domingo, dezembro 22, 2024

Os outros – Parte 4

Hug corria feito um louco por entre as árvores. O dia estava amanhecendo e os pássaros cantavam. Enquanto saltava troncos e atravessava matagais quase impenetráveis seus pensamentos concentravam-se no grito de Tarim.

E se não fosse ela? Talvez fosse apenas uma daquelas aves. Possivelmente tudo não passava de uma confusão causada por sua cabeça perturbada… Hug estava cansado. A saliva espessa na boca. Suas pernas ardiam. Ele precisava parar para descansar.

Sentou-se numa pedra e respirou fundo. Tinha sede. Estava suando em bicas e o sol já brilhava forte no céu. Não ventava na mata e isso era terrível. Os insetos ao redor rapidamente o cobriam. Hug ficou ali a admirar a beleza daquele lugar desconhecido. Era uma floresta relativamente densa com muitas árvores, arbustos de todos os tamanhos, quase tudo repleto de um musgo intensamente verde.

Mas então, o som se repetiu ao longe.

-Tarim! – Gritou ele.

Pelo som, fraco e abafado,  ela estava a uma boa distância, mas se ele podia ouvir, ela não podia estar muito longe. Hug levantou-se recuperou o fôlego e adentrou uma parte escura da mata, repleta de árvores grandes que bloqueavam o sol. O som vinha daquela direção.

Hug corria por entre os grossos troncos de árvores imemoriais quando ouviu um novo som, e este o perturbou ainda mais do que o grito de sua filha. Era a estranha campainha nauseante que os aparelhos emitiam de tempos em tempos.

-Ah, não! – Ele pensou, desesperado.

Hug avistou uma gigantesca árvore à sua frente. Junto à sua base, havia uma enorme pedra, onde ele poderia subir e com alguma sorte saltar e tentar agarrar um galho, fazendo dele uma via de subida pela árvore. Hug esperava que se conseguisse escalar aquela árvore enorme, talvez pudesse ter mais clareza de que direção deveria seguir.

Ele correu e saltou sobre a pedra. Ela era escorregadia e estava repleta de líquens e musgo. Hug teve que se esforçar para se manter sobre a pedra. Quando finalmente conseguiu saltar, agarrou firme no galho grosso da árvore e ergueu o corpo, balançando-se no ar.

Com agilidade de um caçador, ele foi subindo, saltando de galho em galho e pendurando-se para chegar a um ponto em que as copas das árvores ficassem abaixo e ele pudesse vislumbrar alguma coisa.

Hug olhou para baixo e se assustou com a altura. Um passo em falso e seria a morte certa. Aquela era a maior árvore que ele já tinha subido na vida. Resolveu não olhar para baixo. Continuou a subir e finalmente, junto aos galhos mais altos e finos ele conseguiu enxergar acima das copas.

Inicialmente nada parecia fora do lugar. Um imenso mar verde se descortinava a sua frente, tendo ao fundo, montanhas escarpadas. Pássaros voavam ao seu redor. Lá em cima o vento era forte e o sol parecia ainda mais inclemente.

Subitamente, a uma distância de um quilômetro ou pouco mais, ele viu um dos aparelhos subirem no céu, quebrando galhos e estourando folhas para todos os lados com seus clarões.

-Ah, não! Por favor, não! Deus… Não deixe que eles tenham pegado Tarim! – Hug disse, olhando para a imensidão azul do céu acima dele.

Surgiu então um segundo aparelho, este, bem mais perto. Eles subiam do nada em meio as copas. Seu brilho metálico refletia com perfeição o céu azul e quase sem nuvens.

A nave estava se dirigindo para a direção onde a outra soltava clarões. Hug pensou que talvez fosse um aparelho com problemas ou algum defeito. Ou talvez estivesse solicitando um tipo de reforço.

A nave mais distante fez uma meia volta, deu um rodopio e tornou a disparar seu feixe de luz branca em meio as árvores. Hug forçava seus instintos, na esperança de ouvir o que se passava. Mas estavam muito longe. Ele praticamente só conseguia ouvir o som da campainha que os aparelhos disparavam intermitentemente. Era um som estranho e agudo, que se propagava a grande distância.

Então ocorreu uma grande explosão ao longe e ele viu o que pareceu ser uma árvore caindo.

-O… O que é aquilo? – Pensou assustado. Hug tentou se esticar para poder ver melhor, mas não teve sucesso.

Nisso, o galho em que ele estava começou a estalar.

-Puta merda!

O galho se rompeu e Hug mal teve tempo de tentar agarrar em outro. Ele despencou, mas bateu com as costas em diversos galhos e finalmente atingiu um grosso galho mais baixo, onde conseguiu se equilibrar com as pernas.

Agora ele estava virado de ponta cabeça. Hug olhou para baixo e viu o quão longe ele estava do chão e o quão perto da morte isso significava. O embornal caiu-lhe na cara e se abriu. A bola de luz azul despencou e rodopiou no ar por um tempo até bater no chão e estourar em centenas de milhares de pequenos cacos luminosos. Parecia uma chuva de estrelas. Quando atingiu o chão, a bola disparou um som agudíssimo, tão alto que hug achou que ficaria surdo. Era uma campaínha.

-Puta que pariu! – Ele pensou.

Imediatamente ele ouviu o som vindo da floresta. Era um dos aparelhos que emitiu a tal campainha. Esta era diferente.

-Foi um pedido de socorro! – Pensou. Certamente aquele aparelho de uma tecnologia que ele nem sequer sonhava em compreender, era um dispositivo multifunção, criado não só para iluminar como para emitir um forte sinal de emergência. Os alienígenas não poderiam imaginar que era algo que estava na posse de um reles humano.

-Tenho que dar o fora daqui! – Pensou ainda de cabeça para baixo.  O som das árvores e galhos e partindo ia aumentando.  – Eles estão vindo direto pra cá!

Hug fez um grande esforço para se virar e agarrar no galho. O som dos aparelhos era agora assustadoramente perto.

-Não sei se vou conseguir descer a tempo. – Pensou.

Hug olhou ao redor, tentando achar um galho em que pudesse se agarrar, mas na enorme árvore em que ele estava, não havia nada ao alcance. Ou ele saltava no vazio ou teria que encontrar outro jeito de sair dali.

As árvores ao redor estavam distantes, mas ele notou que na parte de trás do tronco em que ele estava havia uma grossa trepadeira parasita. Hug precisava apostar todas as suas fichas de que aquela planta não iria se partir. Agarrou firme na trepadeira, e tentou arrancá-la do tronco. A planta mal se moveu. Milhões de pequenas raízes se ramificavam da trepadeira em direção ao tronco, e isso gerava uma forte resistência com a qual ele precisava lidar para não morrer.

Ele começou a descer, pendurando-se nas trepadeiras.

-Não quebre! Não quebra!  – Era somente o que ele balbuciava enquanto seu rosto se contorcia de dor. Os músculos ardendo.

O aparelho que vinha direto ao seu encontro já era visível através das árvores.

-Não vai dar!  – Hug pensou ao ver o aparelho quebrando os arbustos enquanto trafegava num zigue-zague através das árvores.

Ele sabia que estava altamente vulnerável pendurado no meio de uma trepadeira na mais alta das arvores do lugar. Hug agarrou-se firme e olhou para trás. A cerca de uns dois metros de onde ele estava pendurado, havia outro galho, com uma reentrância, em outra árvore.

-Seja o que Deus quiser! – Ele pensou enquanto forçava as pernas contra o tronco.

Hug se jogou no ar, abrindo os braços para tentar agarrar o tronco. Ele finalmente conseguiu no exato momento em que a nave abaixo dele se aproximava da enorme árvore.

Hug se apertou contra a reentrância no tronco da árvore. Era um velho cupinzeiro abandonado por seus inquilinos. De onde estava ele podia ver a nave de cima, mas a nave não conseguia vê-lo.

O aparelho parou sob o enorme tronco em meio a floresta. Ele disparou inumeros pequenos feixes para o chão, como se estivesse fazendo um reconhecimento.

Em seguida, a nave começou a se elevar.

Hug desesperou-se. – Se ela subir mais um pouco eles vão me ver!

Mas o aparelho parou e começou a vagar lentamente entre as árvores, jogando flashes rápidos no chão. Hug mantinha a respiração presa.

-Devem estar rastreando. – Pensou.

O aparelho então disparou em alta velocidade na direção em que Hug tinha vindo.

-Burros! – Ele riu em silêncio.

Daquela árvore que estava, ele conseguiu descer mais facilmente, pois ela possuía muitos galhos.

Quando finalmente saltou para o chão, conferiu o embornal. Hug olhou o comprido tubo metálico na bolsa plastica. Não havia botão ou gatilho e ele não fazia a menor ideia do que aquilo fazia. Ele examinou com cuidado o objeto e notou um diminuto grupo de três furinhos na ponta arredondada daquele tubo espelhado. Pensou que talvez fosse um telescópio ou algo para ver no escuro. Olhou pelos buraquinhos, mas ali dentro era tudo escuro.

-Só pode ser uma arma! – ele disse.

Ele segurou firme aquela coisa e apontou para uma pedra. Em menos de um segundo, começou a sentir algo estranho. A coisa disparou um potente raio de luz e três enormes buracos surgiram na pedra. Hug correu até lá e horrorizado observou que ele tinha acabado de derreter a rocha. Gotas gosmentas e quentes de um vermelho intenso pingavam do buraco por onde ele olhava o que tinha do outro lado. Não teve som, nem explosão. Era somente um raio muito, muito estranho que derretia tudo que estava à frente.  A pedra havia se liquefeito.

Hug pensou em como havia sido estúpido olhar na direção daqueles buraquinhos. Percebeu então que não era preciso botão, gatilho ou trava para fazer a maquina disparar. Bastava querer. De alguma forma, aqueles objetos dos outros eram capazes de se sintonizar com quem os segurava.

As explosões continuavam à distância e Hug rumou para lá, segurando com cuidado seu novo brinquedo.

Quando finalmente chegou ao p0nto de proximidade com o conflito, viu assutado um dos aparelhos caído. Estava em parte destruído, ainda soltando fumaça escura. Um cheiro fétido exalava do aparelho destroçado. Ele olhou nos escombros e viu dois ocupantes mortos no interior. Eles eram como o que ele matou na caverna. Seus corpos estavam parcialmente carbonizados.

Hug esgueirou-se por entre pedras e galhos e viu um dos aparelhos à distância. Era aquele que volta e meia subia até a copa das árvores e que ele havia visto do alto.

O aparelho disparava um forte facho branco num buraco no chão.

-Mas que merda é essa? – Pensou.

Ao longe, ele ouviu o choro inequívoco de sua filha, entre outras vozes.

Então, do buraco surgiu voando uma pessoa. O raio a atingia em cheio no meio das costas. A pessoa, suspensa no ar, se debatia, desesperada.

Hug estava abismado com o que ele via. O fundo do aparelho se abriu e numa espécie de portinhola de onde saía o raio branco o velho entrou. Só então ele reconheceu. Era Cork!

Cork foi jogado dentro da portinhola, aos gritos. Subtamente o som de um dispositivo mecânico se fez ouvir e uma cachoeira de sangue foi ejetada por furos na fuselagem do aparelho.

Hug teve desejo de gritar, mas a estupefação e o horror foram maiores.

As pessoas gritavam desesperadas no buraco. Entre as vozes, a de Tarim.

Para espanto e desespero de Hug, agora é Tarim que sai do buraco e fluta no ar, atingida pela mesma luz.

-Meu Deus!!! Não!!!

CONTINUA

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.

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Comentários

  1. caraca philipe o blog ta top mesmo, agora esse conto ta muito bom, adoro histórias pós-apocalípticas, invasão alienígena cara, muito bom pra da uma desbaratinada, só zumbi e mais zumbi tava ficando meio cliche, mas também adoro zumbi.
    caraca parabens

  2. O conto tá ótimo, com certeza ganharia um oscar se fosse filme. É sacanagem que quando está na melhor parte (quando o leitor já está quase explodindo as calças) aparece esse “continua”. Literalmente uma broxada na leitura. kkk

    • Pois é, mas sem o continua muita gente acharia estranho, pois o conto pararia subitamente. Como eu começo a parada e não sei como vai acabar, um conto pode ficar numa pagina ou pode ficar em duas, vinte, ou duzentas (coo conto do zumbi). Sem o continua seria estranho manter a continuidade. Esses textos são criados on the fly, praticamente enquanto você lê. Assim, eu não faço tudo e vou publicando. Eu vou fazendo e soltando, é quase como um “se vira nos 30”. Por isso o continua é importante, porque como não é uma novela, eu posso ter algum compromisso profissional que me impede de continuar o texto no dia seguinte. O continua marca que vou dar continuidade à história, mas sem uma data definida. (tem post aqui que tem “continua” há mais de um ano!)

  3. Uhuuuu! Muito bom!!!!! Adorei o site novo, adorei a parte nova do conto, adorei tudo!
    Parabéns! Estou aqui anciosa para a próxima parte!!!!!
    Bjos
    Juju

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