O crânio – Parte 9

O pensamento de que estava morto foi tão aterrador que Bruno parou. Não fazia sentido andar pela escuridão.

Ele parou e se sentou em meio ao escuro. Não havia o que fazer, nem para onde ir. Sentiu uma saudade forte apertando o peito e temeu pelo que o pai e a mãe sofreriam quando soubessem. E a Bia? Ele nunca mais tornaria a ver a Bia.

Bruno estava ali sofrendo e chorando quando ouviu alguém passando atrás dele. Alguma coisa nitidamente passou andando atrás dele. Ele pode sentir muito clara a vibração das passadas no chão metálico.

Bruno se levantou. – Quem está aí?

Mas não obteve resposta.

Teria sido sua imaginação? Não. Não poderia. Havia mais alguém ali.

-Quem é? Quem está aí?

Então Bruno sentiu alguma coisa tocar-lhe o braço. Era uma mão gelada.

Ele estremeceu na hora.

-Cruz credo! – Foi o que ele disse, tentando se desvencilhar, mas então sentiu-se sendo segurado novamente. Ele tentou soltar a mão que o agarrava, mas ela era muito forte.

Ele sentiu que era uma mão peluda e quase desmaiou de medo.

Não era um mas dois os indivíduos que o seguravam no escuro. Cada um agarrou num braço e começaram a puxá-lo pelo escuro.

-Quem isso, quem é você? Que isso! Me solta? Ei!

Eles andaram o que Bruno estimou como sendo uns trinta metros e subitamente pararam. Eles não soltaram Bruno, apenas ficaram parados. O silêncio era sepulcral. As mãos agarravam seus braços de forma firme apesar de serem geladas.

Então algo estranho aconteceu. Uma tênue luz que pareceu sair do nada iluminou o lugar num cone perfeito. E no meio do cone, estava uma velha sentada. Era aquela velha que ele tinha visto no pesadelo, mexendo na casa dele. A velha nada disse. Ninguém dizia nada. Mas era um alento ver alguma luz. A velha ficou ali olhando pra ele, sentada na cadeira. Bruno então olhou para os lados e teve um choque. As duas criaturas que o seguravam eram um homem e uma mulher, mas eles não tinham cabeça. Eram apenas corpos, sem as cabeças. Ele ficou aterrorizado com aquilo, tentou se soltar, mas as figuras macabras seguravam forte.

A velha rompeu o silêncio.

-Você vai morrer em dois dias, menino.

Ele não sabia o que dizer. Olhou para a velha espantado.

-Eu… Eu… O que é isso aqui?

-Shhhhh! Silêncio. Você pediu pela sua vida. É isso mesmo que tu queres?  Sim ou não? 

-Sim.

-Há um preço a pagar. O mestre quer uma oferenda pela sua cura. O mestre esta feliz com você, meu garoto.

-Preço? Pagar? O-o que?

-Vida se paga com vida. Mate um bode preto. Meia noite. Na quarta feira. Recolha o sangue, da oferenda num copo. O primeiro copo você derrama na cabeça. O segundo, joga-o no fogo dizendo “assim cumpro o pacto pela minha saúde”. Chame pelo mestre três vezes.

-Assim? Mestre, mestre, mestre?

-Assim. Aceita ou não aceita?

-Aceito.

-Você está curado. Cumpra sua parte ou a doença voltará. Quarta feira, meia noite.

-Sim.

-Repita e não se esqueça. Quarta, meia noite.

-Quarta… Meia…

-Noite…

-Aleluia! Puta que pariu! Puta que pariu. Graças a Deus, você voltou, meu brother!  – Bruno não conseguia abrir os olhos. Mas reconheceu a voz. Havia muita luz cegando-o. Era Gui.

-Meu filho! – Bruno sentiu o aperto. Era sua mãe abraçada com ele. Ela estava chorando. Ele gradualmente recobrou a consciência em meio aos cabelos da mãe. O lugar escuro tinha dado lugar a um quarto de hospital. Ele estava no soro.  Estava numa cama hospitalar cercado de pessoas. Seu pai e sua mãe estavam ao lado da cama. Bia chorava sentada no sofá e Gui agarrava o outro braço dele. Todos pareciam fortemente abatidos.

-O que houve? Que que isso, gente? Calma!

Todos se entreolharam. Pareciam compartilhar algum segredo. Logo uma enfermeira entrou no quarto.

-Acabou a hora da visita, pessoal. Só amanhã. Vamos…

Todos despediram-se de Bruno com frases prontas como “você vai vencer!” , “Te vejo amanhã!”, “Força campeão!”.

Só ficou dona Sandra. Ela estava abatida. Bruno olhou para a mãe e ela tentou sorrir.

-O que foi, mãe?

-A coisa não esta boa, filho. Você entrou em… Não sei. Uma ausência. Achamos que… Pensamos que você… – A mãe não conseguia falar. Ela agarrou forte a mão do filho e beijou.

-Não se preocupe, mãe. Eu estou bem. – Ele disse, confiante.

Diona Sandra não aguentou ouvir aquilo e começou a chorar convulsivamente. Pediu desculpas e saiu do quarto.

Bruno ficou só no quarto do hospital. Era um quarto bom, com televisão e frigobar. Apesar do soro enfiado no braço ele não estava desconfortável.

A porta do quarto abriu e entrou um medico de cabelos brancos e bigode, e uma enfermeira. A enfermeira trazia uma maleta azul parecida com mala de pesca. Ela colocou no sofazinho e começou amontar uma geringonça que não dava para ver. O médico se aproximou do  pé da cama.

-E aí campeão? – Perguntou o doutor.

-Opa.

-Tá legal? Acordou, né? Ta tonto?

-Não. Tô bem.

-Você deu um susto na galera. Quase foi parar no CTI, sabia?

-É… Meio que percebi pelas reações quando acordei.

-É o Linfoma de Hodkin 4 B… – Disse o médico consultando anotações do bolso.

-Ai! – Disse Bruno ao notar que a moça havia espetando o braço dele. Ela estava colhendo sangue.

-Nós vamos fazer de tudo para você ficar confortável, meu amigo.

Pelo tom do médico Bruno percebeu que a coisa não estava boa.

-O senhor está me desenganando?

-Olha, rapaz… Não pensa nisso. Pensa em como você viveu sua vida tão linda até hoje…

-Hum. – Disse Bruno, pegando o controle para ligar a tv. O médico percebeu o desdém e colocou-se à disposição de Bruno. Depois saiu, junto com a moça do laboratório.

Bruno se distraiu vendo um programa de calouros na Tv. Então foi ficando tonto, tonto e tudo se apagou. Quando ele abriu os olhos, estava com a maca andando. Os médicos estavam levando ele, parecia um centro cirúrgico.

-Ele acordou! – Disse o maqueiro para uma enfermeira que acompanhava a maca.

-Oi. Tudo bom? – Ela perguntou.

-Oi. Onde… Pra onde estão me levando.

-Calma. Relaxa. Não se preocupa. É só um examezinho…

-Bruno fechou os olhos. Sentia-se tonto. Não estava entendendo. Sentiu frio. Estava na sala do aparelho. Ouviu o barulhão, mas tudo estava confuso. Ele parecia grogue, dopado. Ouviu os médicos falando mas não conseguia entender.

Acordou no quarto novamente. Uma enfermeira usava um esfigmomanômetro para anotar a pressão dele.

-Doze por oito! Coisa linda. – Ela disse.

A mãe de Bruno dormia no sofazinho. Ele olhou a hora no relógio da parede três e vinte da madrugada.  Virou para o lado com cuidado para não repuxar a mangueirinha do soro e dormiu.

-Acorda, filho. Chegou seu café. – Disse a mãe dele.

Bruno abriu os olhos e viu a moça trazendo o café numa bandeja. A mãe ajudou a colocar sobre a cama. Um botão ajustou a cama na inclinação perfeita. A mãe de Bruno parecia curiosa. Estava olhando para ele sem parar enquanto ele comia.

-Tudo bem mãe? Que foi?

-Nada… Nada… O medico veio aqui e…

-Veio? Aqui?

-Você estava dormindo. Eles vão refazer os exames. Parece que… Parece que aconteceu uma coisa no seu sangue. O medico acha que foi erro do laboratório.

-Hã? Vão tirar mais sangue?

-Não. Já tiraram. Estamos esperando os resultados. O medico vai vir aí. Já está descendo. Fizeram exames em você a madrugada toda.

-Eu… Eu acho que me lembro, mas…

-Come seu pão.

-Tá…

Minutos depois chegou o medico, mas não estava sozinho. Havia pelo menos outros três com ele. Médicos que ele nunca tinha visto.

A mãe de Bruno caiu sentada no sofá quando os viu entrar. Ela estava tremendamente aflita e tremia feito vara verde.

-Bruno… Tudo bom amigão?  – Disse o Médico.

-Sim. Tudo bem.

-Você lembra da coleta que fizemos do seu sangue ontem, né?

-Lembro… Lembro sim.

-Então… Depois que saiu o resultado do laboratório… Eu vi e achei que tinha alguma coisa errada. Pensamos que era um erro do laboratório. Seu sangue… Eu nem sei como vou dizer isso, vai parecer maluquice. Nós falamos com sua mãe…

-Fala logo!

-Seu sangue está diferente! A análise do seu sangue era uma quando você deu entrada na emergência desacordado. Depois de acordar era outro. Repetimos o exame e o resultado mostrou outra mudança. Não há como explicar isso sem usar a palavra…

-Milagre! – Disse Sandra, tentando enxugar as lágrimas.

-Exatamente. Aqui estão os laudos. O seu linfoma… Eu não entendo como. Ninguém sabe bem como foi que aconteceu, mas…

-Ele sumiu? Ele sumiu? Eu tô curado?

-É como se você nunca tivesse tido nem gripe! – Disse um dos médico com o prontuário na mão.

-Vamos ter que fazer mais exames complementares, ver o que foi isso, como aconteceu essa recuperação espantosa. É uma reação inédita do corpo.

-Eu, eu estou de alta?

-Não tem porque prendermos você aqui. Não tem doença alguma a ser curada. Nós reviramos você no petsacan. Eu já vi muita coisa interessante e curiosa em trinta anos de carreira, mas nada foi igual a isso, meu rapaz. Sua doença fez “pluft”!

A mãe de Bruno se jogou sobre ele chorando, e o abraçou fortemente.  – MIlagre, Milagre, ela gemia. Meu filhinho….

CONTINUA

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Philipe, o conto tá excelente! Estou super curioso pela continuação!
    Apenas uma dúvida: no meio do texto, aparece que o Bruno acordou num quarto de Hotel. Não seria um quarto de hospital?

  2. Engraçado que mesmo sendo uma ficção, e um modo tenebroso de se curar de uma doença, a parte final desse texto me arrepiou todo. É que coisas assim deveriam acontecer mesmo todos os dias(não to falando do bode preto), cura!

    • PArece que acontecem. A remissão espontânea ocorre e é muito comum. O lance é que na ampla maioria dos casos, nego entra em desespero logo no diagnostico, sai tomando tudo que é chá, levando passe corre para a igreja do pede-dízimo. E aí quando rola a remissão espontânea, só pode ser: O chá milagroso, o pastor ungido, a cura dos irmãos de luz… Enfim.

      • Philipe, vai me desculpar mas remissão espontânea realmente não existe. O indivíduo coloca em marcha uma força que tem como resultado a cura. Acredite, este universo é um modelo de ordem, nada acontece por acaso, nem por acidente ou coincidência, não é porque não vemos a causa que ela não existe. Por isso, não acredito em doenças espontâneas nem muito menos curas espontâneas. Sofri bastante para aprender isso.
        Existem dois livros, “Com a vida de novo” Carl Simonton e “Amor, Medicina e Milagres” , Bernie Siegel, que ilustram bem do que o ser humano é capaz, interiormente, de produzir tanto o bem quanto o mal para si mesmo.

          • Cara, eu não soube me expressar, estou escrevendo mal. Conheço pessoas desenganadas que se curaram, mas não foi “espontâneo”, elas tiveram participação ativa na cura, de uma forma ou de outra, e foram terapias alternativas, não convencionais.

  3. Esse conto tá muito foda!
    ps: Tive que pesquisar o que é um esfigmomanômetro, que nome complicado para um aparelho tão comum!

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