O experimento Carlson – Parte 25

Ainda com os olhos apertados, Carlson sentiu o chão sumir debaixo de seus pés.
Seu corpo rodopiou no vazio, e ele caiu pesadamente no solo.

Tateou o chão e sentiu a areia. Sua cara estava cheia de areia. Sua boca, nariz e cabelos estavam repletos de sujeira. Ele tentou abrir os olhos com dificuldade. O pó tinha gosto ruim e ele tentava respirar e tossia. Ao mesmo tempo, uma dor gelada no peito parecia indicar que ele estava tendo um problema cardíaco.  Carlson temeu a morte, mas estava lutando pela vida, buscado ar desesperado.
Quando gradualmente foi “voltando” sua consciência, ele percebeu que havia sido impactado pelo clarão do orbe, talvez jogado para cima, mas quando finalmente conseguiu abrir os olhos, notou que não estava no mesmo lugar. O corpo de Petra não estava ali. Nem sua mochila. E nem a arma.

O corpo do salsichão bizarro havia desaparecido. Ele estava tonto. A dor no peito estava diminuindo.

Morten Carlson apenas praguejou mentalmente. Caiu de joelhos no chão, tossindo muito e vomitou uma gosma escura e pegajosa. Aquilo o assustou.

Após alguns minutos tentando se recuperar, ele bateu o pó que recobria o corpo. Limpou como pode os olhos, que ardiam muito e tentou se por de pé novamente.  O ambiente ao seu redor era completamente diferente. O painel do traje em seu braço estava queimado. Não havia energia, e ele pensou que talvez uma das trilhas que havia construído no abrigo chinês poderia ter se rompido com o impacto. Seu pescoço estava ardendo um pouco.
Carlson  fixou o olhar em uma coluna de pedra que estava diante dele, cerca de vinte metros. Não havia sinal do orbe prateado em lugar algum. Sem o painel eletrônico do traje, ele não sabia que horas eram. Estimou pela luz do sol que talvez faltassem duas ou três horas para o início da noite.
Morten seguiu seu caminho na direção da enorme coluna. Conforme se aproximava, notou outra, e outra, até uma escadaria que levava a cidade perdida. Estimou que talvez estivesse do outro lado da região das ruínas.
Conforme andava, atravessava diversas pequenas dunas de areia, que se alternavam com o solo liso e compactado de algum tipo de quartzo.  Foi numa dessas pequenas dunas que ele notou pegadas. Pegadas bem marcadas, que ele conhecia.

-Petra!  – Ele pensou. Olhou ao redor em busca de algum sinal.

Carlson imaginou que ela talvez tenha recobrado os sentidos antes dele. Talvez tenha sido largada em outro local. Sem duvidas as marcas do solado das botas eram das botas dela. Ele viu que as pegadas sumiam e poucos metros à frente, pois a área de areia dava lugar a um amplo platô de pedra.  Logo mais à frente, elas ressurgiriam, com menor definição, pois a areia estava mais grossa, repleta de pequenas pedrinhas, e o rastro levava inequivocamente na direção da cidade.

Ver aquilo lhe deu uma esperança, uma sensação boa. Mas como ela estava conseguindo andar? Ela estava com o braço quebrado. Devia estar sentindo uma dor excruciante.

-Petra! Petra! – Ele gritou em busca de resposta. Esperou a resposta por algum tempo, mas ela não veio.
Carlson tentou assoviar, mas ainda assim, de resposta só obteve o eco do próprio assovio, e o som do vento que gradualmente começava a aumentar, anunciando mais uma noite fria chegando no deserto.  O vento levantava a poeira em nuvens espessas, reduzindo a visão da cidade perdida a pouco menos que uma dezena de metros.

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O céu estava todo laranja conforme a distante estrela descia para seu mergulho no horizonte. As colunas erguiam-se como pontas escuras mirando o céu. A paisagem com as escadas e colunas era linda, mas ele não tinha tempo a perder com contemplação.  Conforme andava, percebeu algo curioso: Sua dor no joelho esquerdo havia desaparecido completamente.

Ele seguiu em frente e sabia que o fato de ter conseguido identificar a pegada de Petra indicava que ela havia passado por ali momentos antes, pois do contrário, o vento forte que precedia a noite apagaria todo e qualquer sinal dela.

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Morten se apressou a caminhar para as ruínas. Enquanto andava, pensava sobre sua própria expectativa de sobrevivência, que agora era nula. Sem o reparo no traje, que ele não teria como fazer, ele certamente não escaparia do rigor do frio da próxima madrugada devido a amplitude térmica brutal do planeta misterioso. Sem a mochila para filtrar água da atmosfera e poder se hidratar, sua contagem regressiva para morrer estava sacramentada. Ele sabia que sua única esperança seria vasculhar entre as ruínas em busca de abrigo e alguma fonte de água. Morten sabia que com sorte poderia vasculhar a cidade até encontrar de novo o buraco que levava ao rio subterrâneo, para tentar um jeito de tirar a água de lá.
Quando Morten chegou na coluna de pedra, viu como ela era grande. Um monólito compacto de um material parecido com rocha vulcânica. Diferente das pedras vistas antes, que pareciam mais precisas em seus cortes, como sendo esculpidas com algum tipo de raio laser, essas pedras eram mais velhas, estavam mais desgastadas e danificadas pela erosão. Talvez essa parte das ruínas fosse ainda mais antiga que as construções destruídas que ele já tinha visto.  Avançou até chegar nas escadas. Elas subiam como platôs, muito largos e com degraus bem altos. Muito mais altos do que ele esperaria encontrar numa construção humana.
Conforme subia, percebeu as escalas das coisas e imediatamente, uma ideia lhe ocorreu: Diante daquele cenário ao seu redor, ele parecia um anão. Isso significava que quem quer que tivesse construído tudo aquilo, devia ser muito mais alto que ele.

Os rastros de Petra haviam sumido há algum tempo. A luz caía muito rapidamente. Ele sabia que era questão de minutos para imergir em total escuridão.

Andar pelas ruínas sem enxergar nada poderia ser perigoso. Um passo em falso, poderia levá-lo a uma queda, ou pior, um desabamento. Uma só pedra que tombasse sobre ele decretaria seu fim.  Por outro lado, esperar ou perder tempo em qualquer área aberta sem abrigo do vento seria morte certa.

O vento já assoviava fortemente passando pelas vielas lajes e cantos da cidade perdida.

Carlson adentrou o que acreditou ser “o templo”: uma grande construção monolítica,  ao qual para ela afluíam diversas daquelas escadas de degraus enormes.

Uma vez lá dentro, estava protegido das rajadas de vento congelante, mas ainda sentia um tenebroso frio permanente que não se diferia muito dos arrepios de medo que também o torturavam. Aquele lugar era estranho, ele quase podia sentir um tipo de “energia” emanando do lugar.

Morten se ajeitou precariamente entre duas grandes pedras de perfil retangular que haviam despencado do teto, formando um abrigo em forma de V invertido. Ele verificou com cuidado se era realmente seguro. Empurrou as pedras com força, para ver se elas se moviam, mas cada uma pesava facilmente mais de duas toneladas.  Então, ele procurou mais algumas pedras menores na esperança de formar uma parede, mas todas elas estavam presas ou eram pesadas demais para uma só pessoa arrastar. A essa altura, já não se via praticamente nada dentro do templo. Ele encostou-se precariamente, se encolheu o melhor que conseguiu, e esperou que o frio chegasse.

Lá fora, o vento açoitava os paredões, as muralhas e as colunas. O som lembrava um lamento odioso. Carlson sentia suas orelhas ardendo de frio. Era um breu total, mas o frio e o sistema térmico do traje pifado não deixavam dormir. Ele também estava com medo de dormir pela última vez, se conseguisse.
Então enquanto ouvia o ruído  das pedras areia e vento lá fora ele pareceu reconhecer um grito. Um grito de Petra.

-Socorro!

Carlson se levantou, Saltou de baixo das pedras e gritou por ela:

-Petra? Petra?

Mas não houve resposta. Ele continuou a chamar, mas sem sucesso. Em algum momento, o frio já estava tão horrível que ele meteu-se debaixo das pedras novamente e começou a refletir se realmente tinha ouvido o grito ou se imaginado, ou ainda, sonhado com ele.

Morten pensou em tudo e em como tinha ido parar ali. Repassou mentalmente o que havia acontecido desde que a esfera prateada saíra de dentro do corpanzil da criatura morta. Ele concluiu que certamente, naquele clarão, ele havia desmaiado. A julgar pela perna, que já não doía,  poderia ter passado um, dois, talvez mais dias inconsciente. Uma coisa parecia certa: A esfera não era tecnologia humana, então os aliens em algum momento pegaram eles. E depois os libertaram. Por que ele foi jogado no deserto como um dejeto?  Eram muitas as perguntas sem respostas.

Seus pensamentos foram interrompidos quando ele escutou uma outra coisa incomum: Alguém havia falado uma palavra absolutamente desconhecida, numa língua estranha.

Ele se encolheu em silêncio. Dessa vez não poderia ter sido uma ilusão ou sonho. Ele ouviu claramente. E era perto. Alguém havia falado uma coisa completamente esquisita. Era uma voz gutural, num tom estranho. A escuridão completa não lhe permitia ouvir nada. Então ele apenas se manteve parado, em total silêncio, até prendendo a respiração.

Era um alien. Sem duvida. Estava ali com ele, no salão do templo. Morten Carlson torceu para que o que quer que fosse quem falou aquilo, não pudesse ver no escuro, pois do contrário, ele seria uma presa fácil.

Ouviu claramente passos. Passos andando bem perto de onde ele estava. Ele apenas ficou ali, imóvel ouvindo.
Os passos foram se afastando, afastando, e logo foram engolfados pelo ruído permanente dos chiados do vento lá fora.
Isso deu a Morten algum alívio. Mas ao mesmo tempo, seu coração parecia que ia sair pela boca. Havia sem sombra de duvidas algum alienígena nas ruínas. E talvez aquilo fosse o motivo pelo qual Petra gritara por socorro minutos atrás. Morten estava sentindo também uma fomo horrorosa. Fome e sede eram coisas com o qual ele já não sabia lidar muito bem. Mergulhou sua mente em lembranças de um belo sanduíche de seus tempos de juventude.  Ele podia sentir toda a suculência da carne daquele sanduíche, que há tantos anos não comia. Depois pensou num milk-shake que tomava todos domingos…

O explorador acordou num susto. Havia dormido sem sequer perceber. O som do vento já não fazia qualquer zoeira. Uma luz azul começava a penetrar pelas frestas do templo, iluminando-o de modo fantasmagórico.  Um novo dia estava começando a surgir.
Ainda era bastante escuro e silencioso no templo. Morten esgueirou-se sob seu abrigo de pedras.  Lembrou-se da voz assustadora e fantasmagórica que ressoou naquele ambiente horas antes e agradeceu mentalmente pela ideia de se abrir sobre as pedras. Talvez apenas isso o tivesse protegido de ser visto pela criatura. Era possível que a criatura estivesse o procurando. Talvez ela também tenha seguido suas pegadas e as de Petra até as ruínas, ou também era possível que a criatura habitasse o lugar.  Seria algo inteligente? Seria um tipo de animal como os outros seres?

Carlson lembrou-se dos passos, que pareciam indicar algum tipo de criatura bípede.

A luz a cada minuto ficava mais forte lá fora, permitindo ver melhor  o interior do templo. As paredes estavam repletas de coisas escritas em línguas ancestrais misteriosas.  Ele caminhou em direção ao fundo do templo, avançando sobre as escadarias em multiplanos. Em alguns casos, os degraus eram tão altos que era preciso um pulo para subir por eles. O interior do templo era gigantesco. Ele seguiu em direção ao próximo nível do templo, e ao chegar no alto, percebeu que um tipo de arco apontava uma longa e tortuosa descida, ladeada por grandes blocos cúbicos de pedra que deveriam medir seis ou sete metros cada. Esse blocos se destacavam por não possuírem quaisquer adornos ou escritas. O caminho agora descia em direção ao que parecia ser um subterrâneo.

Ele começou a descida, mas então se conteve.

-“Será uma boa ideia?” – Pensou. Talvez não fosse. Talvez estivesse seguindo direto para a criatura que falou a palavra estranha. A sensação era de descer para as profundezas de um grande ninho de cupins. Ele precisava colocar em perspectiva que ali ele era um invasor. Talvez ao gritar por Petra, ele tivesse atraído a atenção do alien. Estava claro que chamar ou gritar por ela agora estava fora de cogitação.

Enquanto decidia sobre seguir em frente ou voltar para o lado de fora da cidade perdida e procurar por pedra no ambiente aberto, Morten foi distraído por uma série de estalos que pareciam vi lá de fora.

“-Mas que merda é essa?”

Eram estalos fortes, como pequenas detonações. Algo estava andando lá fora.  Então ele ouviu passos. Eram passos rápidos, como alguém correndo em meio as pedras, vindo em sua direção.  Ele ouviu novamente a voz misteriosa e gutural falando qualquer coisa incompreensível, que ecoou no salão atrás dele.

-“Ah não!” – ele pensou. Morten então correu lá pra baixo e se apertou como possível entre as grandes pedras cúbicas, esperando que o alien não o visse.

Ele ficou ali, apertado, prendendo a respiração. Os olhos arregalados de medo. E ainda estava frio o suficiente para uma hipotermia.

Ele ouviu os passos. O alien estava vindo. Estava chegando. Morten se espremeu mais e mais para o fundo de pedra.

Ele ouviu novamente a criatura falando aquela língua estranha.

Subitamente, algo agarrou sua perna e o puxou para um buraco escuro atrás da rocha.

CONTINUA

 

 

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Estarei de volta aqui dentro de 2 meses. Seria muito bom ver essa história adaptada para a tela. Eu gostaria muito de interpretar Morten Carlson

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