domingo, dezembro 22, 2024

Renata – Um caso real.

Esta é uma história baseada em fatos reais que aconteceu com uma amiga da minha amiga Denise. Eu mudei os nomes e obviamente romanceei o caso. Espero que você goste.

 

RENATA – UM CASO REAL

Renata estava em casa sem porra nenhuma pra fazer. Sabe quando você tá daquele jeito que mais parece uma capa de sofá? Pois é. Ela estava com os olhos abertos, mas não via nada do programa Raul Gil. Aliás, nem mesmo sabia o que diabos estava passando na Tv. Nem mesmo se a tevê estava ligada. Renata estava lendo uma revista Caras do casamento da Adriane Galisteu e dormia no sofá. Seu cão, Rubem, dormia também.
Em meio às almofadas, acordou com o grito estridente do telefone. Na terceira tocada parecia mais um ataque aéreo. Renata atendeu ofegante.
Era a Tina.
Tina era uma prima meio distante da Renata que morava numa cidade próxima. Tina estava contente porque ganhara dois convites VIP para uma inauguração de uma boate.
Renata se animou. Afinal era sábado e nada mais funerário que passar o final de semana dormindo no sofá, né?
Levantou, correu para o quarto. Abriu o armário e entre roupas novas, usadas e virgens – Renata tinha a incrível mania de sempre ter alguma roupa virgem no armário. Era algum tipo de maluquice sobre a sorte ou algo assim.
Escolheu rapidamente uma blusa decotada, uma calça de couro e sapatos de salto alto.
Ok, ok. Eu menti. O processo de escolha levou quase 53 minutos. Afinal, Renata era mulher.
A blusa era meio “pelada” mas entre passar frio e exibir o decotão na boate, o que você esperaria que ela escolhesse? Na pior das hipóteses, ela pegou também uma jaqueta de couro maneiríssima – virgem – que havia comprado numa butique cara para estrear num grande dia. E este dia havia finalmente chegado.
Preparou tudo sobre a cama. O telefone tocou. Era a Tina. Ela queria saber se Renata já estava pronta. Já tava saindo de casa. Aí caiu a ficha da demora em escolher a roupa.
Alerta vermelho! Renata corre de um lado para o outro tentando se lembrar de tudo necessário. Corre para o chuveiro. Toma banho ultra-rápido, pois ela sabe que terá que deixar um tempo para o processo de argamassa, quer dizer, de maquiagem.
Acaba o banho e… Putaquipariu! Cadê a porra da toalha? Ela esqueceu. A imbecil, débil mental humana, esqueceu a toalha.
Renata sai pelada correndo molhada, quase cai. Atravessa a cozinha e chega na área de serviço. Pega a toalha, se enrola.
Toca o interfone. Pânico. Ta na hora. É a Tina e a Tina fica um saco quando é deixada esperando.
Renata sabe que nada mais down que sair com a Tina reclamando. Ela manda o porteiro deixar subir. Destrava a chave da porta e corre para o quarto. Se veste como um raio.
– Porra ainda não ta pronta sua vaca? – Berra tina entrando no quarto.
– Calmaí. Tá quase… – Fala Renata entredentes, com mil grampos na boca, tentando dar jeito no cabelo.
– Ah, vamos logo. – Tina está inquieta. Com certeza marcou com algum sujeito. Na certa, algum sujeito da Internet que tem um amigo babaca pra caralho ou retardado. Que na certa também, vai querer agarrar a Renata e vai levar um veto. Daí vai começar a beber feito um gambá e acabará a noite vomitando no carro do colega.
– Qual batom você acha que fica melhor? Esse aqui ou…
– Esse aí.
– Porra, mas você nem olhou.
– Ah, pra que olhar? É tudo igual mesmo. Batom é batom. E sabe como é, eu to afim de voltar sem batom hoje.
– É, tem razão. Vou beijar muuuuuuito! – imita a personagem retardada da Tv.
Nisso toca lá fora uma buzina.
– Cara o Marcelo chegou. Vamos!
-Marcelo? Que Mar…
– Ah, depois eu te explico. É aquele cara do cursinho.
-Ah! Aquele que você falou? O ricaço? – As duas saem correndo do quarto.

Chegam na boate. Lotadaça. A entrada cheia de Pit boys e garotas anoréxicas semi-cadavéricas, como convém a uma boate que se preze.
Um desfile de roupas de grife e perfumes importados.
O tal do Marcelo é um mala. As duas já estão de saco cheio de ouvir o Marcelo contar suas aventuras sexuais. Engraçado essa coisa do homem querer impressionar mulher contando aventura sexual. Será que ele pensa que elas irão querer conferir pra saber se é verdade ou mentira? Besteira, pois toda aventura sexual deve ser mentira. Do contrario seria documentário sexual, e não aventura. Aventura pressupõe fantasia.
A sorte da Tina e da Renata é que o Marcelo não acha vaga pra colocar o carrão do pai, e isso é o motivo perfeito para aquele clássico: “A gente se encontra lá dentro, falô?”
Antes que o tal do Marcelo chato tenha chance de esboçar um plano de encontro com qualquer uma das duas – porque pra ele qualquer uma serve, – elas saem fora.
Do lado de fora da boate, uma fila enorme na porta.
– Cadê os ingressos?
– Putaquipariu Tina! Ficou no carro do Marcelo.
– Ah, não. Não fode!
… – Expressão de ódio de ambas.
– Calmaí.
– E aí? E aí???
– Não sei. Tem algo aqui no fundo – Diz ela sacudindo a bolsa.
– Tá aqui. Achei! Achei!!!
– Porra! Você e essa mania de usar esses bolsões.
– È Victor Hugo meu amor.
– Foda-se. Coisa de playboy.
– Vamo lá.!
– Yu-huuu!

Elas entram na boate. Passam bem ao lado da fila de magricelas babacóides e playboys da Zona Sul. A expressão de inveja dá aquele gostinho bom que faz as três letras pesarem na sociedade como uma tonelada de concreto armado: VIP!
Lá dentro, uma fumaceira do caramba. O som bombando uma batida eletrônica. É algum DJ importado da Alemanha ou algo assim. Um som azucrinado que é potencializado por fumaça e canhões de luz de todas as cores.
A noite transcorre como deveria. A tal paquera da Tina não aparece, mas surge um carinha que dança bem e quando Renata vê, na verdade não vê. Tina já ta no canto atracada com o maluco.
Outro vem e tenta chegar na Renata do jeito (boçal de ser). Aquele jeito em que o cara vai e puxa delicadamente a menina pelos cabelos. Aí tenta beijar, sabe como?
A porradinha discreta no ombro do otário. Ela grita algo que é abafado pelo ruído estridente da pista. Algo como “Vai se foder seu corno filho duma égua!”
Viadinhos rodopiam para todo lado. O sujeito fica rindo com a lata de cerveja na mão.
Renata desaparece da pista. Vai beber algo pra esfriar a cabeça.
No bar, uma multidão se digladia em busca de algo pra beber. A maioria quer água, mas uma galera enorme está tomando drinks sensacionais feitos com frutas e coisas coloridas que brilham no escuro. Alguns até pegam fogo.
Renata está meio deslocada como sempre. Sair com uma amiga só é foda. Geralmente a amiga se arruma e você acaba sozinha vagando a esmo como um espírito pela boate.
Claro que no final da noite, tem sempre um tiozinho pra quebrar o galho, mas nunca se engane. Ou ele é casado ou mora com a mãe. Cara com mais de trinta que mora com a mãe, das duas uma. Ou é sequelado ou a mãe é uma filha da puta. Ou ambos.
Quando finalmente chega a vez de Renata, ela escolhe uma tequila. A tequila vem meio aguada. Uma merda. Ela pede pra trocar e troca por um Martini. Martini não tem erro.
Ela toma o primeiro Martini e descobre que ele só quebrou meio galho.
Assim, ela ainda toma duas cervejas e uma vodka.
Volta para a pista e começa a dançar. Fumaça, luz, batida ritímica e quando ela vê, está dançando com um carinha. Ele parece legal. Sorri meio safado com um copo de uísque na mão. Renata gosta de caras que sabem dançar com copos de Johnny Walker Black Label na mão. Alguém passa a mão na bunda dela. Ela se vira assustada. È uma garota. Ela é bonita, A garota pisca pra ela. Chega e sussurra algo incompreensível no ouvido da Renata. Talvez pelo barulho, talvez pela bebida, pelo calor insuportável ou pela própria situação, Renata não compreende a cantada. Mas sabe que é uma cantada. Agora está assim. Mulher que vai na boate e dança sozinha vira alvo. Logo surge uma outra querendo assunto.
Renata se volta e o carinha do wisky não está mais lá. Deve ter achado que ela era do velcro.
Renata ainda tenta em vão procurar pelo carinha, sem sucesso.
Quando ela se dá conta, vê uma garota que passa cambaleando usando o seu casaco. Ela olha para si e o casaco não está ali. Havia deixado na mesa.
Renata corre para a mesa da área Vip. Nada do casaco. A filha da puta roubou o casaco dela. Ela sobe para o segundo andar e procura pelo casaco. Espera pela iluminação mudar para tons claros. Força a vista em busca da jaqueta.
Lá de cima, ela vê no canto do bar uma garota, a tal garota, a ladra, sentando numa mesinha com um copão de vodka. Ela está completamente bêbada.
Renata desce pelas escadas atropelando dois casais que estão… Bem… Você sabe!
Pede desculpas e corre para a direção do bar. A ladra não está mais lá.
Tresloucada e só pensando em encontrar a porra do casaco caríssimo, virgem, ela percorre a boate. Nada da ladra. Nada do casaco.
Então num estalo, Renata lembra que a menina estava cambaleando. Devia estar bêbada.
Renata corre para o banheiro. Uma fila gigante de tudo que é tipo de mulher está na porta. Lá no meio está a maldita ladra. Ela está tonta. Apoiada na parede. Meio pálida. Parece que vai desmaiar. Ela não está indo ao banheiro urinar…
Surpresa, Renata descobre que a menina vai vomitar. Vai vomitar na porra da jaqueta de mais de quatrocentos reais!
Renata avança sobre ela.
– Me dá minha jaqueta!
– Hã? – A garota se espanta, Tenta abrir os olhos pra entender.
– Me dá minha jaqueta sua ladra filha da puta! Ela agarra o braço da menina tentando puxar a jaqueta. Por sua vez, a bêbada não esboça reação. Segura forte a jaqueta.
– A jaqueta é minha!
– Mentira! É minha
– Me dá a jaquetaaaaaa! – Começa o escândalo na porta do banheiro. A mulherada berra. A bêbada cai no chão. Renata passa o mico de disputar a jaqueta no chão com a bêbada. O casaco vira um cabo de guerra entre duas histéricas.
– É minha! É minha! – geme a bêbada.
O povo grita. Renata sente vergonha, mas a raiva é tamanha que a vergonha é suprimida.
Renata histérica enche a garota de supapos.
– Me dá sua puta!
Os seguranças aparecem do nada e empurram Renata, que cai do lado. Eles arrancam a jaqueta dos braços da bêbada.
Empurram a Renata, que grita pela posse da jaqueta.
O barraco começa a aumentar. A bêbada parece dar uma melhorada em função da adrenalina e se debate. Luta com os seguranças. Grita que está sendo roubada. O segurança leva a menina, com a educação que lhe é peculiar, para jogar do lado de fora da boate.
Vendo que o “bicho vai pegar” pro lado dela, Renata veste a jaqueta e mantém o melhor estilo blasè:
“Não sei o que esta maluca queria comigo!” …E sai de fininho pra não ser expulsa da boate.
Uma vez livre do olhar dos seguranças, ela vai atrás da Tina. Quando finalmente encontra, Tina está tomando uma cerveja com o carinha na área Vip.
– Tina, vamos embora?
– Mas já?
– É, uma maluca roubou minha jaqueta. Quase que eu fui expulsa da boate.
Depois de contar e recontar a história duas vezes, o carinha se dispõe a levar a Tina e dar carona pra Renata até em casa.
Eles saem da boate e Renata vê a ladra do lado de fora. Está sentada no paralelepípedo chorando. Deve ter levado umas porradas dos seguranças pra aprender a não roubar coisas dos outros na boate. Bem feito.
Renata ainda põe a cabeça pra fora do carro e grita:
– Vai chorar na cama que é lugar quente, babaca!
Quando finalmente chega em casa, um caco, cansada, o cabelo desgrenhado pela luta. Mas feliz por ter mantido a propriedade sobre a sua cara jaqueta.
Renata só quer saber de dormir. Vai até o quarto. Acende a luz e paralisada, só o que consegue pronunciar é:
– Caceta!

Há uma jaqueta de couro, novinha, virgem, de 400 reais, está arrumadinha bem em cima da cama. E outra na mão dela.

FIM

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.

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