Ontem assisti Vivarium com minha mãe. Eu já tinha visto umas 3 vezes antes, e vi mais uma, pra minha mãe poder ver. De cara dei o aviso de praxe que é um “filme maluco”.
Se você não viu o filme, pule esse post enquanto há tempo, veja e volte aqui depois. (possivelmente você voltará odiando o filme)
Um casal vai ver uma casa para comprar e acaba preso num condomínio de casas idênticas do qual eles tentam sair mas sempre voltam ao mesmo lugar, como numa armadilha quântica.
O aspecto que me encanta no Vivarium é a inescapabilidade do destino, da armadilha. De uma forma até bem clara, ele lida com uma série de questões como a questão da vida adulta hétero normativa, onde você vai constituir família e comprar uma casa. A casa é seu ninho, e claro, talvez vocês queiram ter filhos…
Vivarium trata da questão da paternidade, da morte, da condição de um aprisionamento do “sistema” do qual nenhum de nós conseguimos escapar.
Mas é o alien do filme que mais me atrai.
Martin
Até onde sabemos, a espécie à qual “Martin” pertence é aterradora de diversas maneiras; eles possuem claramente acesso a tecnologia avançada e ciência desconhecida para nós, vivem em nossa sociedade sem que tenhamos consciência de sua existência e não demonstram empatia ou remorso pelas vidas humanas que utilizam em seu benefício. Embora esses elementos não sejam novos no gênero de terror, a combinação deles normalmente está associada a algo mais predatório, mais poderoso e também maligno.
Projetamos nossos medos do mal, seja em vampiros demônios fantasmas, e em aliens.
Mas o interessante aqui é que o tipo alienígena da espécie de Martin foge dos clichês, e de certa forma, constrói seu próprio-clichê. Podemos ver com o Martin 1 que ele tem um comportamento estranho, lembra às vezes um manequim, com frases prontas, claramente decoradas. A sensação de estranhamento faz lembrar a mesma que surge em hotéis ou estabelecimentos onde os funcionários são excessivamente treinados, agindo quase como robôs.
Não há evidências de que esses seres estejam tramando uma revolta apocalíptica, interferindo nos assuntos de nossa civilização ou buscando causar dano. Ao contrário, eles precisam de substitutos humanos para nutrição e aclimatação durante a fase de desenvolvimento de um ciclo de vida efêmero. Eles crescem mais rápido do que cachorros. Em geral, um “Martin” nasce, e depois de um ano se tornou um adulto formado. No ano subsequente ele vai de um jovem adulto a um velho e morre. Eles vivem somente dois anos, e vivem uma vida, ao que parece, limitada a uma estrutura rígida. Do ponto de nascimento ao jovem adulto, ou seja, no seu primeiro ano, ele está em formação: copiando a entendendo os seres humanos, do qual tirará todo proveito possível.
Então, ao virar a chave do primeiro ano, ele entra numa fase de estudos onde finalmente vai entender o segredo, o mecanismo, do qual não temos acesso.
Ele vai estudar num simples livro que parece um volume de uma enciclopédia comum, mas é assim:
Um alfabeto extraterrestre. Com desenhos esquemáticos e tudo. Sem magias nem hologramas.
Então isso me levou a ficar pensando: Como o Martin aprendeu a ler o livro?
Uma explicação que encontrei pra isso está nessa cena:
Martin passa horas e até madrugadas inteiras vidrado numa tela da televisão onde imagens fractais com aparência orgânica são exibidas.
Eu achei essa ideia sensacional. Martin está recebendo influxos de informação diretamente da Tv, como uma câmera que lê um código de barras QR code. Assim, ele está aprendendo a ler, com as informações básicas sendo passadas a ele diretamente através dessas imagens, que não fazem qualquer sentido para os dois protagonistas, que parecem sequer questionar que porra é essa.
Apesar de não compreenderem completamente nossas emoções, eles tentam manter seus hospedeiros confortáveis, esforçando-se para atender às necessidades humanas. Eles imitam a comida, mas não sabem que a comida deve ter gosto. Nada tem gosto.
Parecem estar sobrevivendo da única maneira possível, minimizando seu impacto na humanidade e vivendo entre nós de forma pacífica, mas não em apenas uma dimensão. Tal qual as imagens que Martin está vendo sem parar, o próprio vivarium é fractal. Ele se espalha numa variedade de dimensões, às quais os Martins conseguem atravessar, tal qual o Mungo do meu livro “A caixa” atravessava as camadas das caixas.
É reconfortante saber que a teoria óbvia de “alienígena espacial” não é o cânone pretendido. Finnegan sugere que essa espécie pode ter evoluído conosco ao longo das eras, conectando suas distorções espaço-temporais ao folclore de fadas irlandês. Uma ideia intrigante é que as comunidades habitacionais simuladas crescem como fungos vivos em “universos em forma de bolha” na superfície da Terra.
A taxa de mortalidade dos cuidadores humanos é um efeito colateral infeliz, não um desígnio insidioso. Tudo dentro desses “universos em forma de bolha” é artificial, desde o fornecimento de alimentos até a ilusão da luz solar, desconsiderando a bioquímica humana e a nutrição adequada. Esse cenário é plausível para quem tem experiência em cuidar de animais ou plantas, onde manter um ambiente artificial equilibrado é desafiador.
Martin é um antagonista não humano, mas suas ações seguem as diretrizes naturais de sua espécie para sobreviver. Embora Gemma e Tom não tenham motivo específico para duvidar de sua libertação, lutam contra a repulsa pela diferença de Martin e suas maneiras não convencionais.
Esse cenário pode ressoar com aqueles que enfrentaram doenças neurológicas ou deficiências, destacando a compreensão limitada entre o cuidador e a criança.
Finnegan habilmente retrata Martin como uma vítima das circunstâncias, levantando a questão se um ciclo poderia ser quebrado com mais gentileza. Os protagonistas nem sequer deram um nome ao bebê. Eles o chamam de “coisa” porque percebem que não é humano, embora Gemma rateie muitas vezes e acabe tendo reações maternais para com o Martin2, que insiste (instruído) a chamá-la de “mãe” o que Gemma sempre rechaça de moro ríspido.
Poderia um cuidador amoroso realmente fazer a diferença?
A história levanta a possibilidade de um final feliz, mas as probabilidades são desfavoráveis. Essas criaturas podem não sentir preocupação ou empatia, mas não há razão para demonizá-las, já que seu ciclo de vida é imparcial, assim como qualquer outro meio de sobrevivência na natureza.
De uma certa forma, esse filme me lembra o “Sob a pele”, com a Scarlet Johansson.
Outra ideia que me ocorre é: Diariamente pessoas somem para nunca mais aparecer. E se houver algo assim habitando a Terra? Levando pessoas para algum lugar desconhecido?
É assustador.
Assisti ao filme por conta do seu artigo e também gostei, existe alguma relação entre a natureza dos aliens e do pássaro Cuco que mostram no início do filme e a explicação da mãe para a menina que ficou triste com os filhotes também se aplica: eles não fazem por mal, está na natureza deles.