No final do século 20, John B. Calhoun decidiu fazer um experimento. Chamou sua ideia de “a Utopia”.
Ele começou com ratos. Em 1947, ele começou a observar uma colônia de ratos noruegueses, e a estudou por mais de 28 meses. No período de estudo, ele notou algo: nesse tempo a população poderia ter aumentado para 50.000 ratos, mas em vez disso a população de ratos estudada nunca subia para algo acima de 200 indivíduos.
John notou que a colônia se dividia em grupos menores de 12 ratos. Ele continuou estudando os ratos até 1954. Então, em 1958, ele juntou o que havia aprendido e fez seu primeiro laboratório.
Calhoun comprou o segundo andar de um celeiro, e lá ele fez seu escritório/laboratório.
Por quatro anos ele teve o “Universe 1”, uma sala grande que abrigava ratos e camundongos.
O espaço foi dividido em quatro núcleos espaçosos conectadas por rampas, cada núcleo estava cheio de ratos. A massa aglomerada de ratos produzia um fedor insuportável. Após 4 anos ele se mudou da fazenda, mas em 1963 ele produziu novamente sua mais famosa criação, o “Universe 1”. O primeiro ambiente de inibição da mortalidade de ratos do mundo.
Com 2,7 metros quadrados e paredes de 1,4 m de altura. O “Universo” foi cercado por 16 túneis que traziam estabilidade, levando a comida, água e era equipado com várias tocas.
Era o “mundo da felicidade” para a mente de um rato.
Sem predadores, sem escassez, os ratos teriam que ser cegos para não perceber a utopia ao redor deles. Foi assim que começou a “Utopia”.
Os camundongos iniciais eram apenas quatro pares reprodutores. Eles foram introduzidos no Universo 1.
Após 104 dias eles se ajustaram ao novo mundo e a população começou a crescer, literalmente dobrando a cada 55 dias.
No dia 315 e a população atingiu 620 animais, e então… Parou.
A população do universo 1 cresceu muito mais devagar à medida que os camundongos atingiam o limite do espaço, sua única fronteira na utopia.
Então veio o colapso social, os jovens foram expulsos antes de terem sido devidamente desmamados e começou o ataque dos jovens. Os machos dominantes não podiam defender seu território e as fêmeas tornaram-se mais agressivas. Estranhamente, os machos não dominantes tornaram-se passivos, não retaliando aos ataques. O último parto saudável veio no dia 600. Então, bizarramente, não havia filhos. E o que ocorreu em seguida foi: a extinção.
Pare um minuto pense na nossa condição neste planeta. Estaríamos numa “utopia?”
Desde que li sobre este curioso experimento, nunca perdi essa perspectiva de vista. Estamos num mundo que nos provê alimento, reprodução, ar, tudo… Mas não conseguimos sair da Terra e habitar outros mundos, e de certa forma, nossa explosão populacional parece apontar para um crescimento que lembra o “universo 1” da Utopia em seu período dourado que antecedeu o caos generalizado que culminou com a extinção.
O objetivo do experimento para Calhoun era examinar um problema premente, a superpopulação. Na década de 1940 do pós-guerra, a população mundial estava subindo rapidamente e, nos anos 70, isso continuou. A questão era: o que acontece depois? Então ele testou e testou novamente. Apenas 9 anos depois, em 1972, ele produziria o “Universe 25”, similar em design, mas tão preciso que mantinha até a temperatura constante a 20 graus. Mas a verdade é que não importava como ele ajustava o ‘Universo’, os resultados sempre foram consistentes: O mundo perfeito dos ratos passava de perfeito para assustador.
Depois do dia 600, os ratos machos paravam de defender seu território, os ratos pareciam indiferentes reunidos nos centros do Universo. Logo, o grupo iria explodir em violência sem sentido e esporádica, as fêmeas pararam de se reproduzir e até começaram a atacar seus próprios filhotes. A mortalidade aumentou fenomenalmente. Camundongos em “tilt” atacavam ou tentavam montar outros, independentemente de relação ou gênero, o canibalismo e outros atos de depravação os consumiam. Estes eram os selvagens. Mas havia os “lindos”, como foram apelidados.
O aumento da população havia cessado completamente à medida que a taxa de mortalidade pairava em 100%. Isso marcou o início da “fase da morte” – também conhecida como “período da morte” – na qual a utopia dos roedores se aproximava da extinção. Em meio à violência, hostilidade e falta de acasalamento, uma geração mais jovem de camundongos atingiu a maturidade, nunca tendo sido expostos a exemplos de relações normais e saudáveis. Era uma geração “toddynho” na Utopia.
Sem nenhum conceito de acasalamento, criação de filhos ou marcação de território, essa geração de ratos passava todas as horas de vigília comendo, bebendo e cuidando de si mesmos, alheios ao furdúncio comendo solto no mundo.
Em referência às suas aparências perfeitas e serenas, Calhoun chamou esses camundongos de “lindos”. Vivendo em reclusão dos outros ratos, eles foram poupados da violência e conflito que travaram nas áreas lotadas, mas não fizeram contribuições sociais. Eles se retiraram. Logo, atividades solitárias começaram a defini-los, comendo, bebendo e cuidando de si. Esses ratos se comportavam como uma casta separada do “resto”. Eles passaram a viver reclusos, como em “condomínios”.
Note a estranha semelhança com o que ocorre com muitas sociedades humanas hoje.
No final, a população entrou em declínio, e mesmo quando estava de volta a um nível tolerável, nenhum dos ratos era o mesmo. A mudança foi irreversível, os ratos eram diferentes agora. As fêmeas isoladas ainda podiam ter descendentes e os “lindos” tinham a capacidade de ajudar a produzi-las. Essa tendência inexorável para o colapso social irreversível ficou conhecida como “The Behavioural Sink”.
John Calhoun chamou isso de “a primeira morte”. Seria a “Morte da mente e da alma”, levando eventualmente à segunda morte, da forma física. O que ele quis dizer com isso era que, após a primeira morte, os ratos não eram mais ratos e nunca mais poderiam sê-los. Eram “sobreviventes do caos”.
Antes que a utopia dos roedores implodisse inteiramente, Calhoun removeu alguns dos “lindos” para ver se eles teriam vidas mais produtivas se fossem libertados em uma nova sociedade, livres de conflitos sociais e carnificina. Colocando esses ratos em um novo ambiente com poucos residentes pré-existentes – um cenário semelhante ao que saudou os pares iniciais colocados no Universo25 – ele esperava que os lindos acordassem de sua névoa social e respondessem ao chamado da natureza para povoar o ambiente estéril.
No entanto, os camundongos realocados não mostraram sinais de mudança de seus padrões comportamentais anteriores. Recusando-se a acasalar ou até mesmo interagir entre seus novos pares, os ratos reclusos eventualmente morreram de causas naturais, e a nova sociedade se dobrou sem um único novo nascimento.
Estendendo-se em suas observações dos “lindos”, Calhoun mais tarde opinou que os ratos, como seres humanos, prosperam em um senso de identidade e propósito dentro do mundo em geral. Ele argumentou que experiências como tensão, estresse, ansiedade e a necessidade de sobreviver tornam necessário o engajamento na sociedade.
Quando todas as necessidades são consideradas, e não existe conflito, o ato de viver é despojado de seus princípios fisiológicos básicos de alimento e sono. Na visão de Calhoun:
Aqui está o paradoxo de uma vida sem trabalho ou conflito. Quando todo senso de necessidade é retirado da vida de um indivíduo, a vida deixa de ter propósito.
O indivíduo morre em espírito. Gradualmente, os ratos que se recusaram a acasalar ou se envolver na sociedade chegaram a superar os que formavam gangues, estupraram e saquearam e se alimentaram de seus próprios. A última concepção conhecida no Universo 25 ocorreu no dia 920, quando a população foi limitada a 2.200, bem menos que a capacidade de 3.000 do recinto.
Em um tempo em que as pessoas se preocupavam com os perigos das pessoas serem reunidas nas cidades, isso confirmava seus piores temores. O artigo, quando publicado, foi um sucesso enorme à medida que os artigos iam alimentando a consciência do público e parecia combinar com a pior das preocupações.
Em 1973, mesmo ano após o artigo ser publicado, o filme “Soylent Green” (No mundo de 2020) foi lançado. Ele retratava um futuro distópico, num mundo superlotado, onde a população só poderia sobreviver no Soylent Green, uma distribuição de alimentos do governo. A fonte, um suprimento abundante de cadáveres humanos. Essa mudança, essa inovação se refletia em seus experimentos. Do canibalismo ao comportamento em ratos desesperados, John Calhoun notou que alguns ratos, por mais ferozes que fossem, tinham que inovar para sobreviver, e tornaram-se criativos.
Criar paranóia não era o objetivo do John Calhoun. No fundo, ele estava tentando ser positivo. Ele queria mudar de cidade, e seu “remédio” para o “Behavioral Sink” era a criatividade. Ao mudar a sociedade, passando pelo padrão, evitamos ficar atolados, estagnados e, eventualmente, mortos. Mais de 100 Universos foram projetados depois que ele publicou o artigo em 1973, estes projetados com o objetivo de promover a criatividade e reduzir a estagnação.
A ascensão e queda do Universo 25 provou cinco pontos básicos sobre ratos, assim como humanos:
- O camundongo é uma criatura simples, mas deve desenvolver as habilidades de corte, criação de filhos, defesa territorial e realização de papéis pessoais na frente doméstica e comunitária. Se tais habilidades não se desenvolverem, o indivíduo não irá reproduzir nem encontrar um papel produtivo na sociedade.
- Assim como nos camundongos, todas as espécies envelhecerão e gradualmente morrerão. Não há nada que sugira que a sociedade humana não esteja propensa aos mesmos desenvolvimentos que levaram ao desaparecimento do Universo 25.
- Se o número de indivíduos qualificados exceder o número de vagas na sociedade, o caos e a alienação serão os resultados inevitáveis.
- Indivíduos criados sob as últimas condições não terão qualquer relação com o mundo real. O cumprimento fisiológico será seu único impulso na vida.
- Assim como os camundongos prosperam em um conjunto de comportamentos complexos, a preocupação com os outros desenvolvidos em habilidades e entendimentos humanos pós-industriais é vital para a continuidade do homem como espécie. A perda desses atributos dentro de uma civilização poderia levar ao seu colapso.
Curiosamente, o fato de que quase todo mundo que leu sua pesquisa usou-a para prolongar a desgraça, acabou fazendo John Calhoun ficar perturbado e irritado. Muitos não entenderam seu ponto, mas ainda assim ele continuou. Independentemente do que foi dito, havia ciência para fazer. Ele e outros sugeriram que as colônias espaciais seriam como uma forma de promover as sociedades humanas e ele convenceu muitas pessoas a mudar a maneira como pensavam nas cidades. Embora descontroladamente controversa quando divulgada pela primeira vez, a teoria de Calhoun levantou a preocupação, ao longo dos anos, de que o colapso social como o do Universo 25 pudesse servir como metáfora da trajetória da raça humana. Consequentemente, o “projeto de utopia de roedores” tem sido objeto de interesse entre arquitetos, conselhos de planejamento urbano e agências governamentais em todo o mundo.
Mais de quatro décadas se passaram desde que Calhoun conduziu seu experimento com o Universo 25. Não obstante, persistem questões sobre as observações que ele tirou do colapso da utopia dos roedores. O mais urgente é a questão da população humana, que globalmente poderia chegar a 9,6 bilhões até 2050 se continuarmos no nosso curso atual. A tendência populacional desperta inúmeras preocupações:
- A humanidade continuará a prosperar se a população exceder o número de empregos disponíveis? E quanto à tecnologia disruptiva, em que um novo produto ou inovação torna campos inteiros obsoletos ou uma tarefa que exigia várias mãos agora pode ser concluída com o pressionar de um botão?
- Se a maioria dos empregos é ultrapassada pela tecnologia, o que irá sustentar a economia? Grandes cortes transversais da população ficarão destituídos, ou a classe bilionária apoiará a todos?
- Como as pessoas irão funcionar e interagir umas com as outras em um mundo onde quase ninguém trabalha? Um indivíduo pode desenvolver habilidades interpessoais quando não há necessidade de buscar relações de trabalho no mundo exterior?
John e seus “roedores da matrix” ajudaram o mundo. O artigo de 1973 foi classificado como um dos 40 artigos de Psicologia mais influentes de todos os tempos, e com boas razões. O artigo mostrava que um futuro distópico poderia estar “logo ali”.
…E talvez ainda esteja.
Mundo gump de volta, adorei!
Foi bem pensado quando publicou este poste caro blogueiro, um dos seguidores desta problemática
e preocupado com o assunto de forma declarada em suas conferências foi nada mais nada menos que o bilionário Rofheller, para quem não o conhece ele é dono do principal banco americano, portanto io chamam de “o cabeça pensante” por de traz de um movimento que age nas sombras com o intuito da redução populacional, agora se verdade ou não fica a mensagem, pois supomos que apenas um punhado de pessoas detenham o poderio econômico e influência global aliada a suas sagacidades partilhando dos mesmos interesses, pode-se esperar de tudo.
Philipe, essa experiência não te lembrou de “A Máquina do Tempo”, o livro? A situação da humanidade no futuro que o viajante do tempo encontrou era resultado de situação bem parecida.
Totalmente. H.G. Wells previu essa merda.
Olá, Philipe. O Mundo Gump está sem favicon, coloque aí um ícone jeitoso porque assim minha lista de favoritos fica mais bonita.
Saudações o/
Deve ter dado alguma merda, pq tinha… Vou ver. Valeu por avisar, o meu aparece normal pq deve estar no cache