Medo da inovação: O temor de derreter andando de trem

Desde sempre grandes inovações tecnológicas não surgem sem antes uma onda de medo ser disseminada. As pessoas tinham medo de derreter andando de trem.

O medo das novas tecnologias é uma coisa muito interessante de estudar.
Sabe que quando os primeiros trens, que eram locomotivas a vapor, chegaram aos Estados Unidos, muitos americanos pensaram que os corpos das mulheres não foram projetados para viajar a cinquenta milhas por hora. Havia também um medo adicional de que tais altas velocidades pudessem fazer seus úteros voarem para fora, enquanto outros acreditavam que tais altas velocidades derreteriam um corpo humano.

O medo e o pânico moral

De acordo com a antropóloga cultural, Genevieve Bell, essas reações eram exemplos de “pânico moral” que uma sociedade experimenta quando avanços tecnológicos particularmente revolucionários aparecem e interferem ou alteram nossos relacionamentos com o tempo, o espaço e uns com os outros.

Bell atribui esse tipo de reação em parte ao “pânico moral” que uma sociedade experimenta quando surgem avanços tecnológicos particularmente reveladores — especificamente, aqueles que interferem ou alteram nossos relacionamentos com o tempo, o espaço e uns com os outros:

“Carros? Claramente o mesmo. Televisão? Absolutamente. A Internet? Sim. Celulares? Sim. Canetas-tinteiro? Nem tanto. Eles podem ter mudado nossos relacionamentos com outras pessoas, mas não mudaram realmente nossos relacionamentos com o tempo e o espaço.”

Esse pânico em toda a sociedade frequentemente (injustamente) idolatra as ameaças que uma inovação pode representar para mulheres e crianças, e não terminou quando superamos nossos medos de locomotivas. À medida que os automóveis ganharam força no início dos anos 1900, eles foram descritos por muitos como “carroças do diabo” barulhentas e erráticas que as mulheres — consideradas propensas a desmaios, fraqueza física e ataques repentinos de histeria — não seriam capazes de controlar sozinhas e não deveriam jamais ter a permissão para dirigir.

No entanto, as mulheres lutaram por seu direito à mobilidade. Em 1909, Alice Ramsey, de 22 anos, conseguiu dirigir cross-country em respeitáveis ​​59 dias e — tendo mantido a si mesma, seu carro e suas três amigas intactas ao longo do caminho — ajudou a provar que sim, as mulheres eram confiáveis ​​ao volante.

A Time também nos disse que, apesar dos medos iniciais das possíveis desvantagens do telefone, conversar ao telefone não causará impropriedade, possessão ou eletrocussão em mulheres. Com alguma sorte, descobriremos que os jovens felizes com mensagens de texto de hoje ainda serão capazes de falar frases completas amanhã.

O grande medo da inteligência artificial

HAL 9000 - de 2001 uma Odisseia o Espaço - a personificação de uma IA tão perigosa quanto amigável
HAL 9000 – de 2001 uma Odisseia o Espaço – a personificação de uma inteligência Artificial tão perigosa quanto amigável

À medida que a humanidade avança a passos largos na era digital, uma sombra constante parece acompanhar cada inovação tecnológica: o medo.

Desde a aurora da era industrial até os dias atuais, marcados pela inteligência artificial, internet das coisas e realidade virtual, as novas tecnologias sempre despertaram uma mistura de admiração e apreensão. Neste artigo, vamos explorar os medos diante das novas tecnologias, utilizando como exemplo ilustrativo o medo do uso da eletricidade na virada do século XX, e refletir sobre por que é crucial superar esses medos para não nos privarmos dos benefícios que as inovações podem trazer.

O Medo da Eletricidade na Virada do Século

No final do século XIX e início do XX, a eletricidade começou a iluminar as cidades e a transformar a maneira como as pessoas viviam, trabalhavam e se comunicavam. No entanto, juntamente com a promessa de um futuro mais brilhante, veio uma onda de medo e desconfiança. Muitos temiam que a eletricidade fosse perigosa, que pudesse causar doenças misteriosas ou até mesmo afetar a saúde mental. Havia preocupações sobre choques elétricos, incêndios e a possibilidade de que a eletricidade pudesse “envenenar” o ar que respirávamos.

Esses medos não eram totalmente infundados, considerando a compreensão limitada da época sobre a eletricidade e as precauções de segurança ainda em desenvolvimento. No entanto, à medida que a tecnologia avançou e a educação sobre o uso seguro da eletricidade se tornou mais disseminada, esses medos gradualmente deram lugar à aceitação e, eventualmente, à dependência dessa forma de energia.

O medo do uso da eletricidade em 1889
Ilustração contra o uso da eletricidade em 1889 em Ohio, Estados Unidos.
Desde o século 18 até início do 20, a eletricidade estava em volta de mistério e perigo. Na opinião de muitos, comercializa-la pelas cidades era quase uma bomba-relógio, podendo eletrocutar pedestres e carruagens. Contudo, havia um fundo de verdade no temor.
Com a descoberta de que descargas poderiam matar e inclusive reanimar indivíduos, a eletricidade começou a ser associada a algo macabro e demoníaco.
O feito inspirou a escritora inglesa Mary Shelley em sua história de 1818 “Frankenstein”, em que um doutor roubava partes de um cadáver e através de descargas elétricas, reanimava a criatura.
Mesmo com o desencorajamento, e apesar do medo estranho das pessoas, alguns cientistas realizavam experimentos com a energia. Em 1802, Humphry Davy inventou a primeira lâmpada elétrica com o uso da bateria e um pedaço de carbono, produzindo luz. Contudo, a luminosidade era muito intensa, podendo queimar a fiação e inclusive explodir a lâmpada em poucos minutos. Apenas com a criação das lâmpadas a vácuo, o uso da energia tornou-se favorável.
Em 1850, começaram as primeiras distribuições em cidades, abastecidas por um arco voltaico, um sistema alimentado por uma potente bateria com 2 bastões de carbono, produzindo um arco de energia.
Porém, o sistema de distribuição era perigoso. No interior do arco a temperatura poderia chegar até 5 000°C. Como a distribuição era feita através da corrente direta, a energia era facilmente perdida em longas distâncias, necessitando do uso de diversos arcos voltaicos distribuídos pela cidade.
A existência de sistemas de 10 kV, causava diversos acidentes quando fios elétricos caíam nas calçadas, muitas vezes eletrocutando cavalos devido suas ferraduras de bronze nas patas.
Thomas Edison | Textos | inovação, Textos, Thomas Edison
Tomas Edison e sua lâmpada patenteada revolucionariam o mundo
Só em torno de 1882 com o desenvolvimento de uma lâmpada incandescente,  Thomas Edison possibilitou o primeiro serviço público de eletricidade, usando um sistema de corrente contínua de 110 volts, seguro para abastecimento.
Os avanços da engenharia na década de 1880, incluindo a invenção do transformador, aliadas a corrente alternada elaborada Nikola Tesla, foram gradualmente substituindo a corrente direta.
Contudo, governos europeus e dos estados dos EUA tiveram que investir em campanhas públicas de conscientização para convencer os cidadãos que a energia já era segura.
Diversos movimentos anti-eletricidade seguiram até 1920 e em alguns locais rurais até 1930.
A eletricidade chegou no Brasil em torno de 1888, através de hidrelétricas no sul e sudeste do país, sem causar acidentes como causava no meio do século 19 nos Estados Unidos.

Medos Contemporâneos: O Que Mudou?

Hoje, enfrentamos uma gama diferente, mas não menos intensa, de medos relacionados às novas tecnologias. Alguns dos principais incluem:

  • Inteligência Artificial (IA) e Automação: O medo de que a IA possa superar a inteligência humana, levando a perdas de empregos em massa e potencialmente a uma existência ameaçadora para a humanidade.
  • Privacidade e Segurança na Internet das Coisas (IoT): A preocupação com a coleta e uso indevido de dados pessoais, bem como o risco de dispositivos conectados serem hackeados, comprometendo a segurança domiciliar e pessoal.
  • Realidade Virtual (RV) e Realidade Aumentada (RA): Medos sobre impactos na saúde mental, dependência, e a potencial erosão da distinção entre o mundo real e o virtual.

Por Que Devemos Superar Esses Medos?

Superar os medos diante das novas tecnologias não significa ignorar os riscos reais associados a elas, mas sim abordá-los de maneira informada e proativa. Aqui estão algumas razões pelas quais é crucial enfrentar esses medos:

  1. Benefícios Transformadores: As novas tecnologias têm o potencial de resolver alguns dos mais prementes desafios globais, desde a saúde até a sustentabilidade ambiental. O medo cego pode nos privar dessas soluções.
  2. Educação e Conscientização: Compreender as tecnologias é o primeiro passo para mitigar os riscos. A educação tecnológica pode transformar o medo em empoderamento.
  3. Inovação Responsável: Ao engajar-se ativamente com as novas tecnologias, podemos influenciar seu desenvolvimento de maneira ética e responsável, garantindo que os benefícios sejam compartilhados por todos, enquanto os riscos são minimizados.
  4. Competitividade Global: Num mundo cada vez mais interconectado, as nações e empresas que abraçam a inovação tecnológica estão melhor posicionadas para liderar e prosperar.

Conclusão

Os medos diante das novas tecnologias são um fenômeno perene, refletindo tanto a natureza humana quanto a velocidade vertiginosa do progresso tecnológico. Ao olhar para o passado, como no caso do medo da eletricidade, podemos aprender lições valiosas sobre como navegar pelas ondas de inovação com mais coragem e menos apreensão.

Em vez de nos deixarmos consumir pelo medo, devemos escolher o caminho da curiosidade, da educação e da inovação responsável. Só assim poderemos verdadeiramente desfrutar dos benefícios transformadores que as novas tecnologias têm a oferecer, construindo um futuro mais brilhante para todos.

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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