Tragédia Cigana – Parte 4

(Continuação da parte 3)

Sandra então correu até as carroças. Olhou uma a uma até encontrar, na carroça de Alexander, os dois, dormindo abraçados e nus entre as peles.

-Maldito. – Gemeu Sandra. Uma dor profunda percorreu seu corpo e era como se uma faca quente tivesse transpassado seu coração. As lágrimas verteram de seus olhos e ela recuou. Voltou correndo, chorando em silêncio para a cabana de Zaid. Sandra chorou a noite inteira. Como pôde, aquele homem que ela tanto amou, o homem que ela prometeu seu coração, que iria fugir com ela naquela noite, dar-se a uma fraqueza daquelas? Com o coração sangrando, Sandra sentiu que perdia ali o amor de sua vida e chorou até o amanhecer.

Quando o dia finalmente raiou, Alexander abriu os olhos. Sentia-se ainda zonzo. Uma dor de cabeça das piores estourava sua mente. A primeira coisa que ele viu foi Mikaela de costas. Alexander ficou imóvel. Lentamente espiou por baixo das peles e viu que ela estava nua. Pior ele também. Ela ainda dormia, quando Alexander saltou da cama. Vestiu desesperadamente as roupas e começou a gritar.

-Que isso? O que você está fazendo aqui? O que eu estou fazendo aqui? Por que você está… pelada?

Mikaela se virou lentamente. Espreguiçou-se e limitou-se a dizer:

-Bom dia meu amor. – Ela ainda estava deitada, nua, sob as peles.

-O que significa isso? Que diabos eu estou fazendo nessa carroça com você?- Perguntou Alexander, se arrumando.

-Não lembra nada mesmo, Alex? Da nossa noite de amor?

-Não. Não! Impossível. Eu só me lembro de ficar tonto vendo a dança das meninas.

-Foi o vinho. -Riu Mikaela. – depois você veio atrás de mim, todo amoroso, disse que iria casar comigo se eu dormisse com você. E eu acabei não resistindo.

-Não. Não. Impossível. Eu não gosto de você. Sai daqui. veste suas roupas e saia.

-Meu amor. Deixa disso. Deita aqui que eu vou te…

-Sai, desgraçada! – Gritou Alexander.

Mikaela percebeu que a coisa estava feia. Ela se levantou em silêncio e se vestiu. Alexander continuou a escorraçar a loura para fora da cabana.

-Você prometeu casar comigo quando estava bêbado. Eu me deitei com você. Agora seja homem e cumpra o que prometeu. Ela jogou na cara dele.

-Nunca, maldita. Nem morto.

-Isso é o que veremos. -Disse Mikaela jurando vingança. Ela saiu da carroça e foi na direção da cabana de Zatanna.

Mikaela entrou na caba e viu Zatanna preparando uma poção.

-Deu certo, minha pequena ninfa? – Perguntou Zatanna.

-Não, Tia. Ele acordou e me expulsou da carroça. O desgraçado…

-Calma, menina. Isso vai mudar quando ele descobrir que a mulher que ama morreu. Tudo tem a sua hora.

Enquanto isso, do outro lado do acampamento, Sandra carregava água num balde. Ela estava triste. Sentia-se um frangalho.

Dimitri surgiu da mata.

-Sandra.

-Oi.

-Quer ajuda para levar o balde?

-Não, não.

-Me dá aqui. Eu ajudo.

-Não, não precisa.

-Me dá! – Disse ele de modo agressivo, agarrando o balde da mão dela e colocando no chão.

-Sandra… -Disse Dimitri, aproximando-se ainda mais dela.

-Sai, estou com pressa. -Disse a jovem tentando se desvencilhar do forte cigano.

-Eu te amo.

-Eu não. Eu amo… Eu amava o seu primo. -Disse Sandra, com tristeza no olhar.

-Sandra, ele não é homem pra você. Ele não te merece. Ele dormiu com a Mikaela aos olhos de toda aldeia ontem.

Sandra começa a chorar.

-Não chore Sandra. Você tem a mim. Eu te amo mais que tudo. Fica comigo. -Disse Dimitri num rompante.

Sandra estava confusa. Dimitri tentou beijá-la. Sandra o empurrou. Mas ele era forte e agarrou Sandra pela nuca, empurrando-a contra ele. Alexander subjugou Sandra, tentando um beijo à força, agressivo.

Sandra se desesperou. Ela se debateu como pôde, tentando impedir Dimitri. Mas ele era mais forte.

Nisso, Alexander surgiu correndo. Saltou sobre Dimitri e caíram os três na lama. Sandra rastejou para longe dos dois homens que se engalfinharam em uma luta feroz.

Dimitri socava Alexander. Alexander pegou uma pedra e acertou a cabeça de Dimitri que começou a sangrar. Os dois trocavam socos e pontapés na lama.

De longe, no meio das plantas, Mikaela assistia a tudo. Ela percebeu que Dimitri colocava o plano dela em risco. Correu de volta para a cabana, onde estava a tia. Mikaela explicou a cena que presenciou na floresta. Após pensar brevemente, a decrépita velha Zatanna surgiu com a solução. Zatanna disse a Mikaela que ela devia correr para chamar Zaid e os homens do conselho.

Orientada pela velha tia bruxa, Mikaela sujou o vestido de lama e rasgou a alça do vestido, expondo uma parte do seio. Correu na direção da casa de Zaid.

Zaid dormia pesado quando Mikaela entrou na cabana aos gritos. O grande cigano assustou-se.

-O que é isso? – Perguntou Zaid assustado. Olhou para Mikaela e perguntou – O que aconteceu?

-Zaid, fui atacada. O sobrinho de Ephraim está fora de si. Está atacando as mulheres da aldeia. Ele tentou me… Interrompeu dramaticamente sua atuação, chorando.

Calma, criança. Fique aqui com Petra. Deixe que eu cuido disso.
MIkaela reuniu forças e gritou quanto o chefe cigano saía afobado pela cabana afora.

– Zaid, meu senhor. Sua filha. Agora ele está tentando agarrar sua filha. Lá perto da mina!

Zaid disparou de volta para o interior da cabana um piscar de olhos. Pegou o facão, colocou no cinto e saiu correndo para juntar os homens da aldeia.

Enquanto isso, perto da mina os dois primos se esmurravam. Dimitri era muito mais forte que Alexander. Agarrou o primo e ergueu no ar.

Sandra gritou:

-Nãããão! – Correu para tentar impedir, mas Dimitri lançou Alexander contra o tronco de uma árvore.

-Toma isso desgraçado!-Gritou Dimitri.

Alexander atingiu o tronco em cheio e caiu desmaiado de cara na lama. Dimitri então empurrou Sandra que caiu e bateu a cabeça. Ele ouviu o som de galhos estalando na floresta. Vendo os dois caídos no chão, em meio a uma poça de sangue e lama, resolveu fugir. Dimitri correu para o meio da mata, sumindo entre as árvores.

Em seguida, surgiu Zatanna. Ela viu os dois caídos. Rapidamente percebeu que ambos respiravam. Zatanna Pegou um chifre que trazia na cintura e encheu com a água da mina. Retirou um frasco de cristal do vestido e derramou duas gotas de um líquido preto na água.

Ela levantou Sandra, que estava atordoada.

-Tome, querida. Já passou, já passou. Beba. Isso. Beba tudo.

Sandra bebeu o líquido e fez uma cara feia. Tinha gosto ruim. Olhou na cara da velha. Imediatamente Sandra começou a empalidecer e revirou os olhos. Caiu pesadamente para trás, afundando na lama.

Zatanna olhou Sandra caindo na lama e sorriu.

Subitamente a velha levou um soco na cara. Alexander havia levantado. Ele agarrou a velha do chçao e começou a sacudi-la pelo pescoço.

-Fale bruxa maldita. O que foi isso que você deu pra ela beber? Fale.

-Me larga, por favor. Me larga. -Era só o que a velha bruxa dizia.

Nisso, ciganos surgiram de todos os cantos da floresta. Todos armados com facas e punhais.

-Que está acontecendo aqui? – Gritou Zaid.

-Alexander soltou Zatanna, que caiu na lama.

-Desgraçado. -Gritou a velha.

Zaid olhou Sandra caída na lama e correu na direção dela.

-Ah, não. Não. Não! – Ele gritou quando viu que Sandra estava morta.

-Meu chefe, foi ele. Ele! – Gritava a bruxa ensandecida.

Alexander tentou dizer que havia sido a velha, mas pouco adiantou. Todos acreditam que Alexander tentou estuprar Sandra.

A velha disse que ele estava tentando agarrar Sandra mas que ela gritou, tentando impedir.

Zatanna sentou-se numa pedra e contou a Zaid e os outros que ela estava na floresta colhendo cogumelos quando ouviu os gritos. Tentou ajudar a jovem, mas não foi rápida o suficiente. Quando chegou no poço, Sandra já estava sendo molestada pelo jovem Alexander. Quando este percebeu que a velha havia testemunhado o crime, quebrou o pescoço da pobre moça e partiu pra cima de Zatanna.

-Por sorte, vocês chegaram bem na hora em que ele ia me matar. – Disse a velha trêmula.

Alexander tinha ímpetos de estrangular aquela desgraçada. Nunca havia visto tanta mentira. Se ao menos Sandra estivesse viva para testemunhar…

Os homens bateram em Alexander e o levaram amarrado e desacordado para o centro da aldeia.

Quando Alexander acordou, estava fortemente amarrado a um tronco. Um homem do clã de Zaid tomava conta dele.

-Me solte… Por favor. – Balbuciou Alexander, sentindo o gosto metálico do sangue na boca.

-Cala a boca moleque. Você vai pagar pela morte de Sandra, maldito. Se não fosse o critério de Zaid matar você, eu juro que eu mesmo o faria com este punhal aqui. – Disse o cigano bigodudo mostrando uma lâmina fina para Alexander.

-O que vão fazer comigo?

-Não sei. Mas acho que vão te enforcar amanhã de manhã.

-Onde está Sandra? -Questionou ele sem parar para pensar na iminência da própria morte.

-Não sei. Me colocaram, aqui pra te vigiar. Acho que vão cremar ela.

-Olha, é tudo uma armação. Você tem que acreditar em mim. A velha deu uma bebida para Sandra. Ela bebeu e caiu. Sandra foi envenenada pela velha. Eu estava justamente fazendo a velha contar o que tinha dado para Sandra quando vocês chegaram e entenderam tudo errado.

O cigano bigodudo ficou parado. Olhando fixamente nos olhos de Alexander. Parecia estar acreditando. Alexander continuou:

-Veja, por que motivo eu iria atacar a filha do chefe do seu clã? Se eu quisesse mulher poderia me casar, estou prometido a Mikaela, sobrinha da velha. Ela fez isso porque sabe que eu gosto de Sandra e ela gosta de mim.

-Gostava… – O bigodudo interrompeu.

-Gostava. -Disse Alexander, parando por uns minutos. Uma lágrima desceu pelo canto de seu olho e com as mãos amarradas atrás do tronco ele não pode conter a mesma, que desceu rolando pelo seu rosto e pescoço.

-Olha garoto. Eu não quero saber se você é culpado ou não. Estou fazendo o que mandaram. Te vigiar. Quem vai decidir se você tem culpa ou não tem, se vai ter vingança e como vai ser sua execução é o Zaid.

-Chame o Zaid pra mim, por favor. – Implorou Alexander.

O cigano bigodudo apenas riu. Virou-se e voltou a olhar para o céu, como se nada tivesse acontecido.

Alexander perdeu as esperanças.

Enquanto isso, na cabana de Zaid, uma visita inesperada surge. É Dimitri. Ele está de banho tomado, vestindo sua melhor roupa. Foi ter com Zaid em particular.

Zaid estava mal. A morte de Sandra havia mexido muito com ele. Petra, a mãe, estava inconsolável. Sandra estava deitada na cama de peles. As irmãs preparavam-na para o funeral.

-O que te traz aqui? – Perguntou Zaid com uma voz que mal se aproximava do vozeirão típico do guerreiro que era.

-Caro senhor. Vim humildemente pedir a mão de sua filha em casamento. – Disse, Dimitri em Romani, como manda a tradição para momentos solenes.

-O que? Qual delas? Elas nem tem quinze anos ainda!

-Não, não, meu senhor. Eu gostaria de desposar sua filha Sandra.- Disse Dimitri apontando na direção da parte da tenda em que estavam as mulheres com o corpo de Sandra.

(Continua. A história termina amanhã. Não perca)

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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