domingo, dezembro 22, 2024

Adolescentização na TV

Hoje eu estava esperando a primeira dama terminar de ler um relatório para podermos ir na rua fazer uns pagamentos.
Enquanto eu esperava, liguei a Tv e comecei a ver os programas matinais.

Estava passando o Sítio do Picapau Amarelo.
Quando deu a propaganda eu comecei a observar um padrão na publicidade dirigida ao público infantil. A maioria dos produtos mostrava pirralhinhos fazendo caras e bocas com roupas estilo streetwear. Enquanto toda sorte de produtos boçais era empurrada para as crianças, eu, impressionado na poltrona, testemunhava um fenômeno que cahamarei de “adolescentização infantil”.

Quando eu era criança, ser criança era uma coisa normal. Você era uma criança, reconhecia-se como uma e aceitava este fato como parte da vida. Você tinha brinquedos e tinha uma conduta, um código que ia do vestuário ao comportamento com os pais. Sobretudo nos lugares públicos.
Aí você crescia um pouco mais e virava um pré-adolescente. Nesta fase, eu era meio criança pequena, meio criança-grande. A voz variava, algumas vezes fina, outras grossa. O mundo era mais complexo e eu já pensava em coisas como o dia do meu primeiro beijo. Como seria? Com quem?

Aí eu virei adolescente. Começou a fase dos hi fis (rai-fais) onde meninos levavam as bebidas e a s meninas um prato de salgado. E o ponto culminante, era beijar na boca ao som da música lenta. Ah, como era bom…

Ok, eu admito. Eu ficava lá no paredão, com cara de bobo. Eu só fui beijar na boca com quinze anos.
Eu tinha medo de chamar as meninas para dançar. A adolescência se prolongou por mais alguns anos e a era dos hi fis deu lugar a festas mais animadas, todo mundo ia para as boates ( em são páulo “boate” é como puteiro. Aqui no Rio, ir na Boate é programa mais familiar. è o que convencionou-se de chamar de ir “pra balada”) O termo pode soar natural em São Paulo e cercanias, mas ao rigor do vernáculo, ir pra “balada” aqui no Rio, me parece algo como tentar subir favela com o pessoal do Bope.
Seja como for, a minha adolescência foi recheada de grandes aventuras e muitos perrengues.

O que eu quero dizer com isso é que durante a fase que compreendeu a minha infância, a pré-adolescência e a adolescência, até chegar na fase adulta, havia uma clara distinção de quem eu era e qual o meu lugar no mundo.

Mas não é o que parece desejar o cara do marketing das agências que fazem as propagandas para os guris. Em todas as propagandas de crianças, a criança mesmo é representada por semi-bebês. É uma distorção imagética que vem ocorrendo há alguns anos.
As crianças recebem uma imagem de que “ser legal” é ser como as crianças dos comerciais. Há um comercial em especial, completamente detestável, onde três meninas de uns sete anos, com estilos Paris Hilton desfilam sandalinhas. Elas vão dizendo o que é ser legal. Num determinado momento, a conclusão é que ser legal “É ter atitude”. É ter aquela sandália. E então, a mais novinha, diz que “legal é brincar”. Diz isso com uma boneca na mão. As outras olham espantadas como se tivessem ouvido algo ULTRA INACREDITÁVEL. Isso obrioga a menina a se explicar para as amigas, dizendo que ninguém é de ferro.

O que esta passagem representa num comercial infantil? Representa uma exultação do consumismo e do patricismo, em detrimento ao papel real da criança que é brincar.
Brincar é OBRIGAÇÃO da criança. É parte fundamental do seu desenvolvimento social, motor e mental. Até os macacos brincam. Os tigres brincam. Os cães brincam. Todos os mamíferos brincam.
Crianças se espantando em ver uma delas dizendo que brinca, mostra que á uma mão invisível do mercado, maquiavélicamente manipulando o inconsciente infantil para um comportamento de adolescente. Elas são meninas que vestem-se como mini peruas, adultinhas e fingem desfilar numa passarela da moda. É uma realização metafórica do ideal adolescente feminino.

Palavras como “estilo”, “atitude”, “tribo” afetam o adolescente de maneira eficaz. A mídia usa estes truques com palavras mágicas desde a década de 70. Mas isso tem atingido preocupantes níveis. Nove em cada dez comerciais para crianças e pré-adolescentes, bem como as revistas, editoriais de moda e programas de clipes na Tv, repetem o mantra da “Atitude”.

O que ocorre é a adolescentização das crianças. Está comprovado que ao se sentir um adolescente, uma criança desejará exercer sua “atuitude”. E o que é a tão falada “atitude”? É usar a roupa da moda, ou o brinquedo. Usar isso de um ponto de vista contestador e absolutamente seguro. É desejar. É ser ao mesmo tempo o centro das atenções, o melhor, o popular e talbém em alto grau, o “rebelde”, ou num linguajar mais moderno, apenas um rbd.

Desejar não é errado. O ser humano sempre deseja alguma coisa. Da hora que nasce à hora em que abotôa de vez o paletó de madeira. O problema é que ao estimular a adolescentizção da criança, o marqueteiro tira dos pais um trunfo que é o poder de decisão sobre certos aspectos da vida dos seus filhos. Veja a Xuxa, por exemplo. Dá pra entender melhor o que eu quero dizer usando esta notícia do aniversário de nove anos da Sasha, que foi um rega-bofe com baile Funk e comida japonesa, duas exigências da “pré-adolescente” Sasha, como diz a notícia.

Claro, há pais e pais. Há famílias muito diferentes e ritimos de criação bastante complexos. O próprio sistema familiar já se alterou bastante ao longo do tempo. Antigamente, a família era uma estrutura formada por um pai, uma mãe e irmãos. Todos com claros papéis sociais para desempenhar. Hoje, a estrutura familiar mudou radicalmente. Vemos crianças sendo criadas pela Tv, pais ausentes tendo que trabalhar até nos finais de semana. Famílias separadas onde a criança é criada pelos avós.

Existem pais que inseguros sobre seu papel na educação e formação intelectual dos filhos, fantasiam que atribuindo a elas o direito de escolher tudo que querem, produzirão um jovem mais seguro. Um jovem com “atitude”. Existem pais que se orgulham de dizer que os filhos de 3 e 5 anos decidem sozinhos qual roupa irão usar e não há santo nem choro nem vela que faça o pirralho mudar de ideia. A criança bate o pé que quer e pronto. Resta aos pais aceitar as vontades dos pimpolhos.

Os pais cada vez mais distantes, seja pelo trabalho ou qualquer outro fator, tem a necessidade de suprir aquela falta, aquele peso na consciência comprando toda a sorte de mimos e presentinhos para os filhos. É normal que casais separados ou em ritimo de separação conjugal comecem a disputar os filhos em um festival de mimos e presentes que crescem em número e valor numa escala geométrica. Começa a quantificação do amor paterno usando como referência o preço do presente.

Isso é o paraíso do marqueteiro. Com pais ausentes, crianças cada vez mais precocemente estimuladas a um comportamento estereotipado de consumismo absoluto, todos rezando na cartilha do “você tem que ter ATITUDE”, está formada a sociedade do futuro. Aquela que venderá o fígado para comprar o último celular, ou o carro do momento.

A criança enquanto cresce, vai sendo influencaiada por diferentes segmentos. Primeiro pelos pais, depois pelos amigos da escola, e depois pelos amigos da escola mais a TV. A influência dos amigos é a maior e mais prolongada linha de influência sobre a personalidade de uma criança. Ela dura do momento em que o guri entra no pré-escolar e vai até o fim da vida.
São os amigos que dizem quem somos. São eles que dirão que você fica com mais estilo, moral ou atitude se tiver fumando um cigarro ou usando determinada bolsa ou acessório comentado na propaganda da MTV. Quem sabe bem disso é a Souza Cruz.

É difícil calcular em que grau a influência da Tv transforma crianças em bonecos mamulengos de adultinhos. Mas acredito que isso seja amplificado pelo fato de que a Tv afeta uma massa gigante de crianças. E esta influência reverbera entre grupos escolares, afetando até aqueles que não estão expostos à TV.
São vidas variadas e uma multiplicidade de combinações.
E justamente por conta disso é que se torna tão perniciosa a adolescentização, já que uma vez roubada esta fase da vida, não há retorno.

Era de se esperar que com a adolescentização infantil, houvesse em paralelo uma adultificação do adolescente, mas não. É justamente o oposto. O que ocorre é uma adolescentização do adulto. Quem não está habituado a ver essas titias desfilando com roupinhas e com comportamento adolescente em festas e eventos? Na maioria das vezes, são mulheres maduras e homens mais velhos que se separaram e resolveram aproveitar o tempo perdido, como se entrassem na máquina do tempo, voltando aos dias que precederam o encontro com o parceiro naquele romance que deu errado.
Além dos que buscam a adolescência tardiamente, estão aqueles que atingem a idade adulta mantendo uma vida adolescente. São marmanjos que trabalham e ganham bem, mas vivem na casa dos pais. Ao contrário do que acontecia com gerações passadas, esta geração não deseja sair de casa e ter seu próprio apê. Eles estão querendo o conforto. A folga, o mole, comodidade ou como poreferir. Essa geração coloca cama de casal no quarto e comunica aos pais que vai trazer a namorada para dormir com ele ( ou ela) em casa.
Os pais aceitam o prolongamento da fase adolescente dos filhos. São vários os motivos que explicam isso. Mas um deles é o mais óbvio, porque isso é em útimo grau, uma negação inconsciente do inexorável destino humano. A morte. Enquanto as “crianças” estão em casa, os pais não se sentem velhos.
Se por um lado temos guris saídos das fraldas que vivem um High School Musical adolescentizado, no outro extremo, temos adultos que não desejam viver os aspectos mais chatos da maturidade. A adolescência está se prolongando.

È interessante quanta reflexão um comercial de sandalinha e carrinhos que viram robôs podem gerar, né?

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Philipe Kling David, autor de mais de 30 livros, é editor do Mundo Gump, um blog que explora o extraordinário e o curioso. Formado em Psicologia, ele combina escrita criativa, pesquisa rigorosa e uma curiosidade insaciável para oferecer histórias fascinantes. Especialista na interseção entre ciência, cultura e o desconhecido, Philipe é palestrante em blogs, WordPress e tecnologia, além de colaborador de revistas como UFO, Ovni Pesquisa e Digital Designer. Seu compromisso com a qualidade torna o Mundo Gump uma referência em conteúdo autêntico e intrigante.

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Comentários

  1. Pois é, por isso que no meu consultório estou atendendo tantas mães que reclamam que o filho a chama de idiota…elas estão perdidinhas sobre a criação dos filhos, não dá pra competir com a midia, a neo-babá. Criam-se pequenos tiranos, que não tem limite pra nada…uma hora tenho que escrever sobre isso também.

    Abs

  2. Fala Philipe,Cara parabens pelo seu Blog conheci a pouko tempo pelo orkut e curti muito.
    Phelipe pelo q vi no blog vc gosta de coisas estranhas e inesplicaveis entaum pensei que c fosse possivel vc poderia fazer um post sobre os FooFighters, naum a banda mas as pequenas e indeterminada coisas q na 2 guerra mundial circundavam avioes e permaneceram sem explikcoes.
    Cara c for possivel por favor explique o q elas saum…
    Vlaeuu…
    abrass

  3. Cara, sensacional teu post…
    É tudo o que eu penso sobre o mundo hoje me dia… Fico preocupado com o tipo de coisa que vou ter que enfrentar com a minha filha… Ela tem apenas 2 anos e já é muito influenciada por esse mundo por causa de parentes q pensam e agem dessa maneira q você descreveu… luto contra isso com unhas e dentes…
    Parabéns por mais um post excelente…

  4. Cara, parabéns…Super interessante o seu post.Lendo esse texto lembrei de um primo meu mais novo, de 9 anos, que dá ordem pra minha avó e tudo mais…

  5. se eu fosse dono da super interessante, tinha acabado de achar a matéria-capa do próximo mes! asuhsh…

    é foda, botam sensura encima de um coroa tomando uma cerva num bar em uma novela as 21h, mas nao tao nem aí pra essas poucas vergonhas que passam o dia inteiro pras crianças…

  6. Sempre existem casos e casos, acho que uma criação legal em casa é mais forte que todo esse marketing. Essa de filho dar ordem em pai e tal é só com pai fraco, que fica com medo de magoar os filhos com uns tapas e castigos. Depois que a criança cresce ela vê que foi melhor pra ela.

    Sobre a questão da adolescência prolongada, eu sou alguém que nunca quis ser “adolescente”. Quando criança, queria ser adulto, quando adolescente, queria ser velho, hoje com quase 20 anos, acho que consegui.

  7. Muito bom o seu blog kra… já passo por aki a um bom tempo, mas só resolvi postar após a promoção pra naum ficar com kra de espertin hehehe…

    Suas histórias saum as melhores, e eu rolei de rir com várias, sem contar as bizarrices q só aki msm…

    Fechando com chave de ouro ainda tem essas pérolas postadas entre uma aberração e uma bizarrice (heheh)… mt bons seus comentarios…

    Agora o problema da “adultização” eu acho q se deve em parte pq adquirir conhecimento hj em dia ficou tão fácil q as crianças perderam mt da inocencia q era oq as mantinham mais “infantis”… lógico q o apelo marketeiro é sinistro msm… nossos queridos deputados deveriam fazer uma lei proibindo manipulação subliminar pela mídia (semelhante ao q aconteceu com cigarro, só q menos restritivo), seria bem melhor… mas ae entram outros porens e tals.. enfim, show o post…

    uma pergunta a parte, vc joga RPG? se naum, vc deveria kra hauhahu…

    abraços

  8. Philipe, tenho uma reclamação a fazer, TOU VICIADO NESSE BLOG!!!
    Falar que vc escreve bem sobre todos os assuntos abordados, é chover no molhado, sem falar nas curiosidades e assuntos interessantes que vc posta aqui.
    Realmente vc é uma pessoa especial.
    Parabéns.

  9. Fala Philipe! Raphael Braga aqui…
    O que será de nós se você parar de escrever cara?
    Parabéns pelo Post, excelente visão.
    Eu quando tiver filhos vou me trancar na fazenda longe das lojas e meus filhos vão brincar com trenzinhos de madeira e folhas secas! Tá louco que eu vou gastar os tubos numa sandália de plástico pra minha filha ficar parecida com uma pequena meretriz só por que isso é ter ATITUDE…
    Deuses, que mundo louco…

  10. Exelente…eu penso mais ou menos igual a voce…tenho 16 anos e nao estou nem ai se eu ainda jogo video-game e se assisto desenho animado e nao tenho celular de ultima geraçao…
    As pessoas esqueceram que se gosta de uma pessoas pelo q ela eh e nao pela sua roupa ou carro…
    hoje em dia e mais dificil achar pessoas sinceras e honestas…e incrivel como uma qualidade q deveria ser comum entre as pessoas se torna tao rara nos dias de hoje…as pessoas estao esquecendo de sua natureza e virando seres tao futeis q chegam a dar nojo…
    Eu me sinto cada vez mais distante dos adolecentes de hoje em dia q preferem “catar” uma mina burra e se enbebedar do q ter um papo legal e conhecer a fundo pessoas novas…o homem inventou a midia para trazer informaçoes mais rapido uma ideia de genio eu acho… porem surgiu logo em seguida os marketeiros aproveitadores q acham certo enganar as pessoas pra con seguir algum lucro e deixar o mundo numa moda ridicula…
    As diferenças q fazem as pessoas perfeitas e hoje querem q todo mundo siga a moda…e se torne cada vez mais monotomo o mundo

    me desculpe se falei alguma besteira…
    Um Abraço Philipe

  11. Além de concordar em gênero, número e grau com seus comentários sobre adolescentização da criança, e já a muito preocupado com essa questão em que eu como tio “não tiozão…hehehe.. Tio mesmo”, vejo minha sobrinha de 12 anos se vestindo e comportando como uma moça, quando deveria estar de pés no chão, brincando de Barbie e fazendo chazinhos de mentirinha. Vejo também as crianças da tranquila rua em que moro se comportando de uma maneira que eu só comecei na adolescência. Não sei o que será no futuro de um país que define 6 mega lulas (6 milhões de reais) para a produção do filme da Famosa “puta” Bruna Surfistinha, após o estrondoso sucesso do livro da tal “prostituta” (me desculpe o grifo mas é revoltante). Mas, voltando ao assunto, já que iniciou o assunto, procure descobrir essa marca e vamos lançar um livro de assinaturas contra esse abuso e enviar ao fabricante para que ele reflita sobre sua propaganda. Espero ser o rpimeiro a assinar. Se não der em nada, pelo menos não ficamos no “fala mas não faz nada”.
    Abraços.

  12. não acho que brincar seja a obrigação da criança,mas é tudo o que ela sabe fazer.Se você der uma tarefa a ela,logo vai estar brincando.Esta é a beleza de ser criança,tudo vira brincadeira e a infância é algo que só acontece uma vez.Dou graças a Deus que aproveitei a minha.

  13. Olá Philipe!,

    eu usei seu texto para um trabalho de escola ok?
    coloquei a fonte obviamente, e até falei para a professora visitar este seu blog xD

    adoro este seu blog é muito booom! otimo texto!

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