domingo, dezembro 22, 2024

Zumbi – Parte 16

-David? – Ela sussurrou na escuridão.
Não houve resposta. Apenas o som do vento soprando lá fora. Era um vento frio que entrava levantando poeira pela casa. A porta começou a bater com a ventania.
Alice viu os clarões no céu. Uma tempestade se anunciava.
-David? David? – Alice tateou em busca do zumbi, mas notou que a cama dele estava vazia.

Ela foi até a mesa onde havia deixado a lamparina. Quando finalmente conseguiu acender o equipamento, viu que a cama de David estava remexida no chão. E não havia nenhum sinal dele.
Ela começou a desconfiar que talvez David tivesse sofrido da fome zumbi. Alice vestiu as botas, pegou a lamparina e a arma e saiu da casa. Ela andou pelas cocheiras, em busca de algum sinal de David, mas a fazenda parecia deserta.
Foi até o celeiro, na esperança de encontrar David Carlyle comendo os cadáveres do casal, mas lá só havia moscas e larvas se alimentando dos cadáveres malcheirosos. Ela voltou para a casa. Talvez David tivesse ido ao segundo andar.
O primeiro trovão estourou na escuridão da noite, ribombando em ecos que lembravam o fim do mundo. De tempos em tempos, clarões iluminavam o céu e ao longe, ela viu cair um raio.
Alice subiu as escadas com medo.
A luz iluminou o comprido corredor que terminava na porta do banheiro. Tão logo a luz adentrou por baixo da fresta, as crianças começaram a bater e arranhar a porta novamente.
Não havia sinal de David em nenhum dos quartos. Alice notou que a gaveta da escrivaninha do escritório estava aberta.
Ela desceu tentando imaginar onde David teria se metido. Ao descer pelas escadas, Alice olhou na direção da cama e viu alguma coisa.
Havia um pedaço de papel sobre a cama de David. Era a metade de uma folha de caderno rasgada, e estava jogada sobre a cama dele. Talvez tivesse voado com o vento. Alice pegou o papel e viu que tinha algo escrito a lápis, mas a letra era um garrancho ilegível. Ela trouxe o papel para perto da luz, e levou algum tempo para entender o que estava escrito naquele papel:

“Querida Alice,
Não podemos ficar juntos. Nosso destino nos condena. Vou embora para que você possa [parte totalmente ilegível] buscar ajuda em [ilegível] cidade. [ilegível] amei de todo coração e desejo [ilegível] sucesso do mundo, sobrevivendo neste inferno.
Sempre te amarei. Nem a morte [ilegível] meu coração.
David.”

Alice caiu sentada na cadeira. Não podia acreditar que havia sido abandonada pelo zumbi.
-Ah, não… David. – Ela disse com lágrimas nos olhos.
Alice compreendeu de uma só vez que David, apesar de morto, ainda estava ali. E embora não conseguisse mais falar, ele conseguia escrever.
Alice ficou olhando para o pedaço de papel e imaginando o quão triste deve ter sido para David tomar aquela decisão e partir na escuridão da noite, em uma fazenda afastada da estrada, no meio do nada. David sabia que na condição de um morto-vivo ele acabaria sendo um risco para a vida dela, direta ou indiretamente. Ele sabia também que a coisa mais sensata a se fazer seria Alice matá-lo como ele havia feito a moça prometer, mas ela nunca teria coragem de fazer aquilo. Não com ele.
Por isso partiu, liberando Alice da difícil tarefa de conviver com um meio-zumbi. David percebeu que ele não poderia mais ser o homem para aquela mulher e que ela teria mais segurança se pudesse encontrar abrigo com um grupo de sobreviventes. E isso nunca iria acontecer se ela estivesse na companhia de um zumbi. Mesmo sendo um que pensa.

Alice estava em frangalhos. Sentia-se o pior ser do mundo. Não estava pronta para lidar com a situação de abandono. David havia sido a única pessoa na Terra que não a abandonou em momentos horríveis, e ela esperava que ele fosse estar do seu lado para sempre. Agora só restava uma cama bagunçada improvisada na sala, e a solidão doeu fundo no peito dela.

Alice começou a chorar e a chuva se abateu violenta sobre a fazenda. A água gotejava pela casa toda, e escorria pelos vidros da varanda. Alice ficou ali, sozinha, chorando, sem saber o que fazer.
Então, Um barulho ensurdecedor estourou perto dela e um clarão iluminou tudo de branco.
Um raio havia caído na árvore ao lado da casa. O tronco explodiu com o calor súbito, quebrando a árvore em duas partes. Uma atingiu a varanda, quebrando uma parte da janela da sala, e a outra caiu perto do carro.
Alice correu para ver o barulhão na varanda. Estava tudo escuro e a lamparina era ineficiente para iluminar a varanda. O vento forte adentrava os buracos na janela.
Novos relâmpagos iluminavam o pasto. Num dos clarões, Alice viu o que lhe pareceu ser um vulto andando ao longe. Não dava para ter certeza se estava vindo na direção da casa ou indo.
Ela correu para a varanda e forçou os olhos tentando enxergar na escuridão.
-Merda! Quando a gente quer que dê um clarão, não acontece. – Ela disse, aflita.
Levou algum tempo até que um novo clarão iluminasse o pasto. A figura estava longe, mas era ele. Era David. Andando a pé, na direção da estrada.
-David! – Alice gritou.
Ela saiu correndo, largando a lamparina para trás. Corria esbaforida pelo pasto. O coração palpitando. Tudo que ela queria era abraçar David. Segurá-lo contra o peito. Ficar com ele.

Alice ia correndo e esperava os relâmpagos para que eles lhe mostrassem onde David estava.
David era quase um ponto negro no horizonte. A chuva caía fria, congelante. Alice estava ensopada. Mas ela corria, incansável, para se encontrar com David.

Subitamente, um clarão iluminou o céu e Alice viu um enorme raio branco surgir onde antes estava David Carlyle. No segundo seguinte, não havia nem sinal dele.

-Nããããããããããããããããããããããããããããããoooooo! – Alice caiu no chão de grama, sem forças.

Aquele tinha sido um raio de proporções bíblicas. O som da explosão causada pelo raio ainda ecoava nos ouvidos dela.

Alice levantou-se. Limpou a lama do rosto. Sentia o gosto salgado das lagrimas entrando na boca. Ela levantou e tentou olhar na distância. Não havia mais sinal de David.

Alice estava no meio do pasto. Ela olhou para cima e ouviu os trovões estourando e notou o céu se iluminando com os relâmpagos. Então ela caiu na real de que ali no meio do pasto, ela também levaria um raio na cabeça.
Alice correu desesperada para a casa. Conseguiu chegar na casa completamente molhada de chuva e lama. Ela foi até a cozinha e pegou a chave do carro. Saltou para fora da casa e entrou no veículo.
Acelerou pela estrada esburacada e cheia de lama, em direção à estrada.
Enquanto dirigia perigosamente rápido em meio a tempestade, Alice chorava, já temendo pelo pior.

Quando chegou na porteira que dava acesso a estrada, não parou para abrir. Meteu o carro com toda força contra a porteira, despedaçando as tábuas em fragmentos para todos os lados.
O carro acelerou rapidamente em direção a estrada, e em seguida, disparou pelo asfalto até a curva onde de longe Alice viu o farol alto iluminar um volume escuro no meio da via.
Ela meteu o pé no freio e o carro derrapou. Alice pisou fundo no freio, tentando manter o carro alinhado. Ele escorregou com as rodas ainda cheias de lama no asfalto encharcado, e quase atingiu aquela coisa. Quando o carro finalmente parou, estava a poucos metros do corpo de David.
Alice saltou do carro e correu na direção dele.
-David! David!!!
Embora chovesse copiosamente, Alice sentiu o cheiro de queimado quando se aproximou. Ele estava emborcado, com a cabeça contra o asfalto. O sobretudo preto lhe cobria todo o corpo.
Alice teve medo e puxá-lo. Temia que ao virar o rosto dele, desse de cara com uma massa de carne dismorfa e fumegante.
-David!
Quando ela finalmente puxou David, ele estava com a expressão pálida de sempre. Os olhos revirados dentro das órbitas. Não parecia vivo, quer dizer, David já não parecia vivo há algum tempo, mas naquele momento parecia duplamente morto.
Alice viu que a fumaça surgia do canto da estrada. Um poste de luz havia sido completamente derretido pelo poder do raio.
Ela agarrou David e arrastou-o pelo chão até o carro. Com algum sacrifício conseguiu jogar o corpo de David no banco de trás e o levou de volta para a fazenda.

Algum tempo depois, David está encharcado, estirado no sofá. Alice também molhada, olha para ele à luz da lamparina. A chuva lá fora continua, copiosamente.

-Ah, David… – Ela diz, se lamentando.
Ele parecia completamente morto. Não havia nenhum sinal vital. Ela esperou, que subitamente ele se levantasse ou tremesse ou desse o mais leve indício de que poderia se recuperar. Como David não tinha nenhum sinal de queimadura, Alice concluiu que o raio caiu no poste, ao lado dele e que a gigantesca onda de choque provocada pela descarga elétrica o havia atingido e jogado longe.

-David. Não vou desistir de você. Já te vi morto assim outra vez. – Ela disse, olhando para ele. David pingava, molhando todo o sofá de couro.

Alice sentia muito frio. O vento gelado entrava pelas frestas quebradas da janela da sala. Alice achou melhor mudar de roupa. Ela pegou a lamparina e foi até o quarto do casal no andar superior.
Ali, no armário encontrou os vestidos da ruiva. Achou uma toalha, com o qual secou-se. Depois vestiu um rodado, de bolinhas. Ela também pegou algumas roupas do fazendeiro. Uma calça de moleton, uma camisa de flanela horrível, com padronagem xadrez de gales. Enrolou a toalha nos cabelos e desceu.
Alice levou um susto quando a lamparina iluminou a sala e ela deu de cara com David de pé, na sala, de costas para ela, olhando para a inscrição da parede.
-David! – Ela gritou.
David virou-se. Ele parecia confuso. Olhou para ela e para o arredor, como se não entendesse como havia parado ali.
-Calma, David! Calma. Senta aí. – Alice apontou o sofá e David se sentou, obediente.

Alice desceu até onde David estava.
-Você está me reconhecendo? – Ela perguntou, mantendo-se distante por precaução.
David hesitou. Olhou para ela com aquele olhar vazio. Alice sentiu um frio na barriga. Temia que o zumbi não a reconhecesse e este era o maior dos riscos. O que lhe impediria de atacá-la?

David então moveu a cabeça em sinal positivo. Alice respirou aliviada.
David olhou para o papel na mesa. Ele meteu a mão no bolso do sobretudo molhado e pegou um lápis.
Apontou para o papel.
-Que? Quer escrever? Toma. – Alice pegou o papel e passou para David.

Ele levou algum tempo tentando firmar a mão, que tremia como a de um velho decrépito. Então escreveu no verso:

O que aconteceu comigo? Estou tonto.

Em seguida, ele estendeu o papel para Alice. Ela leu aquilo.
-David, você foi embora. E um raio caiu perto de onde você estava. Eu fui lá e te busquei. Por que você fez isso, David? Por que você foi embora?

David ficou imóvel, olhando o papel.

Alice ficou ali, olhando para ele. Ela sentia um misto de pena, tristeza e ternura.
David voltou a escrever. Demorou um longo tempo com o papel na mão. E enfim, estendeu para Alice.

Era singelo. Estava escrito apenas:

Desculpe. Eu não queria te magoar.
David (o desenho tosco de um coração) Alice

-Eu te amo, David! – Ela disse chorando. Abraçou o zumbi apertado.

David retribuiu o abraço, enquanto sentia uma dor aguda comer suas entranhas e estourar nas suas juntas. Os dois ficaram um longo tempo abraçados. O sobretudo molhado de David estava molhando novamente o corpo de Alice. David sentia novamente a vontade incontrolável de comer carne humana.

-David, vem, veste isso aqui, ó. Você tá todo molhado. – Ela disse, tirando o sobretudo dele.
Após secá-lo com a toalha dos cabelos, Alice colocou a roupa do fazendeiro em David. As calças ficaram meio pescando siri, e a camisa era uma coisa horrenda, mas pelo menos estavam secos.
Alice estava sentada à mesa na sala. David estava na poltrona.
David voltou para a cama dele.
Alice olhou nos olhos do zumbi antes de dizer:
-Boa noite, David. – E em seguida apagar a lamparina.

David ficou parado, olhando para o teto. A escuridão da sala era iluminada de uma luz branco-azulada de vez em quando. O barulho da chuva lá fora era abafado. O zumbi resignou-se e fechou os olhos esperando que o dia voltasse a surgir logo. Mas então sentiu alguma coisa esbarrar nas pernas dele e o corpo de alice deitou sobre ele. E depois rolou para o lado dele.
David soltou um gemido baixo.
-Shhhhhhh. – Ela sussurrou baixinho. – Não fala nada.
Alice tocou seus lábios quentes nos lábios frios de David. Ele abriu a boca e sentiu a língua de Alice roçar na dele. Era quente e macia. Tudo que ele precisava fazer era fechar a boca com força para decepar aquela língua que dançava serpenteando na boca dele. David imaginou o sangue quente jorrando na boca dele, descendo pela garganta…
Mas o beijo apaixonado acabou antes que ele pudesse terminar de imaginar como iria morder o delicado tecido que envolvia os lábios doces daquela mulher.
David sentiu o cheiro maravilhoso dos cabelos dela. Ela se aconchegou junto ao peito dele. E dormiu, abraçada com o zumbi.
David ficou pensando o quanto teria de ser forte e conter a vontade de comê-la. Imaginou-se como um beduíno do deserto do Saara, desidratado, com sede, já quase morrendo, dormindo abraçado com um copo d´água.

Quando Alice abriu os olhos, David estava parado, olhando para ela como um boneco de cera.
-Hã? Cruzes, David. Que susto! – Ela reclamou.
David estava imóvel. Os olhos fixos nela, como um boneco.
-Você ficou velando meu sono?
David acenou positivamente com a cabeça.
O sol entrava fraco pelos buracos da janela, iluminando o interior da sala.
-Ung… Minha cabeça. Que dor no corpo.- Disse Alice. Em seguida espirrou. -Acho que peguei um resfriado.
Os dois se levantaram.
Vem, David. Vamos tomar café. – Ela disse, indo até a cozinha. Alice pegou alguns biscoitos e serviu um copo de refrigerante quente.
-Quer?
David negou movendo a cabeça de lado a lado. Alice entendeu imediatamente. Ela percebeu que a comida normal fazia mal a David e apenas a carne humana lhe satisfaria.
-Como você está, David? – Alice perguntou mordendo um pedaço de bolacha.
David saiu da cozinha e foi até a sala. Alice já pensava em ir atrás quando ele retornou, com o papel e o lápis na mão.
David escreveu:

DOR

Alice se assustou. A palavra havia sido grafada em maiúsculas.
-Muita dor, David?
Ele moveu a cabeça em sinal positivo.
Alice ficou pensativa. O silêncio só era cortado pelos sons dos passarinhos voando lá fora.
David… Precisamos sair daqui, né?
David escreveu:

A dor vai piorar. Preciso [ilegível] carne.

Alice entendeu.
-Embora haja comida para alguns dias e mais conforto do que tínhamos na cabana do caçador, a dor vai piorar, né?
David assentiu com a cabeça.
-David… Temos que arranjar comida pra você. – Ela disse num tom estranho.
Os dois ficaram se olhando. David escreveu:

CIDADE

-Bom, temos mesmo que dar no pé. Cedo ou tarde aquelas coisas trancadas no banheiro vão dar um jeito de sair de lá. Vem, David. Vamos olhar pela casa pra ver se tem combustível, água, lanternas, coisas assim.
Alice enfiou mais duas bolachas na boca e tomou um gole de coca-cola.

David foi até o andar de cima. Alice começou a mexer nos armários da casa, em busca de algo que fosse útil. Achou uma caixa com algumas balas da carabina. Velas, fósforos, lanterna. Não havia água e a que saía da pia não parecia muito confiável.
David desceu as escadas segurando um bloco de papel numa mão e um mapa na outra.
-Um mapa!
David gemeu baixinho e colocou o mapa no centro da mesa.
-Onde será que nós estamos?
David ficou olhando o mapa em silêncio. Então ele apontou com o dedo trêmulo um ponto no mapa. Era o lago da reserva.
Em seguida, David foi até o sofá e começou a vestir as roupas de Ed.
-Mas isso está molhado, David! – Alice tentou impedi-lo. David a empurrou devagar, afastando-a.
-Tá, tudo bem, Cê que sabe. Quer bancar de Matrix? Vai fundo. Zumbi não pega pneumonia, né? Mas eu vou ficar com este vestido aqui. Tudo bem que ele não combina muito com as minhas botas… Né?
Pela primeira vez o zumbi esboçou um sorriso.
David voltou a apontar o mapa. Ele então puxou o dedo pelo mapa, mostrando a rodovia que eles haviam trafegado, saindo daquela área até uma cidade enorme.
-Acho que nós andamos uns 400, talvez 500 quilômetros. -Alice falou, mostrando no mapa a distância.- Devemos estar por algum lugar nessa área aqui, ó.
O zumbi concordou em silêncio. Alice tornou a falar.

-David, estamos perto da cidade de Atlanta. Não falta muito. Talvez uns 200 km ou menos, mas o carro está na reserva. Com certeza não vamos ter combustível para chegar lá.
David ficou parado, olhando para Alice.

-Não sei como vamos fazer. Se pelo menos os cavalos não estivessem mortos…

Nisso, um barulho chamou a atenção deles. O barulho ecoou. Era a porta do celeiro batendo. Alice correu e abaixou-se perto da janela.
Ela olhou pela fresta e viu que havia um morto cambaleando perto do celeiro.
-Olha lá, David. – Apontou Alice, abaixando-se atrás da janela. – Viu?
David olhou rápido. E escondeu-se também.
-Acho que é só um. O que você acha?
David fez sinal de dois com os dedos.
-Como que essas merdas chegaram aqui? – Sussurrou Alice.
David colocou o dedo na ponta do nariz.
-Hummmm. Puts! – Disse ela batendo com a mão espalmada na testa. – Agora que eu estou entendendo. Que merda que nós fizemos, David. Agora eu entendi porque o coroa fechou a casa toda. Era para conter o cheiro. O cheiro dos mortos no celeiro está se espalhando pelo ar. Está sendo levado com o vento. – Ela completou.
David apenas concordava com a cabeça.
-David, se não dermos logo o fora daqui, este lugar vai ferver de zumbis! – Disse Alice com o olho arregalado de pavor. -Vem, pega o mapa. Pega os revolveres. Eu fico com a carabina. Vamos colocar tudo numa sacola. Corremos para o carro e vamos dirigir até o combustível acabar. Deve dar pra mais uma meia hora de estrada. Aí pra frente deve ter algum outro carro.

David concordou. Ele pegou as duas pistolas. Alice colocou as balas na carabina do suicida. Ela pegou um saco de mercado. Colocou uma garrafa de refrigerante dentro dele, o resto dos biscoitos, uma lanterna, o bloco de papel e uma caneta e o mapa.
Amarrou o saco e enfiou os braços pelas alças, como se fosse uma mochila.
-Pronto? – Ela perguntou junto a porta.
David assentiu com a cabeça.
-Vamos! – Disse ela, correndo para fora da casa.
Os zumbis que estavam perto do celeiro começaram a gritar. Em menos de um minuto cerca de cinco zumbis estavam correndo no pasto, vindo na direção deles.
Alice entrou no carro e ligou o motor.
David jogou-se no banco de trás.
A moça mirou a carabina da janela do carro.
-Cinco, quatro três dois… Tchau saco de merda! – Disse ela, disparando. A cabeça do zumbi que vinha na frente estourou. Os outros vinham mais atrás.
Alice meteu o pé no acelerador e o carro disparou pela estrada de terra, indo na direção de onde vinham os zumbis.
-Segura aí, David! – Ela gritou.
Não houve tempo de David segurar. O carro atropelou dois zumbis. Os corpos se chocaram contra o vidro, estilhaçando-o. Um zumbi saltou sobre a mala do carro e garrou-se na janela de trás do veículo.
Ele começou a içar o corpo para dentro do carro.
-Mata! Mata! – Gritava Alice. David colocou a arma na testa do zumbi e puxou o gatilho. Uma explosão de sangue gosmento, fumaça e pólvora inundou o carro. O corpo caiu na estrada.
O carro saltava os últimos buracos lamacentos em direção ao asfalto.

Já era quase meio dia e eles estavam na estrada.
À medida em que se aproximavam da cidade, mais e mais carros batidos, capotados e carcaças esturricadas de veículos incendiados apareciam na beira da estrada.
De tempos em tempos, Alice parava o carro e David descia para conferir se algum estava em condições. A maioria dos carros havia sido abandonada pelas pessoas na hora da fuga em massa. Incrível como as pessoas mesmo nas piores horas tem a horrível mania de levar consigo as chaves dos veículos.
Havia todo tipo de carro naquele lugar. Dos velhos, batidos e enferrujados aos caríssimos veículos de luxo.
David e Alice pararam ao ver um impecável Bentley branco enfiado na traseira de um Suzuki Swift modelo 1990, todo amassado e sujo de lama.
Alice e David sabiam que carros muito luxuosos eram grandes fontes de problema, pois tinham motor possante em demasia e se caracterizavam pela pouca economia de combustível.

-Imagina o ódio do ricaço, David. – Disse Alice apontando o carro.
Eles seguiam pela contra-mão, já que a mão que levava para fora da cidade era um mar de carcaças e veículos. A confusão só era quebrada de vez em quando, porque com a passagem do carro deles, os urubus e corvos se assustavam, decolando para o céu. Eventualmente, pequenas matilhas de cachorros corriam pelos carros indo se esconder no mato perto do acostamento.
-Os animais estão comendo os restos que os zumbis deixaram. – Comentou Alice ao ver um grupo de urubus brigando por um pedaço de carne pobre sobre uma limusine.

Algum tempo depois, quando o carro deles começou a engasgar e finalmente parou sem combustível, eles resolveram descer.
-Vem, David. Vamos dar uma olhada pra ver se achamos alguma coisa. Vem com cuidado. – Falou Alice, com a carabina apontada na direção dos carros.
David Desceu. Ela viu que David parecia bastante frágil. Estava tremendo e parecia ter o raciocínio cada vez mais lento. Movia-se com dificuldade, cambaleando, como na floresta.
David sacou o pedaço de papel e escreveu algo. Virou o papel para ela. Estava escrito:

Preciso de carne. A dor [ilegível] insuportável!!!

Calma, David. Calma! Nós vamos achar comida pra você.

Alice e David começaram a vasculhar os carros, em busca de algum veículo que ainda estivesse em condições. Sempre que eles achavam algum com a chave na ignição, ele estava preso pelo engarrafamento e era impossível retirar o carro dali. A maioria dos carros estava com as portas abertas. Alguns continham malas com roupas e até comida. Alice encontrou um carro com varias garrafas de água lacradas. As garrafas estavam quentes pelo sol escaldante que fazia naquela tarde, mas ela bebeu mesmo assim.
Eles andaram um bom pedaço, olhando os carros e procurando coisas que fossem úteis. David achou um jipe. E conseguiu virar a chave no contato. Ele ligou.
-David, o problema do Jipe é que ele é aberto. Veja. Essas coisas vão pular em cima de nós! – Disse Alice, avaliando o carro.
Vem, pega a chave. Se até aquela placa lá não acharmos nada que preste, vamos meter as caras de jipe mesmo.
David retirou a chave do contato e guardou no bolso. Continuaram a vasculhar os carros.
Alice achou finalmente um fusca, que estava com um pneu furado. Mas a chave estava no contato, os vidros intactos e ele indicava o tanque cheio. Pelo interior, impecavelmente forrado em couro branco, ela concluiu que era carro de colecionador.
-Bom sinal. Carro de colecionador costuma ter um motor jóia! – Disse ela. David concordou.
Ele apontou o pneu e escreveu no caderninho:

Temos que trocar este pneu.

Alice concordou e abriu o capô. O estepe não estava lá.
– Maldição! – Ela praguejou. – O cara certamente já estava andando com o estepe. E agora?
David voltou a zanzar por entre os carros. Alice ficou sentada no fusca, olhando aquela montanha de metal retorcido, repleto de moscas, urubus e corvos. Pensou em David. ELa sabia que ele não iria aguentar muito tempo. A cada minuto, a dor ia tomando conta do corpo dele. Alice sabia que haveria um ponto em que David perderia completamente o controle. E nesta hora ele certamente iria regredir a um estágio primal e veria nela não a mulher que ele amava, mas uma solução desesperada para aplacar a dor. Alice sabia que precisava levar David até algum grupo de resistência, algum acampamento de sobreviventes, para que ele se alimentasse de gente. Não era algo agradável ou fácil de se pensar. Mas se não fizesse isso, ela sabia que cedo ou tarde, seria a vez dela se tornar o almoço. Tomou outro gole da água. O dia estava quente demais. O vapor quente dos carros fazia a estrada parecer um deserto fétido.
David estava demorando muito. Alice saiu do fusca e olhou ao redor, mas tirando pássaros que voavam ao longe e o som do vento nas árvores, não viu sinal de David.
– David? – Ela gritou. Mas não houve resposta. Então Alice tornou a gritar. – David? Cadê você?
Nada.
Ela saiu com a carabina. Andou por entre os carros e as carcaças queimadas à procura de David.
Então, Alice ouviu um barulho perto de onde ela estava.
Alice empunhou a carabina e apontou na direção do som. Mas agora tudo estava estranhamente silencioso. O silêncio macabro fazia com que ela pudesse sentir seu coração disparando. E se algum animal selvagem atacou David? Ela percebeu o quanto tinha sido burra de não ir com ele. Com a dificuldade de falar, David não conseguiria gritar ou pedir socorro.
Alice lentamente andou segurando a arma apontada para a frente. Um carro verde bloqueava sua visão. Ela ouviu um barulho estranho, úmido, de coisas pingando. Alice tremia. Ela avançou lentamente com a arma em punho e deu a volta no carro. O dedo no gatilho pronto para apertá-lo.

Então ela viu uma cena grotesca. David estava de quatro, com a cabeça enfiada dentro do carro verde. De onde pingava uma grande quantidade de sangue.
Alice não disse nada. Aproximou-se em silêncio.
Ela se horrorizou ao ver que David estava comendo os restos de um recém nascido com uma fúria de um animal.
-David! – Alice gritou assustada.
David virou para ela, a cara toda manchada de sangue. Ele se levantou meio sem graça. Limpou o sangue do rosto nas costas da mão.
-O que é isso, David? Que nojo!
David sacou o bloco do bolso. Escreveu rapidamente.

Desculpe. Eu perdi a cabeça. A criança já estava morta.

-Cruzes. Você consegue comer gente morta?

Não é igual a carne de gente viva. Tem gosto muito amargo.

David escrevia bem mais rápido agora e já não tremia mais. O carro estava todo espalhado de sangue. Os restos da perninha do neném pendiam do banco do veículo. Alice sentiu náusea. O calor, a água quente que ela tinha bebido, a cena horrenda de David comendo aquele pequeno bebê indefeso… Alice vomitou ali mesmo.

David tentou ampará-la. Mas ela o afastou.
-Sai. Sai. Preciso ficar sozinha. – Ela disse indo pelo meio dos carros. Ela voltou até oi fusca, onde jogou-se pesadamente. Estava cansada. Começou a pensar se realmente David não estava certo de ter ido embora. Ela não sabia até quando ela iria aguentar ao lado dele naquelas condições. Por mais que ela gostasse de David, aquilo não era vida. Comer um cadáver de bebê?

Minutos depois ele voltou, rolando um pneu.
Pegou o macaco e começou a içar o carro. Alice estava em silêncio. Não queria olhar na cara dele.
David trocou o pneu com alguma agilidade. Entrou no carro.
Os dois ficaram ali, parados. Em silêncio. O sol escaldante assava o interior do fusca.
David colocou a mão na perna de Alice.
Ela olhou pra ele. David mostrou o bloco:

Vamos?

-Vamos. – Ela disse, telegraficamente.

Acelerou o fusca. O motor deu uns estouros mas pegou numa boa. O carro foi jogado no mato, no acostamento. Alice avançou devagar com o carro pelo acostamento mesmo. Dirigiram por um longo trecho, de cerca de dez km, na periferia da cidade, até que chegaram a um viaduto despencado. Um tanque de guerra havia atingido um dos pilares e o viaduto desabou no meio, formando uma rampa descendente e outra ascendente logo à frente. No entroncamento a parte de baixo da rodovia era um emaranhado de carros empilhados, batidos e incendiados.
Alice parou o carro para examinar melhor o contexto.

-Porra…

David desceu e escreveu no bloco:

Será que dá?

-Acho que ele até desce, mas não vai ter força pra subir do outro lado lá.

E agora?

-Sei lá. Acho que vamos ter que largar o fusca aqui. Talvez ir a pé.

David pousou a mão com carinho no ombro de Alice. Fez um sinal com a mão. E saiu andando.

Alice voltou no carro. Pegou as garrafas de água, colocou na sacola. Empunhou a carabina e foi atrás de David.
Eles andaram pela estrada durante horas, com o sol inclemente a castigá-los.
O sol ainda brilhava forte, mas já se aproximava do horizonte o suficiente para Alice começar a se preocupar com a noite que estaria por vir. Ela sabia que as grandes cidades deveriam ser evitadas a todo custo. A grande concentração de pessoas havia tornado as cidades como Atlanta em grandes arapucas para os sobreviventes. Ninguém em sã consciência seria burro o suficiente para entrar lá sem um plano.

Alice parou para descansar. Bebeu água e olhou os prédios da metrópole elevando-se contra o céu quase sem nuvens.
-Que bom… Hoje não deve chover.
David tornou a escrever.

Medo de raio?

Alice riu. -Só me faltava essa. Um zumbi piadista. – Ela disse, admirando a paisagem do alto do viaduto onde eles estavam.
David bateu no ombro de Alice e apontou algo lá em baixo.
Ela olhou e viu um terreno baldio nas proximidades da rodovia. Havia pelo menos uns seis zumbis cambaleando devagar na estrada abaixo. Alice e David se abaixaram.
Ficaram olhando por uma fresta na junta de dilatação do viaduto.
-O que eles estão fazendo? – Ela sussurrou.

Não sei.

Alice se sentou e encostou na parede do viaduto.
-David, a noite não demora a chegar. Vamos ter que pensar num lugar seguro para dormir.
David pegou o bloco e escreveu:

Vamos dormir num dos prédios.

Ele entregou o bloco para Alice e apontou no horizonte. Grandes prédios de aço e vidro surgiam no horizonte.
-Tá, mas vai anoitecer daqui a pouco. Como que você acha que vamos entrar lá?
David ficou quieto. Ficou olhando para Alice com sua cara sem expressão. Olhou então atrás dela e apontou.
Alice se assustou. Deu um pulo com a carabina na mão, apontada na direção em que David havia mostrado.
-Que foi? Que foi? Viu alguma coisa?
David apontou novamente. E finalmente Alice notou uma moto Harley Davidson, da polícia, caída no viaduto.
David escrevia algo no bloco. Ele virou a folha para Alice poder ler.

Não sei dirigir moto. Você tem carta?

-Eu não tenho carta, mas eu sei dirigir. Ela disse, correndo na direção da moto. – Vem, me ajuda aqui. Ung, que peso!

David ajudou Alice e eles ergueram a moto da polícia.
-Bom, parece ágil. – Ela disse. – A chave está aqui, vamos ver como está de gasosa. Alice girou a chave. O mostrador informou meio tanque.
Aparentemente está tudo bem com ela. Vou ligar. Prepare-se.
Alice sentou na moto. Apertou o botão da partida e a moto roncou.
David andou até o parapeito do viaduto e olhou lá para baixo. Os zumbis andavam de um lado para o outro, agitados como formigas. Vários mortos surgiam cambaleando sob o viaduto. Estavam ouvindo o barulho, mas não sabiam onde.
-Vem David! – Alice gritou, colocando a carabina no coldre da moto.
David correu e saltou na garupa. Alice girou a manete suavemente e a moto deslisou magicamente pelo asfalto. Minutos depois, enquanto o sol se punha em raios alaranjados, Alice dirigia a moto pelo viaduto com grande desenvoltura, desviando de carcaças podres e carros batidos. David sentia o vento frio no rosto e olhava a sombra azul que eles projetavam na mureta de concreto da avenida.
Eventualmente surgia de dentro dos carros um zumbi moribundo, que David se encarregava de eliminar com as pistolas.
Alice acelerava e a moto ganhava velocidade rapidamente. Adentraram o centro da cidade. Era grande o numero de obstáculos. Tinha tanques de guerra por todos os lados. A quantidade de retalhos de roupas, manchas de sangue seco e pedaços de ossos amarelados fedendo nos cantos era imensa.
Os zumbis surgiam de todos os lugares, atraídos pelo som da moto, que ecoava entre os prédios.

Os dois cruzaram varias ruas, sempre em alta velocidade, tentando desviar das multidões de mortos, que bloqueavam certas partes das avenidas.
Numa esquina, David achou ter visto um crânio de cavalo em meio a um amontoado de ossos.
-Acho que aquele prédio lá parece bom. – Alice apontou para um prédio no final da rua, que tinha uma grande antena no alto. David sabia que aquela antena significava que uma radio operava lá. Talvez aquela fosse uma boa forma de obter socorro. Ou comida. Ou ambos.

Alice acelerou a moto, passando em meio a uma multidão de mortos vivos que corriam desajeitadamente tentando alcançar a moto. Ao virar uma esquina, a toda velocidade, Alice deu de cara com uma barricada de carros e blocos de cimento.
-AAAAAHH! – Ela gritou. Alice freou a moto, mas não houve tempo de contê-la. David saltou da motocicleta da polícia a tempo de ver Alice cair e rolar no asfalto, batendo contra o muro, desacordada. A moto chocou-se contra o paralelepípedo da calçada e disparou o alarme da polícia.
O alarme ecoou pela cidade deserta, e uma multidão gigantesca de zumbis começou a surgir de todos os lados.
“Puta que pariu! Agora fudeu!” – David pensou. Ele correu até Alice. Olhou para trás e viu os mortos correndo para onde eles estavam.
David gemeu o ruído gutural que emitia sempre que tentava falar. Alice estava desmaiada. Tinha um corte pequeno na testa.
David sacudiu Alice, mas ela não acordou. Ele então jogou a moça nos ombros e começou a disparar tiros contra os mortos que vinham cambaleando para cima deles.
David Jogou o corpo leve de Alice sobre a barricada e trepou sobre a barreira de concreto. Ele agarrou Alice novamente. Um zumbi veio na direção da perna dele. David chutou a cara do zumbi, que caiu no chão. Mas vieram outros. David olhou para frente e se assustou ao ver um mar de mortos correndo das ruas adjacentes à avenida, vindo como uma procissão. David espantou-se ao ver que atraídos pelo ruído da moto, muitos mortos estavam pulando dos prédios. No chão, já não havia mais lugar. Parecia uma São Silvestre de defuntos.
David agarrou Alice pela cintura e escalou o boqueio, feito com carros empilhados e placas de concreto. Antes de saltar para o outro lado, olhou para trás e viu que uma centena de mortos, alguns em estado deplorável de apodrecimento já estavam escalando a barricada.
David segurou firme o corpo de Alice e Saltou para o outro lado.
Por sorte aquele pedaço da rua era ladeado por prédios muito altos, formando um extenso corredor. David correu com Alice desfalecida nas costas. Já estava escuro, mas no fim da rua ele viu que havia outra barricada gigante. Ela estava longe, e parecia intransponível, mas David Carlyle viu que havia zumbis saltando dela e vindo correndo na direção deles. Agora aquela rua que mais parecia um corredor da morte estava se virando contra eles. Não havia nenhuma saída visível. David notou apenas um estreito beco entre dois prédios. Meteu-se ali com Alice nos ombros e correu pelo beco escuro. Deu de cara com um alambrado.
Ali David Carlyle contemplou que talvez fosse o momento derradeiro de morrer e de perder a mulher. Arrependeu-se de ter deixado Alice adentrar a cidade com ele. Tinha sido uma ideia estupida.
David já ouvia os gritos dos mortos vindo pela rua estreita.
Alice gemeu com ombro de David. Ela estava acordando. David Sacudiu Alice.
-Ai minha cabeça… – Ela disse, meio tonta. – Ai, para!
David sacudia Alice violentamente. Meteu a mão no bolso do sobretudo e sacou a lanterna.
Alice viu o alambrado.
-Que? Que foi? Que lugar é esse, David?
David apontou para o alambrado. Pegou a arma e apontou para o outro lado, em direção à entrada do beco.
Alice olhou para trás e viu os mortos se acotovelando para adentrar o estreito beco entre os dois prédios.
-Puta que pariu! – Ela gritou, agarrando-se e começando a escalar o alambrado.
David disparou contra a entrada do beco até que as balas acabaram. Ele jogou as pistolas.
Alice estava trepando no alambrado. David saltou e empurrou Alice, que caiu para o outro lado.
David saltou, mas a multidão de zumbis o alcançou. Dezenas de mãos pútridas o agarraram e puxaram. David virou-se e começou a desferir socos e pontapés.
Até que notou que os mortos pareciam não enxergá-lo. Eles estavam pressionando seu corpo contra o alambrado, tentando alcançar Alice.
David começou a pisotear os mortos ao seu redor. Pisou na cabeça de um anão e conseguiu dar um salto alto o suficiente para agarrar no alto do alambrado.
Os zumbis vendo que David Havia se agarrado no alto começaram a querer subir pelo corpo dele. Agora ele era apertado, mordido, arranhado e espremido contra o metal. David por sua vez, lutava ferozmente para se livrar daquela turba enfurecida e lentamente conseguiu escalar o alambrado e girar o corpo, caindo estatelado no chão do outro lado. David olhou para trás e na escuridão que já quase não permitia ver qualquer coisa, ouviu os gemidos e a gritaria e o gás nojento que exalava daquela multidão espremida entre os dois prédios e o alambrado.
Uma forte luz brilhou no rosto dele. Era Alice com a lanterna.
-Vem David!
Eles correram pela escuridão do beco. David sabia que em poucos minutos haveria tantos mortos se acotovelando naquele beco que os primeiros iriam virar uma horrenda escada de carne podre para que os outros saltassem o alambrado e viessem atrás deles.
-Temos que achar uma saída. – Gritou Alice, iluminando as portas com a lanterna.
Todas as portas estavam fechadas. Menos a última. Mas a porta se revelou uma espécie de pequeno armário embutido, de 2X2 metros, onde os funcionários da limpeza estocavam material. Havia um monte de vassouras, baldes, escovões, e produtos de limpeza geral.
David e Alice entraram ali. David bateu a porta e usou uma vassoura quebrada ao meio para servir de tranca.
-Isso não vai segurar! – Alice estava assustada. Sentia-se acuada.
David agarrou dois vidros de desinfetante cor de rosa.
-O que você vai fazer com isso?
David apenas abriu o desinfetante e jogou pelas paredes, e pelo chão.
– O que você está fazendo, porra? Precisamos sair daqui. – Ela disse aflita.

Em seguida, ele olhou para cima. O teto era branco. Mas havia um recorte quadrado no alto.
Alice iluminou com a lanterna.
-Acho que é uma passagem, David!
David não disse nada. Ele subiu num carrinho de supermercado que havia ali dentro. Foi quando começaram as primeiras batidas na porta.
-Ai meu Deus! Eles já saltaram o alambrado! – Alice estava desesperada.
David estava agora sobre o carrinho de mercado. Ele agarrou Alice pela cintura e levantou a moça até perto do teto.
A porta de metal estva sendo esmurrada violentamente.
Alice empurrou o recorte do teto e ele levantou, revelando um par de dobradiças que refletiram a luz da lanterna.
Alice iluminou lá pra cima. Havia uma escada embutida na parede. Não dava para ver onde aquilo levava.

Alice agarrou os degraus embutidos na parede e começou a subir. Então ela parou e viu que David não alcançava a escada. A frágil porta metálica do quartinho já começava a ceder. Pelo barulho parecia haver uns dois mil zumbis do lado de fora, urrando, gemendo e babando.
Alice desceu dois degraus e esticou a perna.
-Agarra na minha perna, David.
O zumbi saltou e agarrou na perna dela. Alice fez um esforço descomunal para subir os degraus, com David agarrado em sua perna. Ela sentiu a dor Achou que David fosse deslocar o osso da perna dela. Alice fez todo o esforço que podia para subir de modo que David conseguisse alcançar pelo menos o primeiro degrau.
Quando ele finalmente alcançou, ela sentiu o peso na perna desaparecer como magica.
Alice começou a subir. Ela levava a lanterna amarrada no pulso pela alça.
Olhou para baixo e viu David baixando a tampa do teto.
No segundo seguinte, houve um estrondo e uma confusão de ruídos estranhos.
Os dois ficaram agarrados nas escadas, em silêncio. Apenas ouvindo. A gritaria gradualmente começou a rarear.
Só então Alice entendeu que David havia jogado o desinfetante para mascarar o cheiro deles. Para os zumbis e sua mentalidade inferior a de um macaco com um ano de idade, os dois haviam simplesmente sumido.
Alice começou a subir as escadas. E chegou num platô de laje, que dava acesso a uma porta corta-fogo.
-É uma saída de incêndio. – Ela disse.
David subiu logo atrás.
Os dois passaram pela porta e abriram uma greta com cuidado. Estava tudo escuro. Alice iluminou com a lanterna. Era um corredor que tinha paredes brancas.Eles ficaram algum tempo ouvindo, na esperança de detectar algum ruído que indicasse a presença de mortos no andar, mas não ouviram nada.
David fez sinal para que Alice esperasse. Ela concordou. Ele saiu para o corredor e ela encostou a porta.
Ele andou pelo corredor. Alice podia ouvir os passos dele contra o mármore branco do piso.
Algum tempo depois, ele voltou.
Fez sinal para que ela o seguisse.
Alice saiu da segurança da porta corta-fogo e seguiu David. Ele foi até uma sala que estava aberta. David tomou a lanterna dela e desligou. Foi até a janela e apontou para baixo. Alice olhou lá para baixo. A princípio ela não conseguiu entender o que viu. Parecia água. Então, à medida em que seus olhos se acostumaram com a escuridão, viu que eram milhares de cabeças. O prédio estava cercado por uma multidão sem fim de mortos-vivos.
-Oh, meu Deus!

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.

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Comentários

  1. A referência da cabeça de cavalo no meio da rua fez brotar um enorme sorrisos aqui! X)

    Sobre o alvejante: na mesma hora eu me lembrei de suas explicações lá no post do Eu Sou a Lenda – foi dali que você se inspirou?

    Abraços,

    tio .faso

    • Não… Nem me lembrei disso. Inicialmente o cara ia jogar aquilo para os zumbis escorregarem pelas paredes ao tentar seguí-los, mas então lembrei do cheiro nauseabundo do desinfetante de banheiro que era usado na minha escola. Hahaha.

    • Cara o final mesmo da história está longe. Só que o final deste conto especificamente está assustadoramente perto. Falta só mais um capítulo para o final que vai fechar o prólogo da história do zumbi.

        • Eu não disse que vai continuar. Eu disse que a história transcende o que mostro aqui no conto. A história MESMO eu pretendo escrever algum dia, numa série de livros. Tudo depende da editora. Caso alguém conheça uma editora de verdade (não essas merdas que querem que você pague seu próprio livro) pode entrar em contato comigo.

          • Ah tá! Então é o Hobbit pobre. Um dia sai a trilogia do Senhor dos Anéis! X)

            Eu não sei direito como as editoras vêem o mercado de consumo zumbi (sim, soou estranho), mas algumas tem publicado os livros top do meio, como a Barba Negra (“Zumbis, o Livro dos Mortos” de Jamie Russel) e a Rocco que publicou o Guia de Sobrevivência Zumbi. Talvez elas se interessem (espero).

            Abraços,

            tio .faso

          • CAra eu tenho a ideia global da parada, mas os detalhes surgem como magica quando começo a fazer. Mas vc se refere ao contexto de contar uma história de zumbi do ponto de vista do zumbi ou do lance do livro e do prologo de (até aqui) 17 capítulos? Se for isso, eu pensei sim, desde o inicio eu sabia que o conto era o prologo de algo maior, mas não sabia (e ainda não sei) o quão maior.

  2. Será que ela estava espirrando e vomitando por ter beijado o David de noite? Ou será que a piranha tá grávida daquela tórrida noite de amor? O conto tá fantááááááááástico! Quero mais! XD

  3. Só consegui ler agora, ainda bem que eu não tenho escola amanhã. Porra, quando eles já estão fudidos de vez, você vem e fode eles mais ainda. O conto tá Fantástico, e quanto ao lance do livro, tomara que você lance, mas eu tenho uma pergunta. Ainda tem livro do Mundo Gump à venda?

  4. Ultimamente só tenho entrado na NET pra acompanhar as aventuras desse zumbi azarado, e gasto R$ 0.50 por dia, como está levando uma semana entre um capítulo e outro já daria até pra lançar o livro com esse dinheiro. hahaha. Brincadeirinha.

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