Eu sei lá porque estava aqui trabalhando, quando a palavra Salpicão surgiu na minha cabeça. Então fiquei trabalhando e pensando em salpicão.
Tecnicamente, salpicão é um mistério pra mim, na medida em que na minha família salpicão sempre foi comida de festa. E nunca era protagonista. O Salpicão é tipo um coadjuvante que você sempre vê mas esquece que ele existe em seguida. Ele aparece como medico, como delegado, como promotor na novela, quando ele aparece vc lembra dele: Alá o delegado da novela das sete… Nossa como ele tinha cabelo… E então na cena seguinte, você esqueceu.
Claro que um nome artístico ajuda. E chamar qualquer merda finalizado em Picão queima o filme. Se bem que tem o Palmito… Mas mito é mito.
Já salpicão lembra um nome popular para doença venérea. “Tô com salpicão desde que comi a mendiguinha”…
Com o Salpicão era assim e sempre foi, se me recordo bem. Diferente do Strogonoff, que também era comida de festa, sobretudo pra mim, porque era meu prato preferido na infância e sempre tinha strogonoff com champignons no dia 23 de janeiro, mas depois ele também sumia, porque era chique. E não se gasta superstar de nome russo em programa de auditório.
Em algum momento, conforme cresci, o strogonoff ganhou um forte protagonismo e eu o revia toda semana ao ponto de já não ligar ais para sua performance no prato. Estranhamente, foi quando a lasanha começou a desaparecer. A lasanha pra mim é como o “ator prata da casa”, já deu muito duro no “tempo da revolução”, e hoje ta na maré mansa, que chega num ponto salarial que só faz participação especial, até porque ninguém aguenta pagar o salário direto. Eventualmente, a lasanha aparece, dá seu show e vai embora, deixando saudades.
Mas de volta ao pobre desgraçado do salpicão: Ele era uma comida de festa. Quando tinha festa na casa da minha avó, tinha o salpicão ali, reforçando o elenco. Mas meio no fundo, junto a parede, não estava no palco, no primeiro plano do aparador, onde reinava o bolinho de bacalhau e a salada com cada palmitão enorme, aboletado impertinentemente sobre uma macia folha de alface. Ousado, convidativo, sensual. Mítico. Palmítico.
Eu não comia o salpicão, coitado, porque a regra é clara: Havendo uma excessiva seleção de pratos gostosos, e sendo a vida muito curta para se admitir aventuras intempestivas no calor das emoções, ainda mais quando a família é grande e todos gostam de palmito e bolinho de bacalhau, não convém assumir riscos.
Dessa forma, o salpicão ia sendo lentamente movido para o final da fila, onde estavam o eterno feijão tutu com ovos cozidos e alguma outra coisa que era suficientemente inexpressiva artisticamente para que eu me lembre.
O salpicão era como um parente que se vê em velório, vc nem lembra direito como é. Mas ele esta lá. Lá no fundo, mas está. Em toda festa, o salpicão estava, e sempre mal vestido, porque convenhamos, perto de um belo frango assado, um leitão ou mesmo um peixe enorme na travessa, luxuriantemente decorado com pêssegos em calda, praticamente um Clóvis Bornay sobre a mesa, o salpicão parecia ter caído numa poça de lama antes de entrar em cena. Era um bololô estranho de coisas coloridas e esfiapentas, onde eventualmente você identificava uma ou outra joia na forma de ervilhas surgindo em meio ao lúgubre tom marrom-acinzentado do que (eu peço a Deus para que seja ) uma maionese, que esta mais para filme de zumbi que para uma coroação real.
Diferente do arroz, do feijão e bife com batata frita, que dia sim, dia não, estavam ali sempre prontos para dar seu melhor, numa completa sinergia. Afiados, espertos, Ninguém esquecia o texto, ninguém deixava buraco. Arroz feijão e bife eram completos com a batata frita como os três mosqueteiros só eram 3 mesmo com o Dartanhan. Eram praticamente infalíveis, ainda mais quando a Coca-Cola se apresentava à mesa.
Mas é como tudo na vida, o dia-a-dia muitas vezes acaba não impressionando, e assim, havia todo um “elenco especial” para os especiais de final de ano, e eventualmente aniversários e outras programações especiais, como uma copa do mundo ou um casamento.
Nesses momentos, podíamos ver até um certo empenho do salpicão, mudando de travessa, saltando de um pirex para um tabuleiro… Mas é uma pena. Quem nasceu para salpicão, dificilmente chega numa lasanha.
O salpicão tentava, num esforço de maquiagem, eventualmente se cobria com batata palha, ou decorava-se com uma rosa de tomate.
Pobre salpicão, tentava de tudo, tentava tanto, com tanta esperança, que ele meio que parecia uma mistura de muita coisa. Esse era seu grande defeito. Era indefinido, acabava sem personalidade relegado ao fundo, aos pratos do repeteco, que para a mais profunda humilhação, eventualmente ele acabava não sendo selecionado, porque afinal, quando sobra palmito ou bolinho de bacalhau, é uma obra de Deus na nossa vida e a gente não pode recusar porque Deus é Deus e é até um pecado fazer pouco caso de um milagre pessoal dessa magnitude. Você entende, né?
Daí veio a era do churrasco, onde ele se apoderou do showbiz. Salpicão parecia ter se aposentado de vez ou quem sabe recorreu a plástica e virou salada de batatas. Antes dele, teve a era de um macarrão super macio, e teve também um breve, porém inesquecível, momento da pizza do Tião.
Basicamente é isso. O salpicão estava lá, mas nós nunca nos conhecemos de fato e eu realmente, de uma maneira até estranha para mim, hoje sinto a falta dele. De todos, aliás.
Ao contrário de você, eu adoro salpicão. A sim no presente mesmo.
Eu participava de realização dele e comia com olhos e com o gato tudo que ele tem: frango desfiado, batata, maçã, ervilha , milho,maionese.
E na minha família , ele era o ator secundário, segundo escalão, mas muito bem remunerado. Não sobrava.
Acho que nunca consegui comer porque a aparência é péssima mesmo. Sei que tem uma galera que adora salpicão, mas sem sal.
Salpicão é bom, mas é bem ator coadjuvante que só aparece pra fazer volume. A gente come mais só qdo as comidas protagonistas acabam. rsrs