O experimento Carlson parte 18

Levou alguns segundos para que Carlson habituasse seus olhos ao brilho cegante do sol. A luz fortíssima castigou seu corpo nu. Ele se virou para trás e o que viu foi a enorme esfera espelhada levitando atrás dele. Estava novamente no deserto, rodeado de pedras ainda molhadas, que há poucos segundos atrás estavam na caverna. Todas as rochas e inclusive um pedaço enorme do paredão da caverna estavam caídos ao seu redor.

Morten levantou-se o mais rápido que seus músculos extenuados permitiram. A areia estava escaldante. Olhou ao redor. A esfera estava parada, não emitia som ou trazia qualquer indício de um motor. Ele olhou as pedras. Seu traje estava ali no chão em meio as rochas. Algumas das maiores pedras haviam sido cortadas como se a esfera tivesse feito um recorte no ambiente e tele transportado tudo dentro desse campo para outro lugar.
O corte era preciso, limpo, polido. Era um recorte molecular nas rochas.
-Incrível – Ele gemeu, constatando que só poderia estar diante da inteligência alienígena.
Talvez a bola fosse o alienígena. Talvez um robô. Talvez um veículo esquecido na evacuação do planeta…
As perguntas e acumulavam em sua mente, à medida em que ele desajeitadamente tentava vestir o traje. Seu corpo estava cheio de areia colada na pele e vestir o macacão térmico, mais o traje de proteção todo molhado era tarefa incrivelmente desagradável.

Carlson se sentia tonto e muito enjoado. Achou que fosse vomitar, mas segurou. Recolocou devagar a mochila nas costas e se afastou lentamente, sem tirar os olhos da bola. Ela ficou ali. Levitava a cerca de quarenta centímetros das pedras no chão.

Ele não sabia bem onde estava. A esfera poderia tê-lo levado a qualquer lugar. Com o computador do traje desligado e sem pontos claros de localização, ele poderia estar em grandes apuros. Pela posição do sol estimou que devia ser perto do meio dia. Na caverna do rio subterrâneo, ele havia perdido completamente a noção do tempo. Talvez, se passasse a noite no meio da planície, poderia tentar reconhecer as constelações malucas, como a do leiteiro, do fusca ou a do Rocky Balboa e ter uma vaga noção de que direção seguir. Mas esperar escurecer traria sérios problemas. Ele não estava aguentando andar. Seu corpo estava seriamente machucado. O traje estava pifado, sem energia e não iria manter a temperatura nas seis horas de escuridão abissal e frio torturante. A roupa ainda estava molhada, para piorar.
Pesando a situação, Carlson concluiu que estava com grande risco de “empacotar” nas próximas sete horas.
Ao longe, havia uma montanha. Estava há pelo menos três dias de caminhada, estimou. Em suas condições de marcha certamente em sete ou nove dias. Isso na hipótese remota de conseguir cumprir o percurso.
Os pensamentos eram desmotivantes. Ele se sentou. Talvez restasse apenas esperar a morte.
Carlson ficou ali pensando por um momento: E se a bola servisse de fonte de calor na noite como serviu na caverna?
Ele se virou para a bola. Ela estava se movendo. Andava devagar, vindo na direção dele.

Assustado, Carlson se levantou e vez menção de correr, mas sua perna já nem sequer lhe obedecia aos comandos.

Saiu como conseguia, arrastando a perna como um aleijado para longe da bola. A bola parou a uns trinta metros dele.

Morten achou estranho, mas a bola parar foi um alívio. Temeu ter que realizar a antológica cena da bola de pedra vindo atrás do Indiana Jones. “Um indiana Jones bem encardido. Tô mais para A Volta dos Mortos vivos“, pensou e sorriu.
O sol começava sua descida em direção ao horizonte. Carlson podia ver as pequenas sombras azuladas crescendo na base de cada uma das pedrinhas no chão do deserto. O vento já começava a dar as caras. Era impressionante como o calorão abafado e seco logo iria se converter num sopro gelado e cortante, incessante, inclemente, a varrer a superfície plana e pálida do deserto, como uma foice invisível.

Carson ficou olhando para a bola e para os reflexos dançando em sua polida superfície.
– “O que é isso, meu Deus?”

Ele se levantou e com cuidado e muito medo, foi até a bola. Parou a cerca de dez metros da esfera.

-Oi? … Oi? Tem alguém aí? Alô? Alôôô?- Ele gritou.

A bola não respondia. Nem reagia. Ficou ali, levitando. Uma coisa completamente sem noção.
Como a bola não reagia, e vendo que não ira ter solução visível para comunicar com o misterioso objeto, Carlson abaixou-se pegou uma pedra e jogou na esfera. A pedra bateu na bola e caiu no chão. Nem sequer arranhou a superfície. Não houve reação. A esfera de metal não se moveu sequer um centímetro na posição com o impacto, nem houve qualquer amassado visível na superfície.

Desanimado, Morten Carlson seguiu seu caminho. Decidiu deixar a bola para trás e procurar abrigo para a noite terrível que já se anunciava. Estimou que teria ainda mais uma hora ou menos de luz. Aí viria o frio. Se ele se esforçasse conseguiria andar por umas duas horas, até que o frio o paralisasse.
Fechou os olhos, torceu pelo melhor e seguiu em frente, tentando não pensar no pior.

Morten havia andado um tanto, quando se virou e notou que a bola estava seguindo-o. Sempre que ele parava, ela parava junto, mantendo-se longe dele numa espécie de “distância segura” de 50 metros.

-Ah só me faltava essa. O bagulho parece um cachorro vira-lata. – Gemeu entre os dentes. Estava tremendo. O traje molhado estava horrível de frio.
Carson continuou a seguir, com seu passo lento, quase tendo que puxar a perna semi-morta. Não sentia o pé esquerdo direito. Talvez já fosse um efeito da hipotermia ou um efeito nos nervos da perna.
Ele passou a andar um tanto e parar para descansar. Tinha sede. Andar e respirar pela boca aquele ar gelado secavam seus lábios. Sentou-se numa pedra e abriu a mochila. Alguns compartimentos internos haviam encharcado e ele acabou achando água em lugares que não imaginava. Cada gota era preciosa. Ele sabia que teria que beber logo pois no meio da madrugada do planeta aquela agua toda certamente acabaria congelando.
Tentou inicializar o traje diversas vezes, mas nada dele ligar. Nem a energia de emergência dos conversores térmicos havia sido recarregada com as horas de sol escaldante, o que era esquisito e deveras preocupante.

Ele recolocou a mochila e retomou a marcha, com os olhos fixos nas constelações. Volta e meia um cometa esverdeado cruzava os céus. Ao longe, vislumbrou as ondulações esverdeadas de uma aurora boreal.
Ele parou para admirar a aurora, quando notou que estava sozinho na imensidão. A bola parecia ter sumido.

Carlson olhou ao redor e baixando-se contra o solo, usando a mesma técnica dos caçadores africanos, encontrou silhueta escura da bola contra o céu estrelado. Estava relativamente longe. Ela não mais o seguia. Estava agora seguindo um caminho próprio.
Aquilo o intrigou.
-Ué. Ela sabe para onde está indo? – Pensou.

Carlson não sabia bem por que, mas resolveu dar meia volta e seguir a esfera. Precisou apertar o passo, o que impôs dores latejantes no joelho machucado. Mas como a esfera voava lentamente, em cerca de meia hora ele chegou a cinquenta metros dela.

A esfera seguiu em direção a um labirinto de pedras que afloravam do solo. Essas pedras foram surgindo na escuridão. A primeira delas quase derrubou Carlson no chão. Sem as luzes do traje, ele andava quase às cegas, abaixando-se para ver com enorme dificuldade com o fraquíssimo brilho das estrelas pra que lado a bola seguia.

Abaixar-se contra o solo era uma atividade lazarenta, pois o vento perto do solo sorava de forma inesperada, às vezes levantando a poeira fina.
Conforme ele arrastava sua carcaça combalida pelo deserto escuro, notou que estava ficando mais e mais difícil de andar. O cansaço tinha uma explicação óbvia. Ele estava subindo um tipo de aclive. As rochas pontudas subiam do solo como enormes espinhos, algumas bem altas. Pareciam colunas antigas soterradas no solo pedregoso.
Carlson viu a esfera parada no alto da colina.
“Graças a Deus esse desgraçado parou”… Pensou.
Seu peito ardia. Tentou mais uma vez ativar o traje mas nem a luz de controle estava acendendo. A melhor hipótese é que o traje deveria ter entrado em curto no tele transporte.
O vento frio era inclemente.
Carson hesitou em continuar avançando até a esfera. Ela estava parada no alto da colina já tinha quase de minutos. Não foi pra nenhum lugar, nem desceu ou subiu. Ficou lá, parada.

Suas forças haviam acabado. Carlson decidiu que passaria a noite ali, encolhido aos pés das colunas de rocha que afloravam do solo em todos os tamanhos, tremendo, à espera da hipotermia derradeira que o retiraria do mundo dos vivos.
Ele se encolheu e ali ficou. Parado, os joelhos apertados contra o peito. As mãos ardiam com o frio. Ele bafejou nas mãos tentando aquecê-las.
Seria a pior noite de todas e a madrugada fatal estava apenas começando.

Já havia passado uma meia hora de pura agonia, quando sua mente lhe pregou uma peça: Ele se lembrou da temperatura maravilhosa da superfície daquela bola. Tudo que ele queria agora era se levantar e andar míseros cinquenta metros morro acima para agarrar-se como um carrapato na bola e acumular o precioso calor que emanava dela.
Talvez não fosse má ideia gastar as últimas fagulhas de energia para isso. Talvez a esfera estivesse parada para esperar que ele fizesse exatamente isso. E se, ao agarrar de novo na esfera? Ela o levaria para outro ponto? Talvez fosse assim que os alienígenas se moviam pelo planeta inóspito… Quem sabe?



Com um gemido rouco, Carson tossiu e levantou seu corpo, apoiando-se contra a pedra gelada.
Ele seguiu com grande dificuldade na direção do topo da colina.
Quando finalmente chegava no alto da colina, onde o vento castigava com mais e mais forças, Carlson viu uma estranha luz vermelha surgindo lá de baixo.

-Mas, mas o que diabos é isso?

Ao se aproximar da bola e olhar na base da colina, do outro lado ele viu o que não esperava: Era a base chinesa.
Um complexo enorme de blocos brancos, com refletores iluminando tudo ao redor. Painéis solares revestiam as superfícies superiores, refletindo como espelhos as estrelas do céu escuro. Antenas grandes e finas subiam em direção ao céu com pontos de luz vermelhas em suas extremidades.

-Caramba! É enorme! – Ele disse sorrindo. – Estou salvo, puta que pariu!

E começou sua jornada de descida em direção a base dos chineses.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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