Tenho um compadre cabuloso que só. Um porre!
Cheio de nó pelas costas, amarrado, mas estribado feito a murrinha. Encarnou bem um mês em mim, adulando promode eu espiar a trepeça de um computador “rochedo” que ele tinha comprado.
O cabra tava tão azoretado com o mondrongo, que passava o dia escanchado nele e a noite sem cochilar. Não arredava o pé nem pra ir no aparelho e chega ficou mofino de não comer. Até que eu criei coragem pra avoar da rede, amontar na magrela, deixar de ser tratante e não farrapar mais com ele.
Cheguei impando na casa do desinfeliz. Pipocando de suor, bufando de tão esbaforido e com a calça descosida noparreco (do esfregado da cela de mola). O compadre me deu um abano e uma meiota de garapa (pra abaixar o mormaço), conversou um tanto de miolo de pote e disse (apontando pro bicho): “Diga aí: tu visse? É cabaço!”.
O tribufu medonho parecia uma televisão encangada com uma máquina de escrevinhar. Tinha até transformador. Só que o controle remoto eraapregado num fio.
Foi aí que eu atinei porque o infeliz das costas ocas não saia de riba do cafinhoto. Depois de afolozar uma ingrisia, encarcar um negócio do coisae catucar num pitoco, começou a passar a calunga se bulindo de uma rapariga (amostrando a periquita) e a estampa de uma quenga com a saia alevantada (aparecendo o oiti).
Bem nessa hora chega a nêga véia dele, desplanaviada (saída não sei de onde), e danou-se foi tudo! Era uma sarará caraôia (zarôia) e guenza, com um dente faltando, o outro cariado, o nariz de porrote e buchuda, mas braba que só um siri na lata (parecia uma capota choca) e berrando feito uma gasguita. Avalie.
Deu-lhe um muxicão e um esporro do estupor, avacalhando o miserento com gosto de gás: “É por isso que tu num quer xumbregar mais eu! Né, estrupício?”.
Fiquei meio aguado (todo empulhado e amojado), tapeando pela beirada do birô e me fazendo de alesado (pro bafafá não sobrar pra mim), sem poder acudir. Mas tu pensa que depois disso o sonso (cara-lisa) do maluvido se aperreou?
Largou foi da mulher, mas não deixou o computador nem com a pleura!
AUTOR: Gustavo Arruda
Eu não tenho o costume de colocar textos de outros autores aqui no Mundo Gump, mas achei tão impressionante este texto, que acredite ou não está escrito em português, que não posso deixar de divulgá-lo. Para quem curtiu e quer conhecer mais textos desse cara, ele tem um livro chamado deu com a Pleura, que está sendo vendido on line.
Para quem ficou na duvida sobre alguns dos termos usados no texto, confira no glossário:
Glossário:
Abano – Leque
Acudir – Socorrer
Adulando – Insistindo
Afolozar uma ingrisia – Folgar uma coisa complicada
Aguado – Sem graça (sem gosto, com pouco açúcar, com gosto de “água”)
Alesado – Abobado
Aparelho – Vaso sanitário
Arredava o pé – Afastava-se (do Latim, “adretrare” = ir para trás)
Atinei – Percebi (tomei “tino”)
Avacalhando o miserento com gosto de gás – Desmoralizando o infeliz com vontade
Avalie – Imagine
Azoretado – Nervoso
Bafafá – Confusão
Braba que só um siri na lata – Muito valente
Buchuda – Grávida (“bucho” = barriga)
Bufando – Sem fôlego
Cabaço – Novo (do Quimbundo, “kabasu”)
Cabra – Indivíduo
Calunga se bulindo de uma rapariga – Desenho se mexendo de uma mulher desavergonhada
Capota choca – Guiné (galinha-d´Angola) com filhotes
Caraôia (zaraôia) – Estrábica, vesga
Catucar num pitoco – Mexer num botão
Cabuloso que só. Um porre! Cheio de nó pelas costas, amarrado, mas estribado feito a murrinha – Muito chato. Insuportável! Complicado, avarento, mas muito endinheirado (“murrinha” = febre que acomete galinhas e bodes, causando a morte)
Danou-se – Complicou-se
Descosida – Descosturada
Desplanaviada – Alvoroçada
Empulhado e amojado – Envergonhado e cabisbaixo
Encangada – Unida
Encarcar – Apertar
Encarnou – Insistiu (entrou na “carne”)
Esbaforido – Sufocado
Escanchado – Trepado
Espiar – Olhar
Esporro do estupor – Grande repreensão
Estampa de uma quenga – Figura de uma prostituta
Estrupício – Esquisito
Farrapar – Falhar
Gasguita – Pessoa de voz esganiçada (estridente), que fala esgoelando-se
Guenza – Muito magra
Impando – Ofegante
Infeliz das costas ocas – Mau elemento
Largou – Abandonou
Magrela – Bicicleta
Máquina de escrevinhar – Máquina de “escrever”
Meiota de garapa – Meia garrafa de água com açúcar (para acalmar)
Miolo de pote – Porcaria
Mofino – Abatido
Mondrongo – Monstrengo
Mormaço – Dia encoberto, quente e úmido
Muxicão – Beliscão
Nariz de porrote – Nariz achatado na parte inferior
Nêga véia – Esposa
Nem com a pleura – De forma alguma (“pleura” – membrana que envolve os pulmões externamente)
Oiti – Ânus
Parreco – Nádegas
Periquita – Vagina
Pipocando – Explodindo (como “pipoca”)
Riba do cafinhoto – Cima (do Latim, “ripa” = margem elevada) do diabo
Rochedo – Muito bom
Sarará – Pessoa de feições negras e cabelos alourados ou avermelhados (palavra de origem tupi, “sara-ra” = que tem pêlos ruivos)
Sonso (cara-lisa) do maluvido se aperreou – Cínico teimoso se preocupou
Tapeando pela beirada do birô – Disfarçando na quina (“beira”) da escrivaninha (do Francês, birô = “bureau”)
Trepeça – Porcaria
Tribufu – Coisa feia
Visse? – Corruptela de “ouvisse?”
Xumbregar mais eu – Namorar agarrado comigo
Sou paraibano e entendi perfeitamente o texto.
Mas é fato que o cara aí deu uma forçada de barra federal, pois ninguém mais, hoje em dia, fala desse jeito. Nem minha avó (sertaneja nascida e criada) falava desse jeito.
A verdade é que o texto usou um vocabulário antigo, com mistura de termos usados por todo o nordeste, principalmente Paraíba, Cerá e Bahia.
Agora o autor devia preocupar-se mais com a pronúncia desses termos, pois não falamos “periquita”, mas sim “priquito”, nem “estupor”, mas sim “ixtopô”, nem “infeliz das costas ocas”, mas sim “infiliz das coxta ôca”, entre outros.
Acredito que o texto ficaria mais bacana e mais original, se ele utilizasse apenas termos ainda em uso, e grafasse as palavras utilizando a pronúncia correta.
Obs¹.: O termo “maluvido” foi utilizado de forma incorreta, pois este significa “mal ouvido” (que ouve, mas finge que não) e é usado para designar criança desobediente.
Obs².: “Traduziram” “ingrisia” como sendo alco complicado e está correto, mas a origem da palavra vem de “Inglesia” (coisa de inglês (o inglês para o sertanejo antigo, era muito complicado realmente).
Para aprender, recomendo escutar o “Programa do Mução”, que passa na rádio das 17:00h às 18:00h (via satélite para todo o Brasil), ou então pelo site http://www.mucao.com.br, onde também poderão baixar gravações e “pegadinhas” feitas pelo locutor e equipe.
Concordo que forçou um tanto, mas no interior de alagoas tem quase todos estes termos… em uso.
trabalhei com pescadores e eles usam quase todos os do texto.
agora é como voce falou, ficava melhor se mantivesse a pronuncia original.
De boa, Philipe…
Não gostei. :(
Nem Guimarães Rosa misturava tantas palavras assim!
Certamente é proposital.
nao gostei, sou do interior de Minas, entendi perfeitamente, mas achei muito forçado
ué,eu sou carioca e tb entendi… claro que talvez 1 palavra ou outra tenha que ser lida 2 vezes, e talvez eu tenha entendido errado,mas acho que não.
Agora, eu prefiro os textos originais do Gump!
acho que ele tentou seguir o estilo do Jessier Quirino mas realmente o vocabulário ficou muito carregado não ficou natural.
Aliás, Jessier Quirino é muito bom mesmo recomendo, se conseguirem
achar o cd pra comprar vale a pena =D
Jessier Quirino é o cara!
Num sei se posso fazer isso.
Saca aew galera, Jessier Quirino!
http://www.youtube.com/watch?v=_suGTnwXcto
Sou mais os seus textos…
;)
conheço esses termos ^^
deu pra entender legals :p
Minha cabeça doeu só de tentar ler os 4 primeiros parágrafos :(
nao sei se posso²
esta letra(uma parte dela, pois é muito grande) é de jayme caetano braun, o nome é bochincho pra quem quiser escutar, uma lenda do RS.
A um bochincho – certa feita,
Fui chegando – de curioso,
Que o vicio – é que nem sarnoso,
nunca pára – nem se ajeita.
Baile de gente direita
Vi, de pronto, que não era,
Na noite de primavera
Gaguejava a voz dum tango
E eu sou louco por fandango
Que nem pinto por quireral.
Atei meu zaino – longito,
Num galho de guamirim,
Desde guri fui assim,
Não brinco nem facilito.
Em bruxas não acredito
‘Pero – que las, las hay’,
Sou da costa do Uruguai,
Meu velho pago querido
E por andar desprevenido
Há tanto guri sem pai.
No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
Chinaredo à bola-pé,
No ambiente fumacento,
Um candieiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!
Dei de mão numa tiangaça
Que me cruzou no costado
E já sai entreverado
Entre a poeira e a fumaça,
Oigalé china lindaça,
Morena de toda a crina,
Dessas da venta brasina,
Com cheiro de lechiguana
Que quando ergue uma pestana
Até a noite se ilumina.
Misto de diaba e de santa,
Com ares de quem é dona
E um gosto de temporona
Que traz água na garganta.
Eu me grudei na percanta
O mesmo que um carrapato
E o gaiteiro era um mulato
Que até dormindo tocava
E a gaita choramingava
Como namoro de gato!
A gaita velha gemia,
Ás vezes quase parava,
De repente se acordava
E num vanerão se perdia
E eu – contra a pele macia
Daquele corpo moreno,
Sentia o mundo pequeno,
Bombeando cheio de enlevo
Dois olhos – flores de trevo
Com respingos de sereno!
Mas o que é bom se termina
– Cumpriu-se o velho ditado,
Eu que dançava, embalado,
Nos braços doces da china
Escutei – de relancina,
Uma espécie de relincho,
Era o dono do bochincho,
Meio oitavado num canto,
Que me olhava – com espanto,
Mais sério do que um capincho!