Ontem as imagens das pessoas saindo desesperadas de mais uma escola nos EUA (novamente) impressionaram o mundo. Pra quem estava por fora, o caso é de mais um adolescente desajustado que resolveu metralhar geral. Entrou numa de GTA e foi pra escola (de onde tinha sido expulso por não ser uma pessoa normal) com um fuzil AR15. O resultado, 17 mortes. veja mais aqui
Na Tv vi uma senhora perguntando para a câmera da CNN:
Quando isso vai acabar?
Claro que é uma pergunta retórica, na medida em que a trágica resposta pra ela é: Nunca. Não vai acabar nunca porque o problema não é a arma, o maluco, ou a escola. O problema é muito mais complicado do que parece.
A sociedade é uma maquina de produzir malucos. Creio que não exista quem discorde dessa afirmativa na medida em que: Temos cada vez mais malucos. A facilidade com o qual um maluco consegue obter uma arma também é um fator importante nessa equação, embora haja todo um jogo de forças midiáticas promovendo um cabo de guerra que desloca o eixo da questão para o acesso ao armamento. Está claro, cristalinamente óbvio, que quando um cara não pode comprar cerveja mas pode comprar um fuzil de combate no supermercado, temos uma receita para a merda. Mas mesmo com tudo isso, me pergunto como um cara com uma arma dessa entra na escola. Se fosse a primeira vez, beleza, mas porra… Massacres em escolas são tristemente comuns. E quem pensa que só acontece nos EUA está redondamente enganado. Isso ocorre no mundo todo, embora cada país reaja de uma maneira com relação a isso. Nos EUA a coisa ganha uma dimensão de espetáculo. A espetacularização da tragédia é o esporte nacional dos EUA (traço cultural que desgraçadamente copiamos no Brasil).
Se eu listar aqui as ações de malucos matando gente em escola você vai ficar bolado. Quer ver?
Note que isso é a ponta de um iceberg de assassinos em massa. Essa lista não cobre por exemplo, assassinos de creches, como o que tacou fogo nas crianças de três aninhos, no ano passado aqui no Brasil. Nem o atirador do Show de Las Vegas ou caras que entram em lanchonete e passam o rodo do nada em quem nada tem a ver com a história, ou ex empregados que vão pro trabalho se vingar, pessoas que vivem seu dia de furia…
Pessoas estão surtando no mundo inteiro. Isso se torna um problema crescente enquanto a população mundial cresce.
Quando um cara resolve fazer isso, há um tenebroso aspecto de sua personalidade que pode e deve ser estudado. O assassino, seja lá por que razão for, deseja praticar a dor e o sofrimento, e é por isso que pouco importa quem vai morrer. Seu prazer não está na morte, mas nas consequências sociais que as mortes produzirão. E assim, em países onde a espetacularização desse tipo de crime que é o “massacre” é mais forte, esse produto midiático que é o sofrimento, com pessoas chorando, cantando, botando flores, fazendo preces, homenagens, vigília, cartazes e tudo mais atua como um reforço, um resultado pratico que glamouriza a ação nefasta do autor do massacre.
Sabemos por base de estatísticas, que notícias de suicídio produzem, adivinha só? Isso mesmo, MAIS SUICÍDIOS.
É por isso que hoje cada vez mais suicídios de artistas ou ídolos, em qualquer área que seja, são noticiados como “morte sem causa revelada”. Porque existe uma característica social que é o contágio psicológico. Curiosamente, esse é um mal que ninguém fala, porque a mídia não quer se comprometer. Primeiro porque ninguém quer se assumir culpado duma merda dessa. E depois porque… Óbvio, desgraça vende jornal. Dá manchete, chama atenção, e com audiência, o veículo negocia mais contratos de publicidade que se resumirão em mais dinheiro no bolso.
A divulgação do sofrimento é o combustível que o doido precisa para planejar massacre. Sim, porque todo massacre tem uma finalidade, um discurso implícito no ato. Ele tem um estopim, que começa justamente a propagação da dor e do sofrimento da tragédia anterior. É um círculo vicioso.
Do mesmo jeito, a notícia de mortes de PMs, a contagem diária de mortos no mês e suas execuções pelo crime carioca, produzem como resultado adivinha o que?
No Twitter da corporação outra foto de um carro alegórico que mostrava uma estátua de um PM morto no colo de uma mulher.
Três PMs mortos no carnaval
Neste carnaval, três PMs foram mortos e dois baleados no estado do RJ. No sábado (10), o soldado Dejair Jardim do Nascimento, de 29 anos, foi morto, quando chegava a um mercado em São Gonçalo. Ele era lotado na UPP da Rocinha e foi enterrado na segunda-feira (12). fonte
Viu?
Não obstante, estamos falando de uma civilização inteira que aceita e eu diria mais, deseja a violência como uma parte de sua existência, de sua condição humana, desde que os espetáculos de violência eram um show para entreter os cidadãos romanos. Hoje os shows são outros, mas o que não mudou é que a violência ainda é parte integrante dele.
É curioso falar sobre isso bem do meio da região metropolitana do Rio de Janeiro, que entrou numa onda descontrolada de violência que faz parecer as cenas da Detroit descontrolada de “Robocop” do Paul Verhoven. Hoje a segurança do Rio foi oficialmente transferida do poder estadual para o federal, numa intervenção militar. Sim, porque não temos robôs salvadores para iludir a população (calma, que é ano de eleição e essas promessas vêm aí!) e resta acreditar que soldados armados com FAL vão resolver o problema da incompetência dos bandidos.
Rio, Detroit, Gothan city…. Nesse contexto social de dependência da violência, o herói é o que mata, que dá porrada, o fodão que explode tudo. Tudo, que aliás, deve ser resolvido na porrada e se não for na porrada, que se dê ao menos uma torturadinha de leve para o bandido entregar “o segredo”, seja lá qual for.
Assim, pessoas que viveram na violência desde que se entendem por gente, esperam o que? Que a midia lhes ofereça mais desgraças, mais mortes e sofrimentos alheios, para que se regozijem de que não é com eles, e se um canal não espetacularizar o sofrimento, vem outro e o fará e será considerado “um jornalismo melhor”. Ninguém pode se dar ao luxo de ficar para trás. Mas à medida em que a violência se banaliza, resta o que para impactar a sociedade senão mais tripas, gore e sangue? É preciso oferecer sempre mais, sempre mais impacto, a corrida nunca terá fim. E as mortes são apenas a parcela mais horrível dessa conta, e o pior é que talvez não seja exatamente a parcela mais suja. A parcela mais suja é que há um interesse claro nisso. Pessoas com medo, aceitam facilmente certas políticas governamentais e práticas para as quais não aceitariam numa situação de ordem social.
Muitas vezes, o caos por si só é um elemento de distração bastante conveniente para a opinião pública. Curioso pensar nisso e imaginar que talvez a pessoa mais segura no Rio hoje é justamente o canalha que foi governador desse Estado e está preso numa cela solitária, por corrupção.
Lamento. Não gosto de trazer as más notícias, mas é essa a verdadeira “História sem fim”.
“A sociedade é uma maquina de produzir malucos.” Frase mais que verdadeira, a real causa de todos os nossos males. Desde crianças somos forçados a adotar um ponto de vista sobre o mundo que já foi previamente estabelecido, obrigados a entrar numa “caixa” de interpretação que nos acompanhará até a morte. O potencial e a capacidade naturais são podados e reprimidos, basta ver o que acontece com as crianças que vêem coisas ou percebem coisas que os outros não percebem: são “tratados” e “ajustados” até estarem aptos a retornar ao rebanho de cegos. Enquanto for assim, a negação da nossa verdadeira natureza, a situação só tende a piorar.