quinta-feira, dezembro 26, 2024

O pedinte

CENA 1 – EXTERIOR – PRAÇA – DIA

Plano geral de uma praça. Lugar bonito, embora não haja muita gente. Uma senhora vem passando, andando lentamente.

A idosa senta-se num banquinho da praça.

Close na idosa. Olhar perdido.

Pequenos inserts de detalhes da velha. A mão trêmula apóia-se numa bengala antiquada.

CENA 2 – EXTERIOR – PRAÇA – DIA

Uma criancinha passa num velocípede. A câmera acompanha.

A criança olha para a velha.

Close na idosa. Olhar fixo na criança. A velha sorri.

Close nos olhos da criança.

Plano médio da praça. A criancinha se afasta com o velocípede até sair do enquadramento.

CENA 3 – EXTERIOR – PRAÇA – DIA

Entra pela lateral do quadro um mendigo, roto, sujo, cabelo desgrenhado. Barba e cabelos enormes e amassados.  A Câmera acompanha.

O mendigo senta-se ao lado da velha.

Plano médio  da praça. A velha e o mendigo estão sentados com o olhar perdido, olham para a frente.

A velha vira a cabeça para o mendigo.

O mendigo olha para a frente, fixamente. Ele tem o olhar perdido.

VELHA: Quanto você quer para sentar em outro banco?

O mendigo olha para a velha.

MENDIGO: Trinta.

VELHA: Vinte.

MENDIGO: Vinte e oito.

VELHA: Vinte e cinco.

MENDIGO: Fechado.

A velha abre uma pequena bolsa, já fora de moda e retira um bolinho de notas. Ela entrega ao mendigo.

O mendigo pega o bolo de notas e guarda no bolso.

CENA 4 – EXTERIOR – PRAÇA – DIA

O mendigo levanta e sai. A Câmera se mantém fixa.

A velha tem o olhar perdido. Close no olhar da velha. Expressão fria. Ela fita o vazio.

CENA 5- EXTERIOR – RUA -DIA

Musica incidental. Mendigo caminha pela rua.

Planos diversos do mendigo andando por ruas e becos.

Mendigo desce pelas escadas do metrô.

CENA 6- INTERIOR – METRÔ – DIA

Há um velho sentado num banco. Ele espera o metrô.

Close no olhar do velho. Tem os olhos perdidos.

Mendigo entra pela lateral do quadro e se senta-se ao lado do velho.

Mendigo olha fixamente para a frente. O velho idem.

Velho vira-se para o mendigo.

VELHO: Você poderia sentar em outro lugar?

MENDIGO: Depende.

VELHO: Quanto?

MENDIGO: Quarenta e dois.

VELHO: Pago dez.

MENDIGO: Quarenta e dois.

O velho hesita.

MENDIGO: Quarenta e dois.

VELHO: Vinte.

MENDIGO: Vinte e cinco.

VELHO: Fechado.

O velho mexe na pasta. Pega um bolo de notas e entrega ao mendigo. O Mendigo guarda as notas no bolso, levanta-se e sai. A Câmera permanece fixa no velho.

CENA 7 – EXTERIOR – RUA – TARDE

Musica incidental. Mendigo caminha pela rua. Passa em locais desertos. Corredores, escadas, ruas desertas.

CENA 8 – EXTERIOR – RUA – NOITE

Plano geral de uma avenida. Carros passam na frente de bares e restaurantes. Pessoas comendo, se divertindo.

Mendigo surge ao fundo. Caminha pela avenida. Para em frente a um bar e olha as pessoas comendo. Algumas pessoas param de falar, olham para ele e tornam a conversar como se ele fosse invisível.

O mendigo olha para o lado e sai do enquadramento.

CENA 9- EXTERIOR – RUA – NOITE

Uma prostituta está encostada num poste.

O Mendigo surge e para ao lado dela.

A prostituta tem o olhar perdido. Close no olhar da prostituta.

Ela olha para o lado. O Mendigo está ali, parado.

PROSTITUTA: Qual é?

O mendigo não responde. Ele tem o olhar parado. Olha para o infinito.

PROSTITUTA: Ei.

O mendigo olha para a prostituta.

PROSTITUTA: Tá me atrasando a vida, meu. Dá pra ser ou tá difícil? Tá espantando a clientela, mermão.

MENDIGO: Faço pra você por trinta reais.

PROSTITUTA: Porra, trinta? Não dá pra negociar não?

MENDIGO: Não.

PROSTITUTA: Ah, vai se foder. Olha, só tenho quinze aqui, mas tem este vale do motel. Tá dando desconto de 50%, tá afim?

MENDIGO: Tá bom.

A prostituta pega o dinheiro na bolsinha de couro vermelho. Junta o papelzinho do motel e entrega ao mendigo. Ele coloca o dinheiro no bolso e sai. A prostituta volta a olhar para o vazio.

CENA 10 – EXTERIOR – BECO ESCURO -NOITE

O mendigo entra num beco escuro. Caminha com dificuldade entre latões de lixo e tranqueiras espalhadas pela rua.

Vai até uma porta. Pega uma chave do bolso e abre. A luz ilumina o beco. O mendigo entra.

CENA11 – INTERIOR – CORREDOR -NOITE

O Mendigo caminha por um corredor cheio de canos e cabos. É um lugar diferente, com aparência que lembra o interior de um submarino.

O mendigo vai até o centro de uma câmara. Ele fica parado, olhando para o vazio.

Surge um jovem. O Jovem para em frente ao mendigo.

O mendigo não olha nos olhos do jovem. Olha para a frente. Olhar fixo.

O Jovem estende a mão. O Mendigo enfia a mão no bolso e retira o dinheiro. Entrega ao jovem.

JOVEM: Total?

MENDIGO: 65 mais um vale motel com desconto de 50%.

JOVEM: Hummm. Tá bom. Ontem foi melhor hein?

MENDIGO: Zonas mais rentáveis no setor 15.

JOVEM: Tá. Eu sei. E a taxa da bateria?

MENDIGO: Bateria em 22%.

JOVEM: Tudo bem. Por hoje chega. Vou aproveitar para fazer a atualização do firmware, beleza? Pode entrar em modo de hibernação.

O mendigo fecha os olhos. O rapaz mexe nas costas do mendigo. Retira um cabo preto que estende até uma tomada.

O Jovem abre um notebook e digita algumas coisas. Pluga um cabo usb do computador nas costas do mendigo. No notebook surge uma barra de download que começa a carregar.

Ele levanta da cadeira, olha para o robô parado no meio da sala. Apaga as luzes, sai e fecha a porta. A câmera fica.

FIM

Sobem os créditos finais.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.

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Comentários

  1. Cara você é bom, muito bom. Na minha pretensão de ser cineásta, queria eu ter condições de gravar esse seu roteiro, parabéns pelos ótimos textos!

  2. Muito bom seu roteiro, seria bom fazer um curta com Clay em stop motion, seria perfeito os bonequinhos. Sou cineasta também há uns 5 anos produzo curtas para festivais. Ultimamente estou roteirizando Geni e o Zepelim do Chico Buarque com elementos de Bola do Henry René Albert Guy de Maupassant. Começaremos as filmagens em abril. os detalhes estão em meu site e meus antigos trabalhos estão em http://www.youtube.com/roberioxiquita e em http://www.youtube.com/canalcurtalt . se precisar de alguma ajuda meu e-mail está aí e é meu msn também. Parabéns, cheff! x_x

  3. muito bom Philipe, cara esse dai foi bom, gostei…è bem interessante e criativo, vc nao sabe oq vc acontecer, oq te faz parar para ler até o final, muito bom, meus parabens.

    Gostei mesmo bem interessante….Dava um bom curta metrajem nao axa?

    Abraços;)

  4. Muito boa sua leitura futurista da realidade social que vivemos…que por sinal é bem pior…antes fossem robôs e não crianças exploradas.
    Abraços

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