
-Tá certo. Agora não é hora de pensar em dinheiro! Eu… preciso dessa porra de antídoto logo.
-Cara, que comer alguma coisa? Come uma rosquinha.
-Não para nada na barriga, Alex. Já ta me dando enjoo de novo. – Evandro falava com dificuldade. Estava suando muito.

Alex concordou. Foi lá pra fora olhar a fogueira.
O fogo havia baixado de altura. Queimava ainda num calor bem razoável. O céu estava limpo e com muitas estrelas. Certamente, era um dos dias com mais estrelas até aquele momento.
Ele ficou ali fora por um tempo, ouvindo o fogo queimar.
A sensação lá fora era de estar sendo observado. Essa era uma estranha sensação constante que sempre aparecia no terreiro lateral da casa.
Alex ficou olhando a mata escura. Era uma escuridão impressionante que se erguia como uma barreira instransponível bem atrás das folhas iluminadas pela luz laranja do fogo. Talvez a gringa estivesse ali. Oculta nas sombras, apenas observando.
Alex pegou um galho e jogou no fogo. O galho estalou e pequenos pontos de brasa subiram para o céu.
Então ele ouviu a buzina ao longe.

-São eles! São eles. – Alex gritou. Chegou correndo na varanda e quando botou a cabeça para dentro, viu Evandro já desmaiado de novo.
-Porra garoto. Não vacila não. Não vacila não, moleque! – Disse, sacudindo Evandro, mas ele estava apagado totalmente.

O coração de Evandro estava batendo muito acelerado. O veneno estava se espalhando rapidamente. Alex olhou o jovem todo molhado de suor deitado no colchonete e pensou que talvez ele não fosse mesmo sair daquela vivo…
A buzina soou mais forte. Eles estavam perto. Alex foi até a mesa e pegou a lanterna. Acendeu a mesma, girando o botão no cabo e enfiou na boca. Ele então pegou Evandro e colocou curvado sobre as costas, como se fosse um grande peixe e saiu correndo em direção a trilha.

Como Alex previra, descer a trilha com Evandro desmaiado nas costas se provou uma tarefa das mais ingratas. O centro de gravidade com ele nas costas mudava radicalmente. A descida ainda meio enlameada dos dias de chuva não havia secado, porque a trilha era coberta de árvores e nem o mais inclemente sol conseguiria chegar ali.
Com muito cuidado para não escorregar, Alex ouviu a buzina tocando sistematicamente. Com a lanterna na boca, ele não podia nem gritar por ajuda.
Ele continuou a descer, o mais rápido que podia, tentando equilibrar Evandro. O pior que podia acontecer era caírem um sobre o outro com o rapaz desacordado.

Logo, Alex passou a ouvir vozes. As vozes foram aumentando.

O estalo do píer lá em baixo mostrou que eles estavam chegando na ilha. Estavam subindo. Eram muitas vozes e logo Alex viu lanternas iluminando o final da trilha.
Manel veio na frente.
-Seu Alex! Seu Alex! Vai Toninho, ajuda aí o seu Maurício.
Os homens ajudaram a tirar o corpo de Evandro das costas de Alex, apoiando um de cada lado.

-Rápido, vamos vamos! – Disse um dos homens.
Era também um senhor de idade, mas aparentava um pouco mais novo que Manel. Na correria Alex não conseguiu ver bem o sujeito. Alex desceu com eles para o píer, mas enquanto os três homens desciam o corpo de Evandro para o bote, Manel se aproximou de Alex.

-Seu Alex, não dá pra todo mundo no bote! Não se preocupe. Nós vamos ligar!
-Mas eu preciso ir junto… Ele tá muito mal.
-Não vai dar! Não se preocupe, seu Alex. O se Maurício é enfermeiro do posto. Ele trouxe o antídoto. Já vamos aplicar ali na lancha e vamos levar ele. A gente tem que correr! Cada minuto conta!
Vamo! Vamo! – GRitou um dos homens no bote, segurando o corpo de Evandro.

-Eu dou notícia. – Disse o velho, pulando no bote.

Alex concordou e acenou. Os homens começaram a remar na escuridão. Alex iluminou do píer com a lanterna o bote alaranjado se distanciando. Ao fundo, uns dez metros, estava a lancha. Uma lancha espetacular preto e branca que balançava ao sabor das ondas.
Nossa, ele exclamou impressionado. Alex sabia que aquela embarcação valia fácil mais de meio milhão.

Minutos depois, estavam subindo com o corpo para a lancha. As luzes se acenderam. A lancha iluminou a água com um fantasmagórico led azul. Ela buzinou mais três vezes uma vez e Alex escutou o ronco abafado dos motores.
A embarcação acelerou com brutalidade, fazendo um giro que provocou uma enorme onda.
Eles dispararam a toda velocidade na direção do horizonte.
Alex ficou observando da rocha até o barco sumir.

Minutos depois, só restava o som do vento e o píer podre, que se balançava de um lado para o outro ao sabor das ondas.
Alex se manteve ali um tempo, olhando as estrelas se espalhando pelo céu escuro.

Ele estava sozinho agora… Sua mente preocupada com Evandro temeu aquela teria sido a última vez que viu o sócio.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.
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Comentários

  1. Meu Deus do Céu! Que capítulo tenso, eu lendo o sucessão de acontecimentos, minha mente deu uma acelerada tão forte, que eu consegui sentir a tensão, tanto do Alex quanto do Evandro. Continua esse conto pelo amor de Deus, que daqui a uns meses, eu quero esse livro impresso na minha cabeceira.

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