Por alguns anos, eu dei aulas de escultura. Eram cursos bem básicos, pra pessoas que nunca tinham esculpido de verdade na vida. O grosso da galera era gente de produtoras, agências, empresas de 3d… Normalmente eu tinha um pensamento de que todo mundo poderia, com esforço, desenvolver grande habilidade em absolutamente qualquer coisa. Aquele lance das “dez mil horas.”
Pelas minhas mãos passaram centenas de alunos e pude observar sua evolução nos projetos. Havia mais ou menos uns 10% que não conseguiam fazer nada. Pareciam ter duas mãos esquerdas. Na outra ponta, tinham os que evoluíram rápido, também uns 10%. O resto era a média que eu estava enjoado de ver. Mas então, um dia, numa turma nova aconteceu algo interessante.
Tinha uma menina que era absolutamente fora de qq padrão que eu tinha visto. Em poucos segundos ela fazia as coisas. Achei intrigante e concluí que estava diante de uma profissional. Mas não, ela também estava chocada, pois nunca tinha esculpido NADA na vida. Eu dei uma massa pra ela e disse “tenta fazer uma cabeça humana aí” Mermão, eu devia ter tirado uma foto.
A mulher pariu em minutos uma cabeça PERFEITA. Era como estar diante de um mestre cascudo. Cada movimento dela era um gol. Era preciso, limpo. Era como ver o Philippe Faraut trabalhando. Os colegas pararam, acabou a aula e ela lá arregaçando na modelagem. E ali eu vi que era algo muito fora do normal na arte da escultura. Nem ela sabia explicar como ela sabia fazer. Os colegas brincaram que ela já veio de fabrica com os drivers pré-instalados.
As vezes, na peneira, vem um diamante.
É triste imaginar que muito provavelmente deve nascer um monte de gente com os mais variados drivers pré-instalados assim, mas nunca acontece uma conjunção situacional que a pessoa descubra o talento oculto. Imagina se Mozart tivesse nascido numa família de ferreiros, ou criadores de cabras? Talvez ele fosse só mais um pastor anônimo, como centenas de milhares na história.
Muitos professores podem passar a vida toda ensinando e não achar uma pessoa assim, muito fora da curva. O grau de raridade pode ser tamanho ao ponto de o senso comum pensar que não existem. Surgem as mais variadas hipóteses pra explicar, de vida passada a escolhido de Deus. A explicação eu não sei, mas é o tipo do troço que quando você vê , você sabe. Espero que ela tenha persistido na atividade.
Eu sempre digo: Em algum lugar do mundo tem um mendigo que consegueria bater um recorde mundial ou ganhar uma medalha de outro na Olimpiada, faltou para ele apenas oportunidade. Geral ri achando que é piada. Eu nao ligo. Eu nao só acredito, eu tenho certeza. O Brasil perde muito por nao tentar descobrir e incentivar seus talentos. Qnd digo incentivar quero dizer custear, algumas coisas requerem talento e dedicaçao, nao pra pessoa ralar da 8 as 17 ser o melhor do mundo, até existe quem faça isso, mas é raro. Abraço!